Pular para o conteúdo
BRASIL

Por que não devemos aceitar que o nosso período de férias ocorra durante a pandemia?

Thiago Almeida de Lima* e Zuila Kelly da Costa Couto Fernandes de Araújo**
Divulgação

Campus do IFPB

Nos últimos dias, iniciou-se, no âmbito do IFPB, uma discussão em torno das férias de docentes e técnico-administrativos. A reitoria, em reunião virtual realizada no dia 13/05, lançou a proposta de unificação das férias em todos os campi. Pretende-se, com tal medida, reduzir os eventuais prejuízos sobre o calendário escolar, duramente afetado pela expansão do Coronavírus.

Saliente-se que o período de pausa regular em nossas atividades laborais foi agendado pelas administrações dos campi ainda em 2019, conforme estabelecido nas normativas que regem esse direito de todo servidor. Isto é, não tínhamos a menor ideia de que um evento pandêmico estava por vir. 

Na maior parte das unidades constituintes do IFPB, as férias estão previstas para transcorrerem entre o final do mês de junho e início do mês subsequente. Isso significa que, se as perspectivas da larga maioria dos especialistas em saúde pública forem confirmadas, nosso período de descanso ocorrerá dentro da crise provocada pelo Coronavírus. 

Neste texto, com o objetivo de fomentar o debate nas bases do SINTEF-PB, explicitamos nossa opinião sobre o tema. Obviamente, as reflexões e os apontamentos constantes no presente escrito não refletem a posição do sindicato enquanto instituição, mas apenas o ponto de vista particular destes que vos escrevem. 

Elencamos, a seguir, algumas razões pelas quais não devemos aceitar tal proposta:

  1. Comecemos por reiterar o óbvio (necessário em tempos de terraplanismo!): nós não somos causadores da pandemia. Somos, isto sim, vítimas desse vírus avassalador. O número de mortes não é apenas alarmante estatisticamente, mas também tristemente ilustrado por nomes e rostos familiares, uma vez que as vítimas fatais são cada vez mais próximas de nossa comunidade. Não estamos falando simplesmente de dias de trabalho que precisam ser repostos e reorganizados dentro de um novo calendário que anseie a normalidade. O cenário anterior de nossa rotina institucional já não será mais o mesmo, pois precisaremos lidar com perdas significativas e prejuízos imensuráveis. É fato inconteste que o ano de 2020 entrará para história, não como aquele em que estudantes não conseguiram concluir o ano letivo dentro do calendário civil, mas como o período em que o planeta foi afetado por uma crise sanitária gravíssima e de proporções catastróficas;

  2. Desse modo, não há porque embarcarmos nessa conversa fiada de que sacrifícios devem pesar sobre nossas costas. As contribuições da educação pública ao enfrentamento da pandemia são valiosíssimas, decisivas nós diríamos. E são muitas. Quem está pesquisando geneticamente o vírus? Quem está trabalhando na prospecção de drogas que sejam eficazes? Quem está pensando alternativas de baixo custo para equipamentos médico-hospitalares? Quem está desenvolvendo softwares para facilitar os estudos sobre o comportamento do vírus? Quem está refletindo sobre o impacto social da Covid-19? Quem está questionando e pensando o mundo e as nossas relações dentro dele neste contexto pandêmico? Quem está se desdobrando para pensar estratégias educacionais que possibilitem aos nossos estudantes uma formação de qualidade após a pandemia? Eu respondo: somos nós, os trabalhadores da educação. Aí está a nossa contribuição. Ela nada tem de pequena;
  3. Nossa estabilidade não é um favor. Não é um privilégio. Ela é uma conquista de toda a sociedade brasileira, não apenas do servidor. Ela permite que nós trabalhemos sem a obrigação de condescender com eventuais desmandos (e no Brasil são muitos!) para não perder o emprego. Isso serve ao Estado brasileiro. Embora a estabilidade nos traga, de fato, alguma segurança nas relações de trabalho, não devemos nos penitenciar por isso. Na verdade, o erro está em naturalizar o que ocorre no setor privado, como se a precarização das relações de trabalho, o desemprego, os baixos salários e a insegurança laboral fossem apenas ocasionadas pela pandemia e não por um processo socio-metabólico que se dá sob a condição precípua de esmerilhar o trabalhador; 
  4. Quando manifestamos essa ânsia de “justificar os nossos salários”, estamos fazendo exatamente aquilo que deseja o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele quer que sintamos medo. Ele deseja que nós o agradeçamos por não cortar nossos salários. Ele é perverso e nós, ao ecoarmos esse discurso nos espaços da instituição – quer seja por ingenuidade, quer seja por desinformação/desconhecimento -, ajoelhamo-nos ante essa perversidade. Paulo Guedes e o Congresso Nacional autorizaram, em menos de 48 horas, uma “ajudinha” aos bancos que superou 1 TRILHÃO DE REAIS. Ele é perverso. O governo é perverso. E nós vamos responder a toda essa perversidade aceitando, sem questionar, esses discursos? Não. Há dinheiro para o enfrentamento ao coronavírus. Há dinheiro para manutenção dos nossos salários e dos salários dos trabalhadores da iniciativa privada. Há dinheiro suficiente no país para que não tenhamos que arriscar todas as vidas da comunidade escolar do IFPB. Se aceitarmos isso sem maiores questionamentos, cerraremos fileiras junto aos empresários da morte, que patrocinaram carreatas em todo o país, pois é a essa elite que serve o governo de Jair Bolsonaro. Um dos executivos da corretora de investimentos XP falou, em tom de alívio, que a pandemia já tinha sido superada nas classes mais abastadas, mas que ela continuava forte nas camadas sociais menos favorecidas. No fundo, é disso que estamos falando;  
  5. As férias regulares são conquistas históricas da classe trabalhadora. O trabalhador precisa delas para se refazer, para reconstruir as condições, físicas e mentais, de exercer sua função na divisão social do trabalho. No caso dos trabalhadores da educação, cuja função social fundamental é formar cidadãos, há o componente decisivo da sanidade sócio-emocional, sem a qual é impossível imprimir qualidade ao processo de ensino-aprendizagem. Não são poucos os casos de professores, técnico-administrativos e estudantes com diversos problemas relativos às questões psicológicas. Em meio ao turbilhão pandêmico, no qual o medo da morte se fez companhia cotidiana, não há a menor possibilidade de descanso. Recebo, diariamente, relatos de colegas com ansiedade, depressão e, em casos mais agudos, surtos psicóticos. Tentem imaginar os danos sobre nossa saúde caso tenhamos que emendar dois ou mais anos letivos. Sem descanso, sem tempo para cuidarmos de nossas angústias, das sequelas desta pandemia. Qual a qualidade da educação que iremos proporcionar? Qual a qualidade de vida que teremos durante a execução de nossas atividades? E os nossos estudantes? Todos sabemos como a rotina do IFPB é desgastante para eles. Faremos todos esses esforços – que podem custar, no barato, a nossa sanidade mental – para agradar a Paulo Guedes? É isso mesmo?      

Um milhão de outras razões poderiam ser apontadas neste texto/manifesto. Contudo, não quero cansar os eventuais leitores. Convido-os à reflexão e ao debate. 

Não há descanso na Pandemia! Não há férias na Pandemia! Fora Bolsonaro!

 

* Doutor em Geografia (UFPB). Professor de Geografia do IFPB – Campus Cabedelo
** Mestra em Literatura e Interculturalidade (UEPB). Professora de Língua Portuguesa do IFPB – Campus Itabaiana
Marcado como:
férias / IFPB / quarentena