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Colunas

O falso dilema entre economia e isolamento

Economia para os 99%

É difícil afirmar que o capitalismo deu certo vivendo em um país onde mais de um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza. Mas se você fizer parte do “1%” mais rico por que não achar que está “tudo bem, obrigado”? Esta coluna se preocupa com temas econômicos do cotidiano: desemprego, renda, passagem de ônibus, inflação, aposentadoria e um longo etc., mas sempre na perspectiva dos 99%, afinal de contas, nenhuma análise econômica é neutra.

Eric Gil Dantas é economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e doutor em Ciência Política. É militante da Resistência/PSOL.

Desde o início da pandemia estamos discutindo sobre isolamento social e economia. Em marcha de Bolsonaro ao STF, um empresário que o acompanhava disse que “haverá mortes de CPNJ”, defendendo o fim do isolamento social.

Para além da questão do comportamento genocida de Bolsonaro e de empresários aliados, este argumento se mostra falso. Explicarei isto tanto do ponto de vista do diagnóstico da atual crise econômica quanto pelo caso empírico da Suécia.

A crise econômica global instaurada pela pandemia tem características peculiares. Diferentemente da crise de 2008, crise a qual se inicia no mercado imobiliário americano, ou das crises do choque do petróleo, na década de 1970, iniciada com a abrupta valorização do preço do barril de petróleo, a atual crise não tem uma única origem ou gatilho. Esta crise ocorre tanto do lado da oferta quanto pelo lado da demanda, em todo o mundo simultaneamente, gerando uma situação sui generis.

A crise se manifesta, por um lado, a partir da demanda, pois ela encarcera pessoas em casa, fazendo com que menos gente contrate serviços (ônibus, cortes de cabelo, faxina, bares e restaurantes, cinemas, hotéis, etc.) e comprem no comércio (à exceção dos supermercados), que, consequentemente, enfraquece a produção industrial (à exceção de setores industriais beneficiados pela situação, como os de produtos de higiene e limpeza e de produtos alimentícios, que cresceram mais de 3% em março deste ano).

Por outro lado, também se manifesta a partir da oferta. Primeiramente isto ocorreu com a paralisação de grande parte da atividade econômica, aguardando o avanço dos cuidados contra a contaminação. Neste momento, várias empresas colocaram seus funcionários em férias coletivas, adiaram investimentos e paralisaram ao menos parte da sua produção. Segundo, há o encarecimento na produção e na prestação do serviço, pois uma série de medidas de seguranças devem ser tomadas, diminuindo a capacidade das empresas – diminuindo a quantidade de pessoas que podem comer em um restaurante ou que podem estar numa linha de montagem, por exemplo. Terceiro, há o efeito da diminuição da demanda (no Brasil e no mundo). Como as pessoas estão demandando menos produtos e serviços, os empresários diminuem a sua oferta.

É justamente este último fator que desnuda a real intenção dos empresários ao se dirigirem ao presidente. Afinal de contas, eles não têm grandes impedimentos para produzirem. Nenhuma fábrica foi impedida de funcionar. Vários setores de serviço podem funcionar, os restaurantes não estão fechados. Mas as pessoas não estão dispostas a colocarem suas vidas em risco para comer um PF ou tomar uma cerveja no boteco.

Isto nos conecta ao segundo argumento, o de que, como mostra a Suécia, mesmo não impondo lockdown, as mesmas restrições de demanda irão permanecer em qualquer economia sob o Covid-19.

Como relata matéria do Valor Econômico, “Mesmo sem uma ordem oficial, muitos suecos seguem as recomendações de distanciamento social do governo e limitaram suas viagens e atividades, o que reduzia o consumo interno. E o país não tem como se isolar do confinamento de seus parceiros comerciais. As exportações estão caindo. O resultado: a economia da Suécia está em contração, embora não tanto como outras na Europa, mas similar à dos vizinhos nórdicos. Enquanto isso, o país registra um número per capita de mortes por covid-19 consideravelmente maior do que os países vizinhos – ainda que abaixo dos níveis da França, Itália e do Reino Unido[1].

Isto é, além de não salvar a economia (a Suécia teve um decréscimo do PIB de 6,1%, enquanto que a Dinamarca teve de 5,9%, por exemplo), gera ainda mais mortes (enquanto que 3.040 pessoas morreram na Suécia, 514 morreram na Dinamarca, e 255 na Finlândia, que adotaram medidas mais drásticas). Vale a pena?

Isto nos coloca uma dúvida: se impedir que os governos criem mecanismos de isolamento não salva a economia, por que os empresários insistem em fazer lobby com Bolsonaro para tal? Me parece que estes empresários querem que não só haja o impedimento do lockdown, mas também que o presidente faça propaganda para dizer que tudo está bem, que você pode ir comer o hambúrguer no Madero ou comprar o travesseiro na Havan sem ter medo.

A partir disto, o comportamento do presidente passa a fazer sentido. Caminhar por Brasília, fazer churrascos e passear de jet-ski como se nada estivesse acontecendo. Em síntese, a esperança dos empresários é que a propaganda estatal resolva o seu problema na demanda.