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OPRESSÕES

Abolição inacabada: Por que negros e negras não reconhecem o 13 de Maio

Luciano Barboza*, de Rio das Ostras (RJ)
Philip Montgomery / Black Lives Matter

 

Neste 13 de maio de 2020 completa-se 132 anos da abolição da escravatura, um fato histórico, mas que não garantiu a integração do negro na sociedade, pois após a abolição os negros e negras não receberam nenhum tipo de indenização pelos séculos de trabalho escravo, ao contrário dos latifundiários que foram indenizados pelo governo federal.

A abolição da escravidão não garantiu nem casas para os negros morarem, os ex-escravos saíram das senzalas diretamente para o que se tornaria em pouco tempo favelas e periferias. Sendo assim, os negros foram historicamente condenados à marginalidade e negro se tornou sinônimo de exclusão social no Brasil. Por isso esse processo é entendido pelo conjunto do movimento negro como uma abolição inacabada.

História inventada

Percebemos que a mídia dá pouca atenção para a questão da exclusão dos negros na sociedade. E quando a questão negra aparece contém erros sociológicos e históricos graves. O exemplo clássico foi a telenovela Sinhá Moça (2006) produzida pela Rede Globo.

O conto fala dos momentos finais da escravidão no Brasil, colocando como a filha de um barão de café tinha pena dos escravos e lutava pelo fim da escravidão. Assistindo a novela recria-se um clima de politização onde as irmandades repletas de jovens brancos advogados lutavam pelo fim da escravidão por bondade. A novela Sinhá Moça tenta apagar a luta dos escravos pela sua liberdade e coloca todos os méritos nos brancos bons das irmandades abolicionistas.

Personagens como a Sinhá Moça constroem uma História do Brasil falsa e inventada. Não é verdade que o fim da escravidão tem como eixo principal a solidariedade dos brancos para com os negros. A historiografia não deixa margens para dúvidas sobre esses eventos históricos. O fim da escravidão é marcado pela luta do povo negro por sua libertação e principalmente pela pressão inglesa para acabar com a escravidão, pois havia interesse por parte dos ingleses em aumentar o mercado consumidor para consumir os produtos industrializados frutos da Revolução Industrial. Sendo assim, interessava aos ingleses o negro deixar de ser escravo para se transformar em um trabalhador assalariado.

Interesses econômicos por trás da Lei Áurea

Por outro lado, o fim da escravidão interessava também aos senhores de engenho mais esclarecidos do oeste paulista, que produziam café, pois concluíram que o trabalho assalariado, sairia mais barato que manter o trabalho escravo no cenário de fim do tráfico negreiro e da abolição da escravidão em muitos países. O escravo doente era tratado pelo senhor de engenho que assim perdia dinheiro, o mesmo tinha medo da perda de mais dinheiro caso sua “mercadoria” escravo viesse a morrer. O capitalismo tinha uma proposta para resolver esta situação para o latifundiário, pois caso o trabalhador assalariado ficasse doente seria demitido, tornando a produção mais econômica. Sendo assim, alguns latifundiários aderiram ao projeto abolicionista para manter seus lucros.

A História é muito diferente dos contos e os interesses econômicos capitalistas superam a suposta solidariedade de brancos para com negros. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravatura. Entender esse processo é fundamental para combatermos o racismo em tempos atuais.

O motivo do protagonismo da luta pela abolição não estar nos negros na novela Sinhá Moça é para que a classe trabalhadora não se identifique e não perceba que a transformação da sociedade só ocorre através da luta de classes. Pelo contrario a intenção da novela conservadora é que os pobres assistam as mudanças da sociedade sem participação, deixando as mudanças para seus governantes, excluindo a ativismo dos negros no processo.

A data 13 de maio de 1888 e a aprovação da Lei Áurea não podem ser representadas pela falsa e inventada bondade da princesa Isabel, como dizem a extrema-direita e o presidente da Fundação Palmares, pois foi resultado de incontáveis revoltas e rebeliões quilombolas e havia interesses econômicos em jogo. O movimento negro exige a valorização da luta dos negros por sua libertação e por isso não reconhece o dia 13 de maio (data construída pela elite branca) como o dia principal de luta dos negros.

20 de novembro

O movimento negro não se identifica com novelas como Sinhá Moça, a identidade negra e sua luta está presente em filmes como Quilombo, de Cacá Diegues (1984), que conta a história de Zumbi dos Palmares e de Dandara como protagonistas da luta dos negros.

A luta do povo negro se fez durante os mais de 350 anos de escravidão através dos quilombos, da religião afro-brasileira, da capoeira e da música negra, e isso se expressa na comemoração do dia 20 de novembro, dia da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, que morreu lutando pela libertação de todos os negros e negras. Por isso esse dia foi escolhido para se comemorar a Consciência Negra, representando a luta do povo negro por sua libertação e consciência da sua história no Brasil.

 

*Luciano Barboza é professor, coordenador do SEPE Central e do núcleo Rio das Ostras (SEPE Rio das Ostras/Casimiro de Abreu)