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BRASIL

Em São José dos Campos, a pandemia avança com a política de morte de Felício Ramuth

Lucas Monteiro, de São José dos Campos, SP
Adenir Britto/CMSJC

É inegável que a crise da pandemia de Covid-19 vem impondo muitos desafios para as políticas dos governos estaduais e municipais, especialmente considerando-se a inércia intencional do governo federal – que agora, com a demissão de Mandetta, acaba de avançar em seu projeto genocida. Mas não há dúvidas de que todos os governos são responsáveis por garantir, ao máximo possível, as duas principais medidas cientificamente comprovadas de combate ao novo coronavírus: isolamento social e testes em massa.

Em São José dos Campos, uma das cidades mais abastadas do interior de São Paulo – e também uma das principais rotas de disseminação da doença, com mais de 130 casos confirmados até hoje –, a política do prefeito Felício Ramuth (PSDB) tem sido vacilante e insuficiente. Depois de certa demora, no dia 18 de março, foi decretado o estado de emergência antecipando o recesso das aulas da rede municipal e, na semana seguinte, antecipação de férias para servidores/as de setores não essenciais.

Porém, a execução dessas medidas tem sido aquém do necessário para garantir, no que cabe à prefeitura, o isolamento social, como se viu na falta de fiscalização do comércio e outros serviços, mas que fica mais evidente com seu recente recuo para uma política de “isolamento seletivo”, divulgada agora 18 de abril. Além disso, esses decretos se justificam de maneira burocrática para deixar de garantir as condições de renda de alguns setores, o que se demonstra por alguns absurdos na situação da educação no município.

Medidas burocráticas e irresponsáveis na política educacional

Um primeiro problema, que se arrasta até hoje, tem a ver com a continuidade de vários funcionários na escola, como trabalhadores/as da limpeza, cozinha e secretaria. É importante que a prefeitura tenha se comprometido em realizar a entrega de marmitas de merenda para os estudantes, mas, como se tem reivindicado em várias outras cidades e estados do Brasil, uma medida de entrega de cestas básicas para as famílias carentes da comunidades escolar seria muito mais efetiva e ainda liberaria as trabalhadoras da cozinha e limpeza.

Além disso, a permanência da secretaria tem sido justificada por conta do envio e impressão de atividades domiciliares para os/as estudantes. Na semana anterior ao início da quarentena, os professores continuaram trabalhando, mesmo já sem alunos, para preparar essas atividades domiciliares, sem nenhum debate ou regulamentação de como manteríamos nosso trabalho pedagógico em tal situação. Até a semana passada, o prefeito estava divulgando na mídia essa iniciativa sendo que, com nós professores em recesso, não estamos participando de nenhum processo educativo.

Um segundo absurdo que surgiu com estes decretos foi a proposta de suspensão do contrato de estagiários e estagiárias, cuja maioria atua nas unidades escolares cumprindo um importante papel pedagógico. Tratou-se de um absurdo, dentre tantos motivos, pois são jovens estudantes, geralmente de baixa renda, que dependem das bolsas-estágio para pagar as mensalidades muitas vezes abusivas de seus cursos. São principalmente mulheres que também ajudavam no sustento de suas famílias e filhos pequenos.

O fato gerou uma importante mobilização virtual desses estagiários e estagiárias e a pressão serviu para uma decisão judicial que obrigou a prefeitura a manter o contrato. Apesar disso, usando um argumento burocrático de que não se poderia pagar por um serviço sem o seu oferecimento, Felício determinou que todos voltassem às unidades escolares, já contando até com a equipe gestora de férias antecipadas, para, em suas palavras, “organizar e produzir materiais didático-pedagógicos”.

Até hoje nada foi regulamentado pela Secretaria de Educação e Cidadania do município a respeito da real necessidade de se manter os estagiários nas escolas, correndo riscos de contaminação no transporte, e da própria função que estariam realizando. Trata-se, na verdade, de mera desculpa para que continuem cumprindo horário e batendo ponto, e uma irresponsabilidade com a vida dos estagiários, estagiárias e seus familiares.

Mais recentemente, findo o primeiro mês de aulas suspensas, com antecipação de recesso dos servidores do magistério, mas com a permanência da quarentena no âmbito estadual, o prefeito emitiu mais um decreto determinando, entre outras coisas: 1) a antecipação das férias de professores/as efetivos, como fez anteriormente com servidores de outras áreas, como se a quarentena em casa equivalesse ao direito de férias; 2) o retorno de professores/as contratados por prazo determinado às escolas.

Essa segunda medida vai no mesmo sentido daquela realizada com os estagiários, mas provavelmente já antecipando a possibilidade de uma disputa judicial. Além disso, também se utiliza do argumento esdrúxulo de que os professores estariam voltando para produzir materiais didáticos para as atividades domiciliares supostamente realizadas pelos alunos atendidos pela rede.

Trata-se, em primeiro lugar, de mais um ataque à vida da categoria docente, inclusive de um setor mais precarizado e com menos direitos, aumentando as possibilidades de contaminação no transporte e até mesmo de aglomeração em ambientes fechados das escolas. O que Felício quer dizer com este decreto é: a vida de professores contratados vale menos. Em segundo lugar, também se trata de uma medida sem sentido do ponto de vista pedagógico: que materiais seriam feitos? Para quem? O que garante esta forma de atuação para a qual os professores não foram contratados? Para nada disso há resposta concreta.

Como vários professores, intelectuais e sindicatos da educação vem defendendo, a quarentena virou sinônimo de avanço na precarização do trabalho docente e dos interesses privatistas do setor da EAD, que intencionalmente ignoram todas as dificuldades por que passam as famílias das crianças e jovens nesse momento e os próprios princípios da educação escolar que não se realizam remotamente.

Apoiado em Bolsonaro e na burguesia, Felício avança na política genocida do “isolamento seletivo”

Quando Mandetta ainda estava à frente do Ministério da Saúde, provando que o que ele defendia era muito pouco, sob o aperto de Bolsonaro, começou a ser debatida a política de “isolamento seletivo”, uma espécie de eufemismo para a proposta insustentável de isolamento vertical, que seria a quarentena focalizada nos grupos de risco e liberação dos setores não essenciais, aumentando o risco de disseminação para seus trabalhadores e trabalhadoras.

Na última sexta-feira (17/04), para coroar, Felício Ramuth mostrou que colar na base bolsonarista da cidade, que chegou a ficar com o centro lotado com as carreatas da morte na última semana, pode ser até mais importante que seguir o decreto do governo estadual de seu co-partidário Dória.

Apenas um dia depois de receber uma carta da Associação Comercial e Industrial (ACI-SJC), vulgo a classe dominante do município, pedindo a flexibilização da quarentena, o prefeito baixa um decreto e convoca uma coletiva para divulgar as medidas de isolamento seletivo, que consistem, grosso modo, em liberar temporariamente quase todo tipo de empresa e estabelecimento comercial desde que concordem em cumprir medidas de higienização e distanciamento.

A retórica legal é delirante. É bastante óbvio, para quem tem acompanhado a quarentena na prática, que não haverá fiscalização e nem absoluto respeito das empresas e comércios por todas essas medidas, especialmente em relação à proteção dos trabalhadores. Do ponto de vista técnico e científico, a medida tampouco se justifica, pois os próprios números da Secretaria da Saúde mostram o aumento exponencial de casos confirmados, para não se considerar a subnotificação e o intenso fluxo da cidade com a capital, o epicentro da doença.

Em sua coletiva, no sábado (18/04), o prefeito tentou se respaldar em diferentes argumentos aparentemente técnicos, mas extremamente próximos daquilo que Bolsonaro diz desde o início: que a diferença nas curvas de contágio da Europa e do Brasil se dá por conta da diferença climática, além de acrescentar, sem citar os estudos que o embasaram, a importância da vacinação BCG e até mesmo da rotina de higiene dos brasileiros.

Felício pode não ter um discurso anti-ciência como Bolsonaro, mas sua prática caminha no mesmo sentido. Ele ainda citou, na coletiva, um estudo (que, ao que tudo indica, havia começado apenas dois dias antes e sido feito por um instituto sem experiência na área de epidemiologia) para determinar a proporção da população que havia pego o vírus e se curado sozinha, como se já houvesse um consenso científico sobre a imunização permanente contra o coronavírus, como se pessoas assintomáticas não transmitissem o vírus para possíveis contatos dos grupos de risco etc.

O que todas essas ações refletem, sem dúvida nenhuma, é o fato de que Felício, assim como outros governantes mais ou menos sintonizados com a política genocida de Bolsonaro, está longe de querer seguir as orientações científicas de isolamento social e de garantir, para tanto, as condições necessárias (cestas básicas, suspensão de contas básicas etc.) para que a maioria da população fique em casa, diminuindo os efeitos da pandemia no sistema de saúde de toda a região.

No mesmo dia, como esperado, Eliane Maia, a presidente da ACI-SJC, postou um vídeo comemorando as novas medidas. O que ela, Felício e outros poderosos querem é a morte da classe trabalhadora. Está mais do que nítido para que lado o prefeito governo e quem ele quer salvar nessa crise.

O dever agora de toda a população joseense, especialmente de todos os trabalhadores e trabalhadoras, dos setores privado e público, é denunciar sistematicamente essa política de morte e cobrar por mais condições e garantias para cumprir o isolamento social.

A quarentena é um direito! Nossas vidas devem estar em primeiro lugar!