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MOVIMENTO

A atualidade da luta nos sindicatos em tempos de desmonte neoliberal

Daniel Severo Schiites*, de Porto Alegre, RS

Diante da profunda reestruturação no mundo do trabalho desenvolvida por décadas de hegemonia neoliberal, jogando centenas de milhares de trabalhadores na informalidade, na uberização e em trabalhos precários, ainda que em contratos formais, no setor de serviços, não é raro que se questione a utilidade dos sindicatos como ferramentas para a mobilização de massas.

A explosão dessas novas modalidades de contratação encontra uma natural dificuldade organizativa destas categorias, que se soma aos impactos culturais e ideológicos destas décadas de hegemonia neoliberal, levando parte considerável destes trabalhadores precários a crer honestamente que são empreendedores e que é o seu esforço individual que define o seu sucesso ou infortúnio.

De outro lado, como uma outra face do neoliberalismo está a ânsia dos governos, desde a extrema direita neofascista à direita tradicional, pela privatização, terceirização e parceirização de serviços públicos.

As terceirizações, além do desmonte dos próprios serviços públicos em si, também revelam a nefasta finalidade de cisão das categorias, tendo como resultado o fato de em um mesmo local de trabalho coexistirem servidores públicos estáveis e com sindicatos relativamente organizados e trabalhadores contratados por empresas de procedência duvidosa, com grande rotatividade e sem um sindicato organizado que os represente. Ou seja, um mesmo local de trabalho com distintos níveis de organização e representações sindicais diversas.

Também merece destaque a reforma trabalhista e a construção de uma nova fase de desfinanciamento e estrangulamento financeiro dos sindicatos por meio do fim da contribuição sindical obrigatória, tema controverso, mas que entrou na ordem do dia em um momento de intenso ataque ao movimento sindical.

Como parece visível, a lógica neoliberal pretende impor um sentimento de terra arrasada sobre todas as formas de organização e resistência da classe trabalhadora em nível mundial. Pretende-se estabelecer que a alteração da lógica de funcionamento do modelo fordista sepultou as ferramentas historicamente construídas pelos trabalhadores para travar a luta do trabalho com o capital. Essa lógica passa a permear não apenas os setores desorganizados da classe trabalhadora, mas também as próprias direções sindicais, especialmente abaladas por anos de burocratização e, muitas vezes, imersas em uma racionalidade de pura e simples negociação de vantagens e concessões e muitas vezes de colaboração com os patrões.

Mas será possível afirmar que os sindicatos perderam totalmente a sua relevância e sentido histórico? Entendo que não. Enquanto existir a sociedade de classes, os sindicatos ainda terão um papel a cumprir. O que não significa admitir que o movimento sindical como está estruturado hoje é suficiente para enfrentar os desafios colocados para o mundo do trabalho. Entretanto, os sindicatos certamente podem desempenhar um papel superior ao que vêm cumprindo até aqui.

Mesmo com todas as dificuldades, ainda é possível encontrar situações em que sindicatos cumprem um papel destacado na política da cidade em diversos locais. Aqui ficarei em alguns exemplos da região metropolitana do Rio Grande do Sul, mas certamente não são únicos.

Com todos os limites, é inegável que os sindicatos de servidores públicos estaduais foram responsáveis por desvelar e colocar na pauta o desmonte posto em marcha pelo governo José Ivo Sartori com a extinção de diversas fundações e privatização de empresas públicas no ano de 2016. Este mesmo setor do funcionalismo estadual nos últimos anos logrou a construção das maiores mobilizações em defesa de direitos vistas no Estado no período recente.

Do mesmo modo, em municípios como Porto Alegre, Esteio e São Leopoldo, o papel de pautar a política da cidade em uma perspectiva de resistência ao projeto neoliberal e defesa dos serviços públicos é fundamentalmente cumprido pelos sindicatos de servidores públicos municipais, papel este, diga-se, acaba sendo, muitas vezes preponderante ao das bancadas dos partidos de esquerda. Acabam sendo estes sindicatos que disputam a opinião pública em defesa do caráter universal dos serviços públicos e que apresentam quadros políticos com destacada capacidade de se comunicar não apenas com as bases das categorias, mas com as demandas da cidade de forma abrangente.

Estas experiências acabam por demonstrar que o movimento sindical pode romper o tradicional corporativismo burocrático e cumprir um papel destacado de defesa dos serviços públicos e na salvaguarda de quem trabalha. É por conseguir dialogar com diferentes demandas da cidade, em todos os serviços públicos, que estes sindicatos têm conseguido furar a bolha e travar a importante disputa de sentido sobre os direitos básicos das populações locais em contraponto à ideologia do Estado-mínimo.

A resposta da esquerda organizada frente à hecatombe neoliberal não pode ser a apatia. Deve ser mais organização, fortalecendo suas entidades e criando condições para que as ferramentas históricas da classe trabalhadora possam desempenhar o papel que história lhes exige, rompendo a burocratização e por meio defesa dos serviços públicos buscando incorporar estes setores precarizados e desorganizados.

 

*Daniel Severo Schiites é advogado.