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BRASIL

Dia Internacional da Enfermagem: a luta das enfermeiras também é a luta dos residentes em saúde

Talita Freitas* e Lígia Maria**
Jorge Henrique / Sindenfermeiros DF

Manifestação silenciosa no dia 11, em frente ao Ministério da Saúde

A residência em saúde é uma modalidade de pós-graduação com uma carga horária de 60 horas semanais, divididas em atividades práticas e teóricas, com duração de cerca de dois anos. O profissional escolhe sua área de especialização e fica imerso durante todo o período do programa de residência, passando 80% da carga horária no serviço de saúde prestando atendimento e, por estar em constante processo de aprendizado, consegue trazer uma melhor qualificação à assistência. 

No geral, as pessoas conhecem mais a residência médica, que também funciona conforme esse processo de especialização e imersão em uma área específica do serviço de saúde. Entretanto, apesar da exaltação popular dessa modalidade de residência, esse tipo de pós-graduação não se restringe à medicina e é justamente a residência multiprofissional que garante a integralidade do serviço, uma vez que abrange diversas categorias de saúde e, assim, assegura ao usuário a resolutividade das problemáticas de seu processo saúde-doença.

A compreensão de que saúde não se faz só com medicina é imprescindível e colabora para que situações como a atual não aconteçam, já que leva toda a sociedade a valorizar os profissionais de saúde e não apenas uma categoria. É importante ressaltar que a desvalorização é reflexo de questões sociais importantes, como o machismo e o racismo, o que pode ser entendido a partir da caracterização de categorias como a da Enfermagem, que é majoritariamente feminina e possui cerca de 54% de profissionais negros e negras. Ainda hoje, mesmo sendo a maior força de trabalho no sistema de saúde, a categoria de enfermagem não possui estabelecimento da jornada de trabalho, descanso digno nas unidades de saúde disposto em lei e piso salarial. 

A disparidade entre o reconhecimento ofertado à categoria médica, majoritariamente branca, masculina e elitizada, é intensa em relação às demais categoriais. A luta das categorias não-médicas pela valorização é constante. Ao passo que um residente de medicina de saúde da família irá receber a partir de junho R$ 14.330 (R$ 11.000 de incentivo e R$ 3.330 de bolsa-salário), um residente de qualquer outra profissão continuará recebendo os R$ 3.300, após o governo federal ter negado o reajuste aos programas de residência multiprofissional. 

O valor da bolsa-salário da residência multiprofissional não é reajustado desde 2016, mas em 2020 a alíquota de contribuição do INSS passou de 11% para 14%. O prestígio deveria ser dado a todos os profissionais de saúde, mas enquanto para uma categoria as benesses são oferecidas, as outras não têm suas reivindicações atendidas mesmo lutando incessantemente.

Atualmente, os residentes em saúde estão de greve. A paralisação foi declarada pelo Fórum Nacional de Residentes em Saúde, começou no dia 11 de maio, com um protesto silencioso em frente ao Ministério da Saúde, e deve durar até que a pasta responda às reivindicações dos profissionais em especialização. O início do cronograma de atividades dos programas de residência se deu em março deste ano; segundo o Ministério da Saúde, o pagamento da primeira bolsa-salário seria realizado no mês de abril – o que não foi cumprido. 

Antes, no dia 24 de Abril, foi realizada uma paralisação nacional devido ao não pagamento das bolsas-salário e, desde então, o Ministério publica várias justificativas imputando a culpa do atraso às instituições e aos próprios residentes, referindo que há inconsistência dos dados enviados por parte dos profissionais. Neste mês de maio os residentes completaram 2 meses sem receber, o que acentua as condições de vulnerabilidade em que vivem várias dessas pessoas, pois muitas saem de seus estados para fazer residência em outros. 

Essa situação fica ainda mais grave quando observada sob a ótica da pandemia de COVID-19, pois sendo os residentes em saúde força de trabalho imprescindível para a continuidade e qualidade da assistência, a falta de remuneração faz com que profissionais de saúde que estão na linha de frente do enfrentamento a essa crise, expondo-se a cargas virais absurdas, não tenham recurso financeiro para se manter no trabalho – considerando despesas como transporte e alimentação, principalmente. O resultado disso são profissionais adoecidos mentalmente, endividados financeiramente e gerando uma grande evasão dos programas de residência em todo o País, pois uma vez que o programa de residência exige dedicação exclusiva, esse profissionais não podem buscar outra fonte de renda, logo se faz menos prejudicial se desligarem do programa e buscarem outro emprego. 

Em uma conjuntura política de descaso com a saúde, em que profissionais de enfermagem são agredidas e a ciência é constantemente negada, a negligência com os profissionais da residência é mais um reflexo da falta de compromisso do atual governo com a vida do povo e com o Sistema Único de Saúde. 

Além do pagamento das bolsas-salário, os residentes em saúde reivindicam também a participação no processo decisório das questões pertinentes aos programas de residência através da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), auxílio moradia e transporte e a redução da jornada de trabalho. No que diz respeito ao serviço prestado pelas categorias de saúde, também é bandeira de luta dos residentes nesse momento de greve a garantia de equipamentos de proteção individual de qualidade e em quantidade suficiente para os profissionais da linha de frente, a valorização das categorias não médicas e o respeito dos governantes às medidas de isolamento social, que constituem a principal forma de conter a transmissibilidade do novo coronavírus.

Hoje, dia internacional da enfermagem, é também um dia de luta para a categoria dos residentes em saúde, pois a enfermagem é uma categoria que agrega os profissionais da equipe e concretiza a perspectiva multiprofissional no serviço, dentro de suas competências e habilidades na gestão, assistência, docência, pesquisa e em sua aguerrida participação política. Portanto, no dia 12 de maio a luta das enfermeiras vai de encontro à luta dos residentes em saúde, pois o recebimento das bolsas salário é indispensável para manter esses profissionais em seus postos nesse momento de crise sanitária.

 

*Enfermeira Residente em Atenção Primária à Saúde pela Fiocruz Brasília.
** Acadêmica de Enfermagem da Escola Superior de Ciências da Saúde do DF. 

 

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