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EDITORIAL

Os trabalhadores da linha de frente mostram o caminho

Editorial de 18 de maio de 2020
Divulgação / Secom BA / Fotos Públicas

Em dois meses, mais de 16 mil pessoas perderam suas vidas no Brasil pela covid-19. Na contramão do que ocorre no mundo, o país mantém o crescimento acelerado de óbitos e  novos contágios. Essa curva ascendente está levando ao colapso do sistema de saúde em vários estados: faltam leitos, vagas nas UTI`s, respiradores, EPI’s, profissionais da saúde etc. Nesses dias dramáticos, medidas mais restritivas de isolamento social — o chamado “lockdown” —  estão em debate, assim como quais serviços são, de fato, essenciais à sociedade. 

Na linha de frente do enfrentamento à pandemia, há um conjunto de trabalhadoras e trabalhadores que mantém em funcionamento hospitais e postos de saúde, transporte público, o ensino a distância das escolas e universidades, supermercados, entrega de alimentos e mercadorias por aplicativos, assistência social, limpeza urbana, os cuidados com crianças e idosos, entre outras atividades. 

Esses profissionais da linha de frente — cuja remuneração e reconhecimento nem sempre correspondem à importância social de seus trabalhos — sofreram com décadas de arrocho salarial, retirada de direitos por meio das reformas trabalhista e da previdência, degradação das condições de trabalho por conta de seguidos cortes orçamentários nas áreas sociais (saúde, educação, assistência social, saneamento básico), entre outras políticas neoliberais. 

Scarlett Rocha

Foto: Scarlett Rocha

A ação das enfermeiras de Brasília, no Primeiro de Maio, rompeu o silêncio, trazendo à tona o drama que se desenrola em todas as categorias que exercem trabalhos vitais nessa crise. Estigmatizados, marcados pela raça e gênero, esses trabalhadores põem em curso uma luta, muitas vezes, silenciosa, que revela a tensão existente entre aquelas e aqueles que arriscam a própria vida para manter o abastecimento, a saúde e a segurança de todos, mesmo enfrentando a orientação do presidente do país contrária ao isolamento social e a pressão de grandes e macabros empresários, sedentos por lucro. 

Desde o início, a luta tem sido garantir condições para que a linha de frente possa desenvolver seu trabalho com segurança. Em nenhum local de trabalho os EPI’s tem sido garantidos em qualidade e quantidade suficientes, de acordo com as recomendações sanitárias. 

A exigência, por vezes com medidas judiciais, de preservação das vidas por intermédio do afastamento remunerado dos profissionais que fazem parte do grupo de risco, escancarou o processo de sucateamento das empresas e serviços públicos. O Metrô de São Paulo é um exemplo. A empresa não divulga os dados, mas o sindicato calcula até o momento 142 afastamentos devido ao contágio ou contato com pessoas adoecidas. O afastamento de pais e mães não foi concedido, até que uma forte pressão impusesse esse direito. 

Mesmo nos hospitais, têm sido necessário que enfermeiras, técnicas de enfermagem, assistentes sociais e trabalhadoras da limpeza lutem não apenas contra o vírus e o dilema que enfrentam todos os dias ao voltar para suas famílias após serem expostos em seus locais de trabalho, mas também contra aumento das jornadas, assédio e contratos de trabalhos precarizados. O desmonte da saúde pública ao longo das últimas décadas agora cobra um preço alto. Os profissionais da linha de frente, que são aplaudidos na janela e na imprensa, deviam ter as condições adequadas de proteção ao vírus no trabalho e ter salários condizentes com a importância de sua atividade. 

Mesmo diante de uma tragédia humanitária, sem comparação na nossa história recente, Jair Bolsonaro se apoia em mecanismos jurídicos para minar o isolamento social. Primeiro por meio da MP 926, e agora através do Decreto 10344, busca reabrir estabelecimentos comerciais, como salões de beleza, barbearias e academias. Além disso, o fascista organiza empresários inescrupulosos para pressionar prefeitos e governadores contra o isolamento social. 

Para que os profissionais de saúde tenham a possibilidade de ajudar os adoecidos, é preciso diminuir o ritmo das contaminações. E isso só será possível com o distanciamento social e testes em massa. Para tanto, é fundamental a suspensão do funcionamento de todos os serviços não essenciais e a compra de milhões de testes e insumos para os testes. Nesse momento, a decretação de “lockdown” (distanciamento social abrangente e rígido) preservaria aqueles que, por medo do desemprego e da fome, são obrigados a trabalhar. 

A preservação da vida também depende de geladeiras cheias. Por essa razão, o pagamento de um auxílio emergencial digno (de um salário mínimo para todos que precisam), assim como a suspensão do pagamento das contas de água, luz, gás e das dívidas com os bancos e a concessão de cestas básicas, são decisivos para garantir o direito ao isolamento social de todos brasileiros.

 O “lockdown” não deve ser exercido por meio da violência, com o uso das forças policiais contra a população pobre e negra. O distanciamento social só poderá ser efetivado com a garantia das condições econômicas e sociais para toda a população, assim como com medidas educativas que envolvam as próprias pessoas nas ações de combate à pandemia. Nesse sentido, defendemos que as próprias comunidades, em seus territórios, organizem coletivamente, com apoio do SUS e das redes da assistência social, as medidas de distanciamento e solidariedade.  

A demora do governo Bolsonaro no pagamento do auxílio emergencial é uma política deliberada de inviabilizar o isolamento social — uma política em prol da morte de trabalhadores pobres e negros. Enquanto dezenas de milhões de brasileiros aguardam o pagamento do auxílio — um mês de espera por um subsídio que tem um caráter de urgência —, 70 mil militares receberam o auxílio indevidamente.

O que, à primeira vista, pode parecer incompetência ou falta de diálogo entre o presidente e governadores, na verdade é a concretização de uma política genocida, um projeto que está disposto a eliminar os “descartáveis” e impor a construção de uma sociedade em que a força de trabalho esteja à venda mais barata e com menos direitos, e os serviços — hoje públicos — sejam definitivamente privatizados. 

Os trabalhadores da linha de frente mostram o caminho a seguir. Foram eles que, ao inovar seus atos, renovaram as esperanças de todos que não compactuam com a politica de morte em marcha. Essas categorias, de forte presença negra, que tem em sua vanguarda mulheres, mães, cuja consciência feminista ardeu em resposta às violências intoleráveis, demonstram os subterrâneos da ação coletiva, silenciosa mas efetiva, e sua inquestionável capacidade de dar o tom da resistência à escalada autoritária. Que a esquerda se referencie na simplicidade exemplar de suas ações, em sua auto-organização, solidariedade e na confiança em suas próprias forças. 

A cada dia que passa, fica mais nítido que a defesa das condições mínimas de vida do povo trabalhador brasileiro — condições de saúde, renda, emprego e direitos democráticos e trabalhistas — passa pela derrubada desse governo genocida. Para salvar vidas e a democracia, vamos à luta — inspirados na coragem e na força dos trabalhadores da linha de frente — pelo Fora Bolsonaro!

 

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