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Páscoa no cerrado: Mandetta, Caiado e a postura do agro

Marcos Correa/PR

Andar de cima

Acompanhamento sistemático da ação organizativa, política, social e ideológica das classes dominantes no Brasil, a partir de uma leitura marxista e gramsciana realizada no GTO, sob coordenação de Virgínia Fontes. Coluna organizada por Rejane Hoeveler.

Por: Pedro Cassiano*, de Niterói, RJ

No domingo de páscoa (12 de abril), foi ao ar no programa Fantástico uma longa entrevista com o Ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Suas respostas deixavam claro o descontentamento e a falta de concordância entre ele e seu chefe imediato, o presidente Jair Bolsonaro. Contudo, além de sua fala, importa destacar o local da entrevista de Mandetta: o palácio das Esmeraldas, sede do governo do estado de Goiás. O governador desse estado é ninguém menos que Ronaldo Caiado (DEM-GO), que antes da pandemia era o principal apoiador do governo mas que rapidamente passou para a oposição diante do negacionismo da pandemia nas manifestações do dia 15 de março incentivadas pelo presidente.

Assim, além das “alfinetadas” ditas por Mandetta, o local escolhido pelo ministro pode ter sido a postura mais agressiva contra o presidente. No programa Roda Viva exibido na semana passada, Caiado reiterou o isolamento social, criticou a postura do presidente e ainda afirmou que foi ele quem indicou Mandetta para o cargo em uma tentativa de “pegar uma carona” no protagonismo do ministro.

O agro em uníssono: Gostamos da ministra e mais ainda da China

Ao longo do mês de abril as mensagens e manifestações das principais entidades do agronegócio do país são mais afinadas do que dissonantes entre si e com o governo federal. A concentração do discurso do agronegócio está na defesa da “segurança alimentar”, abastecimento da população e escoamento de sua produção. Há ainda a constante reiteração de que a pandemia não alterou a produção agropecuária no país.

Em recente entrevista ao canal no Youtube “Agrovoz”, Marcelo Britto, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), enalteceu a produção de soja e milho do país e afirmou que as medidas de isolamento dos estados e municípios foram contornadas. Segundo Britto, o setor da cadeia produtiva do agronegócio mais diretamente afetado é o de peças para máquinas agrícolas, pois a China é o principal fornecedor e, como estava enfrentando o Covid-19 desde dezembro do último ano, causou uma diminuição da importação de peças. Ele ainda falou que “em toda crise nós temos os grandes vencedores e os grandes perdedores”.

A associação divulgou em seu site oficial artigo intitulado “O agro em um horizonte de incertezas”, escrito pelo próprio presidente da instituição para a revista Agronanálisys. Com uma escrita vaga e superficial, o artigo reforça o papel do agronegócio brasileiro como uma “plataforma de produção e exportação de alimentos competitivos”, defende a revisão da Agente 2030, que fixou 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável, sem definir quais objetivos precisariam ser revistos.

Em suas redes oficiais, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) lançou em 15 de abril um “radar coronavírus” com ações para o produtor rural. A ação é apoiada pelo Ministério da Agricultura e conta com uma plataforma nacional de comércio eletrônico para ligar produtores rurais com redes de supermercados e prestadores de serviço, facilitando a comercialização. Foi lançado também um guia que orienta os produtores rurais a vender seus produtos na internet, principalmente pelo “e-commerce”.

Em entrevista ao Canal Terra Viva, sete ex-ministros da agricultura foram unânimes em elogiar a postura e a posição da Ministra Tereza Cristina diante da condução de pacotes e medidas para os “agricultores”. Enquanto a ministra do agrotóxico continuar o agro não terá problemas em seguir com o gafanhoto que ocupa a cadeira presidencial.

Outra unanimidade foi a exaltação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que muitos deles faziam ou fazem ainda parte. A Frente publicou em seu site uma entrevista do seu presidente, o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS). Foram discutidas medidas encaminhadas ao legislativo para ajudar os agricultores como a ampliação do auxílio emergencial aos produtores rurais e insistem no reforço da necessidade da reforma tributária.

Contudo, a China tem sido o “calcanhar de Aquiles” da relação do empresariado rural com o governo Bolsonaro. No já referido artigo, Britto afirma que a ausência de acordos bilaterais entre o governo brasileiro com o continente asiático, em especial com a China. Vale reproduzir o trecho:

Dessa maneira, aproveitarmos as circunstâncias para obter resultado com o incremento das demandas do continente asiático, em especial a China. Nos faltou durante essa construção a formalização de acordos bilaterais, assunto que hoje faz parte da pauta governamental que negocia com a Europa, Coreia do Sul, Estados Unidos entre outros.

De maneira mais enfática, o presidente da FPA também disse que é necessário conversar a parceria comercial com a China e não desgastar as relações entre os países.

“Se eu quiser chamar alguém para briga eu, pelo menos, tenho que ter como pressuposto a mínima oportunidade de vencer e ter vantagens”, diz Moreira. “Neste momento, só teremos prejuízos. Não é inteligente. A bobagem não tem nenhuma relação da força do sobrenome de quem a produz. Ainda continua sendo bobagem.”

A avaliação é que o agronegócio insiste em continuar sendo o principal aproveitador de todos os governos possíveis e que é mais fácil o governo cair do que sua hegemonia perecer nesse momento. A insistência em afirmar que a produção agropecuária não foi afetada é uma indicação de que esse setor insiste em ser contrário às medidas de isolamento e estão colocando em risco a vida de milhares de trabalhadores no campo. Resta saber quanto tempo vai durar os ovos de ouro do agro.

 

* Doutor em História pela UFF, professor do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), e membro do GTO (Grupo de Trabalhos e Orientação coordenado pela professora Virgínia Fontes)