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BRASIL

Por que é importante financiar a esquerda socialista?

Isaura Lopes, de São Paulo, SP

Estamos diante de situações de barbárie impostas pelo capitalismo à maioria da população como consequência da pandemia e da crise econômica. Por outro lado, temos inúmeras ações e gestos de solidariedade popular. 

A atividade coletiva de grupos e organizações da esquerda socialista tem sido uma maneira de ajudar em primeiro lugar a sobrevivência de setores que não têm o que comer porque foram abandonados pelo Estado e pelos grandes empresários. Porém, em segundo lugar, estas ações coletivas cumprem um papel na construção de laços de consciência entre aqueles que estão sendo oprimidos neste momento.No entanto, para que o segundo papel seja cumprido, se transformando em uma verdadeira práxis política – prática e teoria – não basta que essa doação seja feita por qualquer um. 

Neste momento, existem campanhas de setores que não têm interesse que haja a transformação real da vida das pessoas que se encontram mais afetadas pelo vírus no país. A Campanha “Solidariedade S/A” televisionada pela Rede Globo por exemplo, esconde as exorbitantes fortunas que bancos e grandes empresas conseguem explorando os trabalhadores e propagandeia as migalhas de sua falsa solidariedade.

Portanto, a solidariedade realizada por organizações políticas de esquerda e dos movimentos sociais são muito poderosas, pois encarnam os objetivos de consciência de classe.

Neste sentido, é necessário que estas organizações de esquerda, os meios de comunicação alternativos e os coletivos sociais sobrevivam neste momento. Organizações socialistas que tem seus financiamentos de maneira independente contam estritamente com a iniciativa de uma prática consciente de pessoas que entendem a necessidade da causa da transformação social. 

As diferentes perspectivas de autofinanciamento

No Brasil da pandemia, o combate ao isolamento social pela extrema direita também está ligado à necessidade de arrecadação de milícias e igrejas neopentecostais, que exploram a fé do povo. Para além do apoio ideológico ao bolsonarismo estes setores buscam também favorecimentos econômicos do governo. Segundo o Estadão, Bolsonaro pressiona a Receita Federal para perdoar dívidas de igreja evangélica, por exemplo.

Isto mostra como a sustentação financeira é uma necessidade de toda organização, seja ela revolucionária, reformista e até contrarrevolucionária. Logo, todas as organizações planejam suas formas de arrecadação de acordo com seus fins.

Até mesmo ONGs chegam a admitir no papel a necessidade de independência financeira para garantir a independência de suas ações. Vejamos, “(…) o Greenpeace escolheu ser uma organização independente. Para tanto, definiu que não aceitaria dinheiro de empresas, governos ou partidos políticos. (…) Essa decisão fechou nosso acesso a um volume considerável de fontes de financiamento. Por outro lado, garantiu uma atuação completamente independente em favor da proteção ambiental.” (1)

A classe trabalhadora brasileira construiu um instrumento de independência política no início dos anos 80 e deu o melhor de si para financiá-lo. O PT teve a oportunidade de organizar os trabalhadores de maneira independente do capital, porém aceitou dinheiro de grandes empresas e bancos. E assim como outras organizações reformistas na história apostou na conciliação de classes para chegar ao poder. Terminou governando com e para os grandes empresários e quando não foi mais necessário aos seus interesses, o PT foi escanteado.

Um projeto socialista precisa ser financiado por todos aqueles que confiam nele!

Uma organização socialista revolucionária que não tiver um projeto financeiro para atingir seus objetivos, ou vai à falência, ou também pode terminar capitulando aos projetos de organizações não revolucionárias. Pode passar a depender de mandatos parlamentares, de cargos nos aparatos partidários e nas entidades, e por mais que o negue teoricamente, pode comprometer o seu programa e sua estratégia. E este perigo é uma ameaça permanentemente até a prova final da revolução socialista. 

O objetivo de uma revolução socialista é a total libertação dos explorados e oprimidos. Somente os trabalhadores oprimidos podem sustentar seus interesses e seu programa pois a libertação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores. Esse projeto de libertação tem um lado objetivo, a luta de classes, mas tem também um lado subjetivo, já que depende das próprias organizações socialistas se prepararem para ser parte da direção desta revolução. 

Foi assim na Rússia, onde os revolucionários mesmo depois de serem duramente atingidos após a derrota da revolução de 1905 mantiveram-se firmes na construção de uma ferramenta independente que lhes permitiu fazer a revolução socialista em 1917. Mas a polêmica sobre que tipo de que organização construir e como a sustentar também esteve presente desde o início do movimento revolucionário naquele país. Lênin defendia que somente um partido operário, centralizado democraticamente e sustentado pela arrecadação da militância seria capaz de ir até as últimas consequências na luta pelo programa da classe trabalhadora. Isto exigiu uma grande dedicação e educou uma geração de lutadores.

Como nos lembra Trostsky em uma carta a um socialista francês, “A pessoa que estava no movimento colocava à disposição deste seus meios materiais, pertencia de corpo e alma, identificava-se abertamente com a causa a qual servia. Foi esse processo educativo que nos permitiu formar os combatentes que depois foram os “eixos” da revolução proletária.” (2)

Em seu livro Minha Vida, ele nos conta, “Em 1913, Rakovski foi o organizador e líder do Partido Socialista da Romênia, (…). Rakovski era o diretor de seu jornal diário e o financiava. (…) possuía por herança uma pequena propriedade, cuja renda servia ao partido romeno e a numerosos grupos e personalidades revolucionárias de outros países. Rakovski passava três dias por semana em Bucareste, escrevendo artigos, dirigindo as reuniões do Comitê Central, falando em comícios, liderando manifestações. Em seguida, tomava o trem para o Mar Negro, levando consigo barbante, pregos, diversos objetos indispensáveis. Ia ao campo, verificava o funcionamento de um novo trator, corria atrás da máquina seguindo seu sulco, com sua roupa da cidade. Após dois dias, Rakovski voltava à cidade o mais depressa possível, para não perder um comício ou uma reunião.” (3)

Segundo Pierre Broué, grande parte da arrecadação do Partido Bolchevique provinha “das periódicas listas de contribuição passadas entre intelectuais e profissionais liberais e fiscalizadas por uma comissão financeira especial”. (4)

Todos os ativistas que contribuem com uma organização socialista revolucionária, com meios de comunicação alternativos e com coletivos sociais neste momento de pandemia dão exemplo de grandeza ao investir em projetos coletivos. No momento em que duros ataques são feitos a classe trabalhadora, são muito valorosos os apoiadores da luta pela construção de organizações independentes política e financeiramente.

NOTAS

1 – Verificar em https://www.greenpeace.org/brasil/fale-conosco/perguntas-frequentes/ Acesso 12-05-2020
2 – Acesse a carta completa em http://www.ceipleontrotsky.org/Como-se-forman-los-revolucionarios Acesso 14-05-2020
3 – TROTSKY, Leon. Minha Vida. São Paulo: Usina Editorial, 2018. p. 270.
4 – BROUÉ, Pierre. O partido Bolchevique. São Paulo: Sundermann, 2014. p. 62.
Marcado como:
esquerda / socialismo