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BRASIL

Ceará ultrapassa o Rio de Janeiro e, se seguir a linha de Bolsonaro, vai às valas comuns 

Nericilda Rocha, de Fortaleza (CE)
Divulgação/Prefeitura de Fortaleza

O Cemitério Público Municipal Bom Jardim, em Fortaleza.

Na quarta-feira, 13 de maio, chegamos aos 188.974 casos confirmados e 13.149 óbitos no País. São 11.385 novos casos em 24 horas e mais 749 mortes. É o recorde de novos casos em um único dia. O máximo até então havia sido de 10.611 casos, em 9 de maio, sábado. Nesse ritmo, ainda que tenhamos oscilações para mais ou para menos, é provável que final do mês estejamos próximos aos 30 mil óbitos e na casa dos 300 mil casos. O Brasil já é o sexto país do mundo em número de casos, final do mês de maio esse dado pode ser ainda pior.

O Ceará também supera seus recordes. Nesta quarta, 13, o Ceará ultrapassou o Rio de Janeiro e se tornou o segundo estado com mais casos de coronavírus no país. Segundo os dados atualizados pelo Ministério da Saúde, o estado bateu tristes recordes e passou os 20 mil casos contra 18.728 no Rio de Janeiro. Em número de mortes por Covid-19, o Rio de Janeiro segue na frente com 2.050 e o Ceará alcançou 1.399. Foi o pior dia do estado, registrando 109 mortes em um período de 24 horas superando as 99 registradas em 2 de maio. A taxa de letalidade da doença no Ceará, no momento, é de 6,8%. O Estado soma ainda 35.003 casos em investigação. 

Em síntese, o estado é o segundo em número de casos e o terceiro em número de mortes no país. E no Nordeste é o de mais casos e mais mortos pela doença. Ou seja, a questão não é somente a propagação da doença, mas também sua gravidade.

O triste recorde da capital

Fortaleza superou a marca de mil pessoas mortas pela Covid-19 nesta quarta. A capital cearense contabiliza 1.022 óbitos (dos 1399 no estado), além de 13.416 casos confirmados da enfermidade. Na última semana, a cada 24 horas, foram registradas, em média, 50 mortes por Covid-19 em Fortaleza, sendo que essa média diária era de três óbitos nas primeiras semanas da pandemia.O número demonstra o aumento exponencial dos desfechos fatais pela doença na cidade. Com exceção de cinco bairros, todos registram mortes por Covid-19. A capital cearense é a sexta cidade com maior mortalidade por Covid-19.

Os números são uma expressão aproximada da proliferação e agressividade da enfermidade, não a real situação, visto que há subnotificações e baixa testagem. O Ceará tem quase 90% de subnotificações de Covid-19, conforme estimativa de um estudo do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (Nois) da PUC-RJ em abril. 

Outros números que preocupam na capital, são os óbitos em casa. Em março ocorreram 4, em abril 38 e em maio já são 71, totalizando 113 óbitos em casa por COVID-19 e sem explicação oficial até o momento. Provavelmente, seja um indicador da saturação do sistema de saúde frente a escalada do vírus. A ocupação de leitos de enfermaria e UTI subiu 500% nos últimos 40 dias devido à pandemia do novo coronavírus. A taxa de leitos ocupados no Ceará, segundo última atualização do IntegraSUS, é de 90% para UTIs e 81,3% em enfermarias, e estes percentuais variam conforme novos leitos e UTIs vão sendo abertos, mas a enfermidade também se dissemina. 

Um dos crimes de Bolsonaro e sua quota de responsabilidade nas mortes 

Em teleconferência com o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, nesta quinta (14), Bolsonaro reafirmou que “se dependesse do governo federal, quase nada teria sido fechado”. Mais uma vez, no rastro dos recordes de mortes, o presidente arremete contra o isolamento social pretendendo demonstrar sua ineficácia, visto que os números só crescem.

Os números cearenses, por exemplo, comprovam o fracasso do isolamento social e por isso devemos seguir o caminho apontado por Jair Bolsonaro? 

Desde o início, o governo Camilo Santana (PT) e a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) adotaram medidas de isolamento social, inclusive decretando medidas mais rígidas, se assemelhando a lockdown, 8 de maio, se contrapondo, assim como outros estados, à orientação do Presidente da República. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado nesta terça-feira (12), apontou o estado do Ceará com o maior índice (9.2) de avaliação de medidas para o distanciamento social entre os demais estados brasileiros. Mas entre a adoção de medidas e sua efetivação pelo conjunto da população há diferenças. 

Ao contrário do que Bolsonaro quer dar a entender, que as pessoas “querem” trabalhar, por isso ele se encarrega de juntar uma tropa e ficar fazendo atos e carretas pelo fim do isolamento, ele na verdade esconde sua responsabilidade em não garantir as condições materiais para que a grande massa da população cumpra as medidas de distanciamento social.

Há possivelmente uma confluência de fatores que explicam o gravíssimo quadro geral do país, mas nos deteremos no quadro cearense como exemplo. A Secretaria de Saúde (Sesa) tem apontado o número de testes realizado no Estado como fator para maior número de casos confirmados. Até a noite desta quarta (13), o Ceará realizou 49.530 testes. Outro fator é o hub no aeroporto, um centro de conexão para voos internacionais que aumenta o número de estrangeiros que passam pela cidade. E segundo alguns epidemiologistas, a sazonalidade dos vírus respiratórios, mas talvez elementos mais estruturais possam ajudar a entender a situação.

O percentual de trabalhadores sem carteira de trabalho assinada no Ceará, no último trimestre de 2020, foi de 58%. Com o resultado, o Estado foi o quinto colocado no País e o terceiro no Nordeste em informalidade, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já Fortaleza teve a oitava maior taxa de desemprego entre capitais brasileiras e a sétima região metropolitana com maior taxa de desocupação do País. Na Região Metropolitana, o rendimento médio real de todos os trabalhos era de R$ 2.189 levando à prática de complementação da renda através dos “bicos”.

A elevada informalidade e baixa renda, são por si só, obstáculos para um isolamento social efetivo. E aí entra a maior de todas as cotas de responsabilidade do governo Bolsonaro com o quadro pandêmico no país e em estados como o Ceará. A linha errática do governo não consiste somente no discurso contra o isolamento, na estupidez e desumanidade dos “E daí?”, mas principalmente em não garantir as condições para a população cumprir o isolamento total. É culpa do Bolsonaro, e ele não adotou porque não quis, a proibição das demissões e a garantia de uma renda básica a todas as pessoas na informalidade e uma renda especial para as famílias de desempregados e informais. Em vez disso, criou as MP’s 927 e 936, flexibilizando direitos e reduzindo salários. O Ceará é 8º em contratos de trabalho suspensos ou reduzidos após a medida com impacto em 324,31 mil empregados que termina agravando a situação porque a família busca “complementar” o que foi cortado, se arriscando em outras atividades que compromete o isolamento.

Só os trabalhadores podem ser consequentes na defesa de suas vidas e do Fora Bolsonaro 

É um escárnio que o governo tenha garantido o auxílio emergencial a 73 mil militares e mais de 17 milhões de pessoas em condições de necessidade sigam esperando, se aglomerando nas intermináveis filas da CEF. Além de ser um valor insuficiente e não chegar a todos aqueles que realmente necessitam, Bolsonaro ainda garantiu uma “boquinha” para sua base de apoio, os militares. Ele que tanto fala na defesa da família, tá deixando evidente tratar-se da sua família, vide o caso da interferência na Polícia Federal do Rio de Janeiro, da família de militares, e principalmente das famílias dos empresários. A única família que não preocupa ao presidente, morrer ou não é indiferente para ele, é a que mora nas grandes periferias e que de fato está perdendo seus entes queridos. 

Quanto mais cresce a curva de casos e óbitos pela COVID-19, no país e alguns estados, assim como no Ceará, Bolsonaro e a maior parte do setor empresarial, pressionam pelo fim do isolamento e mais exposição da população ao vírus, comprometendo vidas. Um dia após novos tristes recordes da pandemia, seis setores empresariais apresentaram ao governador Camilo Santana, plano para retomar as atividades. E Bolsonaro se reuniu com a FIESP e empresários para pressionar ainda mais pela reabertura do comércio e retorno das atividades. Preocupado em colocar “saúde e comida na mesa” conforme publicou em seu perfil no Twitter? Longe disso, preocupado em articular a classe dominante para evitar qualquer possibilidade de debate sobre um processo de impeachment ou qualquer movimento pela sua derrubada. 

Tanto não há preocupação com a comida na mesa da grande massa da população brasileira que a segunda parcela do auxílio emergencial não foi pago e já estamos na metade de maio. A perspectiva que Bolsonaro verdadeiramente apresenta à classe trabalhadora é a morte. Por isso, apesar da condição objetiva e subjetiva extremamente desfavorável à grande maioria da população, é urgente a classe trabalhadora conseguir abrir caminhos para transformar o Fora Bolsonaro, em uma bandeira da ampla maioria. Só assim poderemos efetivamente salvar vidas e evitar ocupar as milhares de valas já abertas nas principais capitais, devido a perspetiva da elevada mortalidade do novo coronavírus.