O Primeiro de Maio e a Frente Única, por Mariátegui
Publicado em: 30 de abril de 2020
O 1º de Maio é, em todo o mundo, um dia de unidade do proletariado revolucionário, uma data que reúne em uma imensa frente única internacional todos os trabalhadores organizados. Nesta data ressoam, unanimemente, obedecidas e acatadas, as palavras de Karl Marx: “Proletário de todos os países, uni-vos”. Nesta data caem espontaneamente todas as barreiras que diferenciam e separam em vários grupos e várias escolas a vanguarda proletária.
O 1º de Maio não pertence a uma Internacional, é a data de todas as internacionais. Socialistas, comunistas e libertários de todas as matizes se confundem e se mesclam hoje em um só exército que marcha até a luta final.
Esta data, em suma, é uma afirmação e uma constatação de que a frente única proletária é possível e é realizável, e que sua realização não se opõe interesse algum, nenhuma exigência do presente.
Essa data internacional estimula muitas meditações. Mas para os trabalhadores peruanos a mais atual, a mais oportuna é o se refere à necessidade e à possibilidade da frente única. Recentemente houveram algumas tentativas de divisão desta frente. E urgente a compreensão e a concretização para impedir que essas tentativas prosperem, evitando que enterrem e que minem a nascente vanguarda proletária do Peru.
Minha atitude, desde minha incorporação a esta vanguarda, tem sido sempre a de um partidário convicto, a de um propagandista fervoroso da frente única. Recordo haver declarado em uma das conferências iniciais de meu curso de história da crise mundial. Respondendo aos primeiros gestos de resistência e de apreensão de alguns antigos e hieráticos libertários, estes mais preocupados com a rigidez do dogma do que a da eficácia e a fecundidade da ação, disse então na tribuna da Universidade Popular: “Ainda somos poucos para nos dividir. Não façamos questões sobre rótulos ou títulos”.
Posteriormente, repeti estas ou palavras análogas. E não me cansarei de repeti-las. O movimento classista, entre nós, é ainda muito incipiente, muito limitado, para que pensemos em fraciona-lo e cindi-lo. Antes de chegar a hora, talvez inevitável, de uma divisão, corresponde a nós realizar muito trabalho em comum, muito trabalho solidário. Temos que empreender juntos muitas e amplas jornadas. Cabe a nós, por exemplo, despertar na maioria do proletariado peruano, consciência de classe e sentimento de classe. Esta tarefa pertence igualmente aos socialistas e sindicalistas, aos comunistas e libertários. Todos nós temos o dever de semear germes de renovação e disseminar ideias classistas. Todos nós temos o dever de afastar o proletariado das assembleias amarelas e das falsas “instituições representativas”. Todos nós temos o dever de lutar contra os ataques e as repressões reacionárias. Todos nós temos o dever de defender a tribuna, a imprensa e a organização proletária. Todos nós temos o dever de defender as reivindicações dos indígenas, escravizados e oprimidos. No cumprimento desses deveres históricos, desses deveres elementares, nossos caminhos se encontrarão e seguirão unidos, qualquer que seja nosso objetivo final.
A frente única não a anula a personalidade, não anula a filiação de nenhum dos que a compõe. Não significa a confusão nem o amálgama de todas as doutrinas em uma doutrina única. É uma ação contingente, concreta, prática. O programa da frente única considera exclusivamente a realidade imediata, fora de toda a abstração e de toda a utopia. Preconizar a frente única não é, pois, preconizar a confusão ideológica. Dentro da frente única cada qual deve conservar sua própria filiação e seu próprio ideário. Cada qual deve trabalhar pela sua própria crença. Mas todos devem sentir-se unidos pela solidariedade de classe, vinculados pela luta contra o adversário comum, ligados pela mesma vontade revolucionária, e a mesma paixão renovadora. Formar uma frente única é ter uma atitude solidária diante de um problema concreto, diante de uma necessidade urgente. Não é renunciar à doutrina que cada um serve, nem a posição que cada um ocupa na vanguarda. A variedade de tendências e a diversidade de matizes ideológicos é inevitável nesta imensa legião humana que se chama proletariado. A existência de tendências e grupos definidos e precisos não é um mal; pelo contrário é o sinal de um período avançado do processo revolucionário. O que importa é que estes grupos e essas tendências saibam entender-se ante a realidade concreta do dia. Que não se esterilizem bizantinamente em anátemas e excomunhões recíprocas. Que não se distanciem as massas da revolução com o espetáculo das brigas dogmáticas de seus pregadores. Que não utilizem as armas e nem gastem seu tempo em ferir-se uns aos outros, mas em combater a ordem social e suas instituições, suas injustiças e seus crimes.
Os espíritos nobres, elevados e sinceros da revolução, percebem e respeitam, assim, apesar de toda barreira teórica, a solidariedade histórica de seus esforços e de suas ações. Pertence aos espíritos mesquinhos, sem horizontes e sem asas, às mentalidades dogmáticas que querem petrificar e imobilizar a vida em uma fórmula rígida, o privilégio da incompreensão e do egoísmo sectários.
Por sorte, a frente única proletária é entre nós uma decisão e um claro desejo do proletariado. As massas exigem unidade. E, portanto, repudiam a voz corrosiva, dissolvente e pessimista dos que negam e dos que duvidam, e busca a voz otimista, cordial, juvenil e fecunda daqueles que afirmam e daqueles que acreditam.
Lima, Primeiro de Maio de 1924.
SOBRE O AUTOR José Carlos Mariátegui (1894-1930), jornalista, teórico e dirigente revolucionário peruano, uniu pensamento e ação, arte e política, jornalismo e militância, construindo uma obra que fez dele o mais original dos pensadores marxistas latino-americanos. Em 1928 ajudou a fundar o Partido Socialista do Peru, tendo sido eleito Secretário-Geral. No ano seguinte ajudou a organizar a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru.
* Texto original: José Carlos Mariátegui, La organización del proletariado, Comisión Política del Comité Central del Partido Comunista Peruano (eds.). Lima: Ediciones Bandera Roja, 1967. Traduzido a partir do site https://www.marxists.org/espanol/mariateg/1924/may/01.htm. Consultado em 30.04.2020.
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