Na segunda feira, dia 11 de maio, grande parte da população se surpreendeu com a decisão da Presidência da República de incluir salões de beleza, barbearias e academias de ginástica entre os serviços considerados essenciais em um decreto que regulamentava o tema. Isso significa que, no entendimento do governo federal, essas atividades podem ser mantidas mesmo durante a política de isolamento social (para conter a pandemia do coronavírus no país) ou dos possíveis, e necessários, lockdowns. Questionado sobre isso, o próprio ministro da Saúde, Nelson Teich (que até agora não se mostrou muito mais comprometido que seu superior com as necessidades sanitárias do país) pareceu visivelmente desconfortável ao responder que não havia sido consultado e que a decisão não era sua atribuição.
Ainda que o governo federal preconize quais atividades podem continuar em meio à pandemia (ou seja, quais atividades são essenciais), o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que cabe aos estados e municípios o poder de estabelecer as políticas de saúde locais: questões sobre a quarentena e classificação dos serviços essenciais. Ou seja, felizmente, o equivocado decreto presidencial não é uma liberação automática para o funcionamento dessas atividades, uma vez que as decisões ligadas a políticas de saúde cabem aos governos municipais e estaduais.
Apesar disso, podemos afirmar que a recente extensão da lista de atividades consideradas fundamentais é, nada mais, nada menos que uma pressão consciente do governo Bolsonaro para o esvaziamento da quarentena no Brasil, um movimento feito pela sua cúpula para esvaziar a política de isolamento social e fortalecer a política do “e daí?”. Assim o governo demonstra, mais uma vez, seu compromisso com um setor do empresariado que está mais preocupado com a “morte de CNPJs” (empresas) do que com a de CPFs (pessoas).
De acordo com a definição formal da palavra, essencial é algo que constitui o mais básico ou o mais importante em algo; o que é fundamental. Numa análise jurídica, basta apenas um pouco de bom senso para asseverar que a nova medida presidencial é abusiva. Nesse caso, podemos notar, que não só o bom senso está sendo deixado de lado como a própria determinação legal de atividade essencial. O próprio Decreto Federal 10.282 de 2020, ao oferecer balizas para a compreensão do tema, preconiza que os serviços públicos e as atividades essenciais são:
“aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”
(§ 1º do artigo 3º do Decreto Federal).
Essa definição não é uma novidade, pois já constava na lei 7.783 de 1989, que dispõe sobre o direito de greve. Afastando a hipótese de interesses particulares e não públicos, torna-se impossível imaginar como o não funcionamento de um salão de beleza ou academia pode colocar em risco a saúde, sobrevivência ou segurança de uma população. Serviços essenciais são a “espinha dorsal” da infra-estrutura do país e é essa fundamentação que torna anulável o decreto presidencial.
Feminilidade compulsória
Ao mesmo tempo em que a política assassina de Jair Bolsonaro precisa ser questionada por juristas e parlamentares, temas como a feminilidade compulsória ou a negativa ao envelhecimento das mulheres precisam ser discutidos. A feminilidade compulsória é uma construção machista que obriga mulheres a manter determinados padrões de beleza, como unhas feitas, mesmo em meio a uma pandemia, e faz com que parte das mulheres não se sinta mulher se não realizar determinados rituais, por outro lado o envelhecimento feminino é negado e a mulher velha é invibilizada, o que faz com que pintar o cabelo seja “quase uma obrigação” da mulher que deseja se manter ativa.
Vivemos um momento histórico em que a clareza do que é ou não essencial definirá quantas pessoas podem vir a óbito frente à pandemia do novo coronavírus. O presidente ao relativizar isso comete um erro que pode custar muito caro às trabalhadoras e aos trabalhadores brasileiros. Nunca é demais afirmar que pessoas são mais importantes que empresas, e que o essencial nesse momento é garantir vidas, leitos para todos os doentes e segurança para que as atividades – realmente – essenciais sejam executadas.
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