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BRASIL

Cinco motivos para defendermos a Educação Sexual nas escolas

Saúde Escolar e a sexualidade: Um tema urgente para a nossa juventude 

Eliana Nunes*, de São Paulo, SP
APPSindicato

No dia 24 de abril, o STF votou como inconstitucional a proibição de ensino de gênero num município de Goiás. A decisão faz cair a proibição em todo o país, por jurisprudência. Temos muito a comemorar, pois foi fruto de muita luta .(Leia mais sobre este tema aqui)

Alguns números que traremos a seguir nos leva a concluir que educação sexual é uma questão de saúde pública. A escola pode ajudar a salvar vidas, conscientizando jovens na prevenção de gravidezes precoces e reincidentes, doenças sexualmente transmissíveis, no combate à hierarquia de gênero corroborando com suas saúdes físicas e psicológicas.

1 – Nada é pior do que o silêncio

A escola já tem uma “educação sexual”. Seja por um posicionamento consciente, seja pela pedagogia do silêncio.

Ações humanas como o alimentar, que realiza no lanchinho, merenda ou recreio; o dormir na hora “soninho” nas creches e educação infantil, o exercitar, o desfraldar está presente todos os dias nas escolas em suas diferentes etapas. A sexualidade também.

O cotidiano escolar também é feito de alunas que menstruam ali pela primeira vez, do amor à primeira vista, do corpo que muda e remete a dúvidas e conflitos.  O universo escolar vive contextos de histórias de vida compartilhadas  entre crianças e adolescentes, entre jovens e professores, e funcionários. Todos os jovens convivem nesta constante descoberta pessoal que nada mais é ‘a vida como ela é’.

Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) de 2015 aponta que três em cada dez meninos e meninas iniciam a vida sexual entre 13 e 15 anos. A Pesquisa apontava para a realidade de que 27,5% dos escolares brasileiros do 9º ano do ensino fundamental já tiveram relação sexual alguma vez na vida, representando cerca de 720 mil alunos.

Todo professor está posto diante destas variadas situações e todo professor é, conscientemente ou não, um educador sexual. Não adianta impor mordaça, porque os alunos irão perguntar observar e de alguma forma vivenciar as situações que remetem a sua experiência enquanto pessoa que se desenvolve física e emocionalmente. A curiosidade é o fator que leva à aprendizagem. Mas se aprende o quê, quando o tema é a sexualidade?

Aprende-se com quem, se a família e os educadores se calam? Ora, os temas que derivam da sexualidade nunca estiveram tão presentes no contexto escolar. Ocorrem que, quando os profissionais que poderiam estar capacitados para passar orientações com metodologia e embasados na Ciência não o fazem, fica o espaço livre para o senso comum, para as crendices, os mitos, tabus e a pornografia. Juntos: desconhecimento e fake news espalhados pelas redes sociais tornam a população jovem mais vulnerável, a mercê das violências psicológica, física e sexual.

O silêncio é uma forma de se colocar diante do problema. A pior forma. Quanto menos informação na família, maior a responsabilidade da escola. É fundamental romper com o senso comum de que família educa e escola ensina. Família educa, escola educa, o crime educa (para o crime), as redes sociais e a TV educam.

Como diz o secretário geral do Instituto Paulo Freire, José Eustáquio Romão: “o professor é um educador… E, não querendo sê-lo, torna-se um deseducador. Professor instrutor qualquer um pode ser, dado que é possível ensinar relativamente com o que se sabe; mas professor/ educador nem todos podem ser, uma vez que só se educa o que se é”. (1)

Em 2019, o global ‘Amor e Sexo’ recebeu o prêmio anual de melhor Programa de TV. Porque foi escolhido? Óbvio que a audiência numa faixa etária que impulsiona consumo foi fator preponderante. É a mesma rede de TV que reforça as ideologias machistas, racistas e LGBTQI+fóbicas; a mesma emissora que, entre outras, foi uma das responsáveis pelo caminho do golpe ao governo de Dilma, resultando neste desgoverno de Bolsonaro. Esta não pode ser a educação que devemos reivindicar.

O dever da Escola é educar para o pleno exercício da cidadania e por garantir o acesso ao conhecimento historicamente acumulado pela humanidade e também contribuir para que estes jovens façam escolhas conscientes diante da vida. A sexualidade também se insere neste contexto.

2 – Prevenção de gravidez na adolescência

A educação sexual no contexto escolar é uma das mais importantes parceiras na diminuição da gravidez na adolescência. A informação, métodos contraceptivos e serviços em saúde sexual e reprodutiva são estratégias reconhecidas mundialmente para prevenir gravidez não intencional.

A gravidez no começo da adolescência, da mesma forma que a gravidez tardia, traz enormes riscos à vida da mulher. A Razão de Mortalidade Materna para a faixa etária de 10 a 14 anos foi de 66 óbitos para cada 100.000 nascidos vivos nessa faixa etária, segundo dados do Ministério da Saúde. Os motivos é a imaturidade do corpo da mãe, que ainda não se desenvolveu completamente, a não realização de pré-natal porque as meninas escondem dos pais a gestação ou a tentativa de realização de abortos de forma clandestina.

Outras consequências da gravidez entre as jovens:

  • Aumento de possibilidade de um aborto natural, nascimento prematuro;
  • Abandono escolar: a cada 10 jovens entre 15 e 17 anos que têm um filho ou mais, menos de 3 continuam estudando ( IBGE);
  • O ingresso no mercado de trabalho, da mesma forma, é prejudicado e, quando acontece, acontece tardiamente e em condições mais precárias.
  • Menos direitos básicos, como educação, saúde, lazer e trabalho.
  • Aborto masculino. Ou seja, a não assunção do filho por parte do pai, muitas vezes, também adolescente.

3 – Defesa das crianças e adolescentes diante do abuso e exploração sexual

Em 2019 o extinto Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, recebeu através do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) 76.216 denúncias envolvendo crianças e adolescentes, sendo que 17.093 desse total se referia à violência sexual. A maior parte delas era de abuso sexual (13.418 casos), mas havia também denúncias de exploração sexual (3.675).

Parte destas crianças poderia ter tido na escola orientações de como entender os abusos que sofrem e garantido mecanismos para encaminhá-las aos serviços de proteção.

4 – Prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis 

As doenças Sexualmente transmissíveis estão num crescente no país. Segundo o Ministério da Saúde a  sífilis é o caso mais gritante: foram 158 mil notificações da doença em 2018, levando a uma taxa de 75,8 casos para cada 100 mil habitantes — em 2017, eram 59,1 casos/100 mil habitantes.

O aumento dos casos desta doença que é disseminada por meio de relações sexuais é preocupante, pois estes dados apontavam, na época, para uma média de 433 pessoas afetadas por dia.

A maior parte das notificações ocorreu com jovens entre 20 e 29 anos (35,1%) e uns dos principais motivos são a não utilização de preservativos e a falta de informações quanto às consequências para a saúde. Mais uma vez a escola poderia intervir qualitativamente na redução destes números.

5 – Defesa contra a hierarquia de gênero

Machismo e homofobia também são reproduzidos no ambiente escolar.  É preciso evocar a juventude para a igualdade, com ações que visem ao enfrentamento da violência sexual, racismo estrutural, institucional e outros tipos de violência.

O currículo deve apontar para a inclusão e respeito às diversidades, ensinar a respeitar, garantindo o direito à vida sem violência, sem preconceito. Tais medidas devem contribuir para a redução das situações de Bullying.

Uma conclusão: Não partimos do zero

Apesar do desgoverno de plantão é importante saber que a homologação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular não fez revogar os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), que seguem válidos e dão uma importante sustentação para aportar os sistemas de ensino na empreitada da inclusão da Educação sexual nas escolas). O que foi reconquistado no STF é um elemento a mais que não podemos deixar de lado. Vamos fazer valer.

É preciso mobilizar um debate nacional e democrático, com materiais educativos para subsidiar as discussões numa parceria entre entidades e universidades públicas que devem ser nossas principais aliadas nesta empreitada, com criação e extensão de programas de educação sexual em todo o país.

Formemos os professores, conscientizemos os pais e façamos da escola um lugar melhor para a nossa juventude.

* Conselheira Estadual da Apeoesp

NOTAS

1 – GADOTTI, Moacir, ROMÃO, José E. 2011. Educação de Jovens e Adultos, teoria, prática e proposta.12ª Ed. São Paulo, SP. Brasil.

 

 

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