Pular para o conteúdo
BRASIL

Governo municipal e primeiros enfrentamentos à pandemia da Covid-19 em São Luís do Maranhão

Arleth S Borges*, de São Luís, MA
Divulgação

São Luís, capital do Maranhão é uma ilha com população estimada em 1.101.884 pessoas (IBGE, 2019), distribuídas em 834,785 km², com densidade demográfica de 1.215,69 hab/Km². Uma população equilibradamente dividida entre homens e mulheres, com idade predominantemente entre 15 e 50 anos e menos de 5% com 65 anos ou mais. É governada por Edvaldo Holanda Júnior, prefeito em segundo mandato, eleito pelo PTC e atualmente no PDT.

A população formalmente ocupada corresponde a 33,4%, que recebem em média 3 salários mínimos, enquanto 38,8% da população têm renda nominal mensal de até 0,5 salário mínimo, ou seja, muita gente na informalidade e pobreza. O IDHM alto (0,752, em 2010) sugere desigualdades, pois as condições de vida em São Luís são difíceis para a maioria, que sofre o déficit de moradias, a falta ou escassez de água e inadequadas condições de esgotamento sanitário, disponível apenas em 65,4% dos domicílios.

Em relação à rede de atenção à saúde, São Luís, e o Maranhão como um todo, há muito funciona em precárias condições, daí a emergência que acompanha a pandemia do coronavírus empurra o governo estadual e prefeitura a gigantesco esforço de, em pouco tempo e com parquíssimos recursos, encontrar meios para ampliar condições hospitalares que permitam atender as demandas crescentes e urgentes que se anunciam. Esse esforço tem se desenvolvido em vários níveis, sendo o primeiro e mais decisivo a aposta no isolamento social como meio para reduzir ou, pelo menos, desconcentrar as demandas hospitalares. Ao lado disso, há o esforço para ampliar o número de leitos instalados, hoje com 120 unidades para atendimentos clínicos e 132 de UTIs. Campanhas na mídia e outras medidas de reforço ao isolamento social também somam para essa estratégia de distribuir as demandas em maior tempo possível. Até o  momento, isto tem funcionado e possibilitado relativa tranquilidade nesse primeiro mês da pandemia, em que foi possível garantir o pleno atendimento às demandas surgidas e manter baixas taxas de ocupação de leitos hospitalares – menos de 20% para os de UTI e menos de 30% para os leitos clínicos. Mas esta realidade não se sustenta no cenário em que o vírus amplia seu ciclo de propagação.

As medidas do governo municipal para o enfrentamento ao coronavírus iniciaram ainda no início de fevereiro, quando o prefeito Edvaldo Holanda Júnior reuniu sua equipe que atua na Saúde e Vigilância Epidemiológica e Sanitária para “alinhar as ações na construção do fluxo do atendimento a possíveis casos da doença”. Esse alinhamento tem se materializado em muitas medidas e em estreita articulação com o governo do Estado, representado pelo governador Flávio Dino (PCdoB) que, também preventivamente, vem protagonizando ações voltadas à “vitória da vida”, na guerra contra a Covid-19.

No âmbito das prerrogativas formais, dos recursos do município e em declarada consonância com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde e também em estreita parceria com o governo do estado e com a Frente Nacional de Prefeitos, Edvaldo Holanda Júnior estruturou as ações do poder municipal, a partir, sobretudo, de dois atos normativos: o Decreto Municipal nº 54.890, de 17/03/2020, que dispõe sobre procedimentos e regras para fins de prevenção de transmissão da Covid-19, institui o Comitê Municipal de Prevenção e Combate ao Covid-19 e dá outras providências; e o Decreto 54.936, de 23/03/2020, que declara o estado de calamidade pública no município de São Luís, ampliando o grau de liberdade decisória do prefeito. Estes e outros normativos de menor impacto têm orientado a intervenção do prefeito nas seguintes direções e medidas.

Isolamento social

Carro chefe da estratégia de enfrentamento, materializou-se na suspensão das aulas da rede de ensino municipal, seguida pela decretação de férias escolares; recomendação de não frequência a locais fechados de grande ou média aglomeração de pessoas, como cinemas, teatros, academias de ginástica, centros esportivos e museus; vedação de eventos públicos ou privados; paralisação das atividades de museus, galerias, bibliotecas, feiras, escola de governo e demais programas da Prefeitura de São Luís; prorrogação do prazo de validade para cartões de gratuidade no transporte urbano para pessoas que gozam desse direito. A estratégia de isolamento ganha mais efetividade com a decretação de medidas similares, e de escopo mais amplo, pelo governo estadual no dia anterior.

Atendimento hospitalar na rede municipal

Definição do fluxo de atendimento aos casos da doença, distribuindo as unidades conforme sintomas dos pacientes. Na formatação atual, os casos moderados e leves são atendidos na rede municipal e os graves, na rede estadual, havendo também a blindagem (corona não entra) de algumas unidades para atendimento a outras enfermidades; definição do Hospital da Mulher (com 43 leitos clínicos e 10 leitos de UTIs) como a unidade de referência municipal no atendimento às pessoas com sintomas do coronavírus; suspensão das férias e licenças de servidores da saúde, e vedação a novas internações para cirurgias eletivas (adiáveis), com vistas à disponibilização de mais leitos hospitalares; vedação, das visitas em unidades hospitalares da rede municipal, sendo permitida somente a troca de acompanhantes, e suspensão do agendamento de consultas, excetuando-se as urgências.

Vigilância sanitária e higienização de logradouros e equipamentos públicos

Determinação de rotina diária de limpeza dos veículos de transporte coletivo e cuidados com a ventilação por meio de desligamento do ar-condicionado dos veículos, que passam a circular com as janelas abertas; higienização, em parceria com o Exército, de pontos de grande concentração de pessoas como as principais avenidas da cidade, entorno das unidades de saúde e paradas de ônibus; fiscalização pela guarda municipal, às vezes em parceria com corpo de bombeiros em Shoppings, bares, restaurantes, terminais de passageiros, praias, feiras e mercados com vistas ao cumprimento das regras de distanciamento e condições de higiene; disponibilização de sabão líquido e álcool em gel em banheiros públicos. A fiscalização é dirigida aos empresários, funcionários e público dos estabelecimentos e se inicia com caráter informativo, mas pode evoluir para diversas formas de sanção.

Assistência à população em condições de vulnerabilidade

Implantação de call center para atender a população assistida pela política assistencial do município; identificação, proteção e oferta de abrigo provisório para moradores de rua, construídos, um, em bairro da periferia da cidade e outro, em um estádio de futebol, em parceria com o Governo do Estado, atendendo hoje 102 pessoas, com possibilidade de ampliar; auxílio-renda de R$ 40,00 por dois meses, para mais de 12 mil famílias em situação de extrema pobreza, cadastradas no programa Bolsa Família, com crianças de até 3 anos ou que sejam chefiadas por mulheres, com renda mensal de até R$ 89,00. Às demais 58 mil famílias cadastradas no Bolsa Família, mas fora da faixa de extrema pobreza, alimentos produzidos por pequenos produtores que, por essa via, são também beneficiados; destinação de verbas da merenda escolar para fornecimento de kits de alimentação a 86 mil estudantes da rede municipal, abrangendo 20 mil famílias.

Reorientação dos serviços públicos no combate e proteção aos servidores públicos municipais

Redução dos serviços administrativos àqueles que sejam essenciais; migração de servidores públicos de serviços não essenciais para o regime de teletrabalho (trabalho à distância); convocação de assistentes sociais e psicólogos e de cuidadores sociais aprovados em concurso público ou seletivo para o trabalho de atenção à população de rua; adiamento, até junho, da cobrança do IPTU 2020; exigência de vacinação contra a Influenza aos profissionais da área de saúde; remanejamento de funcionárias gestantes dos serviços de urgência e emergência; suspensão das aulas na Escola de Governo e Gestão Municipal; isolamento de servidores com risco ou suspeita de contaminação; vedação de viagens a serviço ou eventos adiáveis; pagamento de salários em dias escalonados; concessão de abono salarial a 5.160 professores em efetivo exercício; assistência psicológica a servidores da saúde que trabalham no combate ao novo coronavírus, via call center; reorganização dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos com vistas à redução de contatos com materiais infectados; inclusão de álcool em gel, água e sabão em carros coletores para que agentes de limpeza possam higienizar as mãos.

Atenção a riscos e perigos colaterais

Monitoramento de áreas de risco associados às fortes chuvas deste período, que geram aglomerações e desabrigados; campanha de vacinação contra Influenza/H1N1 priorizando crianças e idosos; instalação de 10 mil novas lixeiras nas principais avenidas e espaços públicos para evitar o descarte irregular de lixo, contaminação por contato; distribuição de kits educativos, inclusive com informações sobre higiene e prevenção ao coronavírus, para crianças atendidas por programas sociais da Prefeitura de São Luís, visando ajudar atenuar as dificuldades próprias ao confinamento social.

As iniciativas do gestor municipal vão ao encontro daquelas protagonizadas pelo governo estadual, cujo titular, Flávio Dino, tem sido incansável na defesa do isolamento social, no esforço de ampliação e fortalecimento da rede hospitalar, na mitigação das dificuldades financeiras da população, redução e ou isenção de tributos e tarifas, e no diálogo e orientações à população, além de amplo leque de medidas de apoio àqueles em situação de maior vulnerabilidade.

É fato que as possibilidades formais e materiais ao alcance de prefeito e governador para o enfrentamento do novo coronavírus estão efetivamente sendo aproveitadas. Entretanto, esbarram em históricas limitações estruturais e na campanha contra o isolamento social empreendida pelo presidente da república e seus apoiadores, a despeito do governo federal não oferecer as condições necessárias ao enfrentamento da Covid-19, seja no que concerne a leitos hospitalares e equipamentos de proteção individual, sequer aos profissionais da saúde, seja na garantia de condições materiais para que as pessoas possam ficar em casa e cumprir a quarentena.

Cumpre reconhecer que nem sempre essas determinações tiveram plena adesão dos próprios responsáveis por sua efetivação, como a campanha de imunização contra HN1, que nunca se completou, ou a exigência de que funcionários da saúde façam o teste de coronavírus, quando esses testes não estão disponibilizados. Mas, no geral, as medidas funcionaram. Um dos pontos de maior fragilidade em São Luís, como no Maranhão, no país e até em nível global, diz respeito à testagem, que vem sendo feita em patamares muito abaixo do necessário e a reboque da manifestação dos suspeitos de contágio, à espera de que estes se dirijam a uma unidade de atendimento, que nem sempre têm os meios para fazer o teste e ainda têm resultados muito demorados. Assim, o chamado monitoramento dos casos e suspeitas, a partir da procura de atendimento por aqueles que apresentam sintomas da Covid-19, traz dificuldades para o controle da disseminação, pois quando o vírus se manifesta em alguém já produziu extenso rastro  de contaminados, agravado pelo gap entre o exame e o resultado. Este é um ponto de imensa fragilidade, sobretudo por que o número de testes é desastrosamente pequeno: até o dia 10 de abril foram realizados em todo Maranhão apenas 2.325 testes laboratoriais. Nesse cenário, o ritmo da evolução do coronavírus em São Luís, desde a confirmação do primeiro caso, vem crescendo em escala cada vez mais acelerada, como indicado nos números seguintes:

O quadro aponta evolução relativamente lenta dos casos confirmados e de óbito e sugere uma distribuição em tempo mais longo das demandas hospitalares, em consonância com a meta de mitigar ou, mais realisticamente falando, driblar as possibilidades do colapso. Estes fatos são claramente observáveis na comparação com outros estados brasileiros onde a estratégia do confinamento foi mais tardia.

Esse desempenho de razoável controle até a presente data atesta o êxito da estratégia de isolamento social, implantado no Maranhão desde meados de março; também somaram os esforços de ampliação da rede hospitalar, a fiscalização voltada ao cumprimento das regras de isolamento, além da interação não concorrencial, mas cooperativa entre governo estadual e municipal, centradas prioritariamente na proteção  à vida e em claro desacordo com as orientações, não do governo federal, mas do presidente da República, sempre orientadas para minimizar os riscos da pandemia e desincentivar o isolamento social. Seguidores do presidente desafiam as iniciativas dos governos locais chegando, em fins de março a convocar manifestação de “volta ao trabalho”, que foi, entretanto, barrada por ordem judicial, que a considerou ofensiva às recomendações das autoridades de saúde, notadamente da OMS e do próprio Ministério da Saúde.

* Professora associada da UFMA.

Este artigo reflete as opiniões do autor e não necessariamente as do Esquerda Online. Somos um portal aberto às polêmicas da esquerda socialista.