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MUNDO

Megaprocesso contra a extrema-direita em Portugal

Pedro Varela, Lisboa (Portugal)

O Ministério Público português prepara-se para acusar num megaprocesso judicial 37 elementos da extrema-direita1. Entre os casos mais graves incluem-se ataques racistas, islamofóbicos, políticos e homofóbicos. Na acusação constam crimes de ódio, tentativas de homicídio, ofensas à integridade física, posse de arma ilegal, injúrias e associação criminosa. São vários episódios acumulados entre 2013 e 2017 de brutalidade contra negros, muçulmanos, imigrantes, gays e militantes de esquerda, incluindo tentativas de assassinato.

Os acusados pertencem sobretudo ao movimento Hammerskins, um dos grupos neonazis mais violento do país. Entre os arguidos encontra-se um guarda prisional (agente penitenciário); onze pessoas referenciadas em antigos processos contra a extrema-direita; e cinco “skinheads” fascistas que no passado estiveram envolvidos no assassinato racista do jovem negro Alcindo Monteiro, em 19952.

Alcindo Monteiro foi espancado até à morte por um grupo de fascistas numa rua de Lisboa, numa noite onde aconteceram dezenas de ataques. Este crime teve enorme repercussão na sociedade portuguesa levando à prisão de 15 “skinheads” fascistas. Entre os presos estava Mário Machado, antigo líder dos Hammerskins e um dos principais líderes da extrema-direita até hoje. Em 2007, num outro processo judicial que decapitou parte da liderança deste grupo, Mário Machado foi novamente detido, acusado de racismo, chantagem violenta, posse de arma ilegal e ofensas graves à integridade física.

A investigação que leva agora a acusação de 37 neofascistas dura há vários anos e demonstra também falhas das instituições do Estado. O processo mostra que foram ignoradas em investigações prévias as motivações racistas e discriminatórias dos crimes; e, por exemplo, duas das tentativas de homicídio tinham sido inicialmente arquivadas pela justiça.

Num dos episódios que consta no processo, um dirigente sindical foi brutalmente espancado depois de um comício do Partido Comunista Português (PCP)3. A agressão levou quase à sua morte, deixando lesões cerebrais e traumas para a vida. Ao que tudo indica nesse ataque esteve envolvido o guarda prisional (agente penitenciário). Num outro episódio, um militante antifascista foi insultado e agredido em pleno aeroporto da cidade do Porto.

Em Portugal, de uma forma inédita desde da revolução dos cravos de 1974, a extrema-direita tem-se reagrupado e fortalecido. O neofascismo, no final do ano passado, chegou pela primeira vez ao parlamento através da eleição de André Ventura do Partido Chega; a extrema-direita tem-se construído nas redes sociais com Fake News, páginas de propaganda e perfis falsos; tem-se infiltrado e dirigido abertamente setores das forças policiais, como demonstra o aparecimento do Movimento Zero4; e a Cofina, um dos principais grupos de media no país, tem apoiado este projeto reaccionário. Assim, num momento em que o neofascismo se reorganiza no país e no mundo, este processo judicial poderá ter um importante impacto e, quem sabe, motivar outras investigações.

Recentemente, Mário Machado apelava para que seus companheiros, que agora são militantes do partido Chega, não revelassem terem pertencido no passado a organizações neonazis5. O partido de André Ventura, que teve um enorme financiamento desconhecido e agora tem assento parlamentar, tem reagrupado a extrema-direita antiga, nova, institucional e violenta num só projeto. E, apesar de ser um partido de “cara lavada” e seu líder negar a ligação a grupos nazis, são várias as notícias que comprovam que este tem sido integrado por ex-dirigentes e centenas de militantes de organizações declaradamente fascistas e nazis, incluindo ex-membros de um grupo fundado por Mário Machado, a Nova Ordem Social (NOS) ou do Partido Nacional Renovador (PNR), uma organização salazarista6.

Esperemos que este processo no tribunal possa desvendar a ligação que existe entre os grupos mais violentos da extrema-direita e suas estruturas mais institucionais, como por exemplo, o partido Chega e seus dirigentes; assim como denunciar a perigosa conexão que os neofascistas têm com setores das forças policiais. Neste sentido, este megaprocesso se for levado de forma corajosa pode ser um pequeno golpe ao futuro da reorganização da extrema-direita em Portugal.