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BRASIL

A revogação da MP da carteira verde e amarela foi uma manobra do Governo Bolsonaro

Retirada da MP 905 foi manobra para garantir a implementação do Contrato Verde Amarelo e os ataques aos direitos trabalhistas

Bruno Tito, de Salvador, BA
Arte sobre foto Marcelo Camargo/Ag.Brasil)

Na semana passada, a Câmara dos Deputados havia aprovado a MP 905, com algumas alterações no texto original. As mudanças feitas pela Câmara retiraram alguns pontos da Medida Provisória, mas mantiveram a essência do texto original: a flexibilização dos direitos trabalhistas e a garantia do lucro dos empresários. Para não perder validade, a MP ainda teria que ser votada pelo Senado até a segunda-feira, 20 de abril. Na última sexta-feira, os líderes do Senado chegaram a um acordo para retirar a MP de pauta e deixar que a Medida Provisória caducasse.

A perda de validade ou a não aprovação da MP pelo Senado no prazo impediria que uma nova MP com o mesmo conteúdo fosse editada pelo Governo ainda nesse ano

A perda de validade ou a não aprovação da MP pelo Senado no prazo impediria que uma nova MP com o mesmo conteúdo fosse editada pelo Governo ainda nesse ano, já que a Constituição Federal veda a reedição de Medida Provisória, na mesma sessão (período) legislativa, que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido a sua validade. Assim, o Governo só poderia apresentar nova medida provisória com o conteúdo do programa verde amarelo no próximo ano, como prevê a Constituição.

Um dia antes do último dia de prazo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), utilizou uma de suas redes sociais para sugerir ao governo que reeditasse a MP 905, no último dia de prazo, para que o Congresso Nacional tivesse mais tempo para “aperfeiçoar” as regras, do que considerou “um importante” programa. Diante da impossibilidade de votação da MP dentro do prazo, o discurso do presidente do Senado dava sinais de uma grande manobra para que a MP não perdesse validade, e por consequência, impedisse o governo de reapresentá-la ainda esse ano.

A manobra indicada por Davi Alcolumbre se aproveitou de uma brecha no dispositivo da Constituição Federal, que disciplina a reedição de medidas provisórias. O §10 do Art. 62 da Constituição, ao estabelecer que: “É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”, da forma como foi redigido, gerou uma perigosa margem de manobra para que uma Medida Provisória pudesse ter validade por 240 dias, o dobro da validade de uma MP numa mesma sessão legislativa, ou seja, em um mesmo ano. Por exemplo, no caso da MP 905, como ela foi editada em novembro de 2019, portanto em outra sessão legislativa, poderia ter sido reeditada por mais 120 dias em 2020, já que a reedição se daria em outra sessão legislativa. Com essa manobra, a sugestão de Alcolumbre ao Governo Bolsonaro, estenderia a validade da MP por mais 120 dias.

Contudo, no último dia de prazo para votação, o Presidente Jair Bolsonaro, diante da impossibilidade de votação no Senado, anunciou nas suas redes sociais, a revogação da MP 905, através do Decreto Legislativo nº 6/2020. O que poderia ser entendido como uma derrota definitiva da MP 905, pelo menos neste ano, na verdade significou uma manobra ainda mais articulada para garantir que o Contrato Verde Amarelo continue sendo utilizado contra os trabalhadores ainda e neste ano. Ao revogar a MP 905, Bolsonaro também se aproveitou da mesma brecha no dispositivo constitucional que limita a reedição de uma MP, numa mesma sessão legislativa, e anunciou que o Governo já trabalha numa nova Medida Provisória com o mesmo conteúdo do Programa Verde Amarelo, a ser lançada sob o falso argumento da “criação de empregos durante o período de enfrentamento a pandemia do Coronavírus”.

A manobra de Bolsonaro é ainda mais cruel porque dá ao Governo a oportunidade de retomar os pontos do texto original da MP que foram rejeitados pela Câmara

A manobra de Bolsonaro é ainda mais cruel porque dá ao Governo a oportunidade de retomar os pontos do texto original da MP que foram rejeitados pela Câmara dos Deputados, como a redução do percentual de contribuição pela empresa para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de 8% para 2%, a redução do adicional de periculosidade de 30% para 5% sobre o salário-base do trabalhador e a taxação dos desempregados que recebem seguro-desemprego, através da imposição de uma contribuição de 7,5% a 9% sobre o benefício, transferindo a obrigação de contribuição do empregador para o trabalhador desempregado, dentre outros ataques aos direitos dos trabalhadores.

Ao anunciar a manobra, Bolsonaro, mais uma vez, se utiliza do velho argumento de que o programa verde amarelo será reeditado para garantir empregos durante a pandemia do Coronavírus, através da redução dos encargos trabalhistas para as empresas. Nada mais falso! Já que, passados pouco mais de dois anos, a Reforma Trabalhista do Governo Temer, que flexibilizou direitos dos trabalhadores, não gerou os empregos esperados. Na realidade, o que está por trás do Programa Verde e Amarelo é a garantia dos lucros dos empresários, que só com esse programa, terão uma redução de 30% a 34% nos custos com folha de pagamento. 

A manobra política do Governo Bolsonaro, além de ser uma reedição abusiva de uma medida provisória, por parte do Presidente da República, se aproveita  de uma brecha hermenêutica, ou seja, de uma interpretação do texto constitucional para atender a sua vontade, fugindo da essência do dispositivo constitucional que visa impedir que um Presidente governe por medida provisória, passando por cima do Poder Legislativo. Mais do que isso, a manobra para reedição do Programa Verde Amarelo é mais um duro ataque aos direitos trabalhistas que ainda restam. É preciso que os movimentos sociais, centrais sindicais e os partidos de esquerda e progressistas continuem a mobilização contra o Programa Verde Amarelo, que deve ser reeditado nos próximos dias.