Quando Wendy Lower escreveu o seu livro intitulado “as mulheres do nazismo”, a preocupação da autora não foi apenas de mostrar a face cruel e integrada das mulheres no Terceiro Reich. Lower além de todo o levantamento minucioso da vida e atuação política, social, acadêmica, sanitária e militar dessas mulheres deteve-se em explicar que diferentemente dos homens, elas não foram ao julgamento, porque recorreram ao cinismo como estratégia de inocência.
Fingiram com absoluta consciência, e recorreram ao lugar de vitimização, para negarem não só a participação, mas a retirada de suas existências naquele período. Optaram não por justificar como os homens os seus crimes dentro da engenharia nazista, e sim na construção de uma narrativa de um papel exterior a elas mesmas. Alegaram que eram esposas, secretárias, enfermeiras, militares e que não viam o que o regime fazia, não sabiam das ideologias, não entediam de política, e que ao fim de tudo eram mulheres.
Recorreram ao conceito etimológico binário sobre ser mulher para marcarem uma posição de passividade e objetificação absoluta. Erna Petri, umas das poucas perpetradoras levadas ao tribunal narrou que entre as atividades de lazer com o marido, nos finais de semana, uma delas era a de dar tiros da varada em crianças judias no jardim. Para Petri isso estava fora das ideologias, de qualquer senso de juízo e valor do que viria a ser certo ou errado, e até a sua morte não se responsabilizou, alegando que não era culpada pelas mortes de crianças no seu jardim, tampouco, pelo holocausto.
Sem passado não há presente que possa ser mediado, esse passa a ser inédito, e Regina constrói ardilosamente esse discurso.
Brasil, 2020, Regina Duarte atual secretária da Cultura do país. Com ela temos mais elementos para entendermos a face nazista brasileira do que podemos imaginar. Assim como Petri, Regina recorre ao cinismo, e vindo das artes cênicas usa e abusa de uma interpretação ordinária, em se desvincular do Governo estando nele. Das estratégias para esse fim, a atriz cinicamente recorre ao discurso de apagamento do passado e de sua elaboração coletiva, cujo fito é o de apagar sua responsabilidade. Sem passado não há presente que possa ser mediado, esse passa a ser inédito, e Regina constrói ardilosamente esse discurso.
Negando o passado ela pode dissimular, manipular e ser tirânica com sorriso no rosto, alegando ser uma expressão inédita do presente. Regina é a personificação do que Walter Benjamin chamou de fantasmagoria, em que ” o novo revelar-se-á como uma realidade desde sempre presente”. Se tudo der errado, ela aposta na mesma encenação de Erna Petri, de negação absoluta da rememoração, concebendo à história o lugar do esquecimento.
Negar a racionalidade de Regina Duarte é em última instância negar o próprio fascismo.
A maior isenção que podemos dar para Regina Duarte é chamá-la de louca. Ele é uma fascista. Há quem diga que fascistas carregam loucura, mas até hoje ninguém – com todo rigor crítico – foi próximo ao que Foucault escreveu sobre. O louco é dado na história da loucura, como sujeito abjeto, degradado, segregado, isolado e tratado como anormal, ou seja, tudo o que Regina Duarte não é, tampouco vive. Podemos, todavia, recorremos a tais abjeções, para assim criarmos nessa estrutura seletiva, discursiva e normativa, – o lugar – da louca Regina, mas creio que não seja esse o melhor caminho. O atestado de loucura, inclusive, a isentaria de ser responsabilizada pelas posições e declarações que são praticadas por uma “razão” fascista. Negar a racionalidade de Regina Duarte é em última instância negar o próprio fascismo.
*Professora Doutorada em Serviço Social pela PUC/RS. Membro do Grupo de Trabalho Feminismos, resistencias y emancipación, da CLACSO.
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