Em previsão divulgada nessa semana, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta uma contração de 3% na economia mundial para o ano de 2020. A se confirmar tal cenário, será a maior queda verificada em um único ano desde 1930. No discurso do Fundo – bem como naqueles veiculados pela imensa maioria das instituições comprometidas com a manutenção da ordem capitalista –, esse fenômeno é atribuído a uma única causa, apresentada como um elemento externo ao próprio capitalismo: a pandemia da Covid-19.
Entretanto, se é verdade que a pandemia e as medidas adotadas para combatê-la contribuem para desacelerar bruscamente a atividade econômica, não se pode dizer que o novo coronavírus seja o único responsável pela crise. Com efeito, já em 2019 se acumulavam os sinais de que uma recessão estava a caminho. Naquele ano foi verificada a menor taxa de crescimento econômico global em uma década, com tendência à estagnação na produção, comércio, lucros e investimentos. Em outras palavras, a Covid-19 acelerou e aprofundou a crise da economia capitalista, mas não a criou. Sua origem real está na incapacidade do próprio capitalismo de superar, até o momento, as suas contradições internas agudizadas a partir da crise de 2007-8.
A rigor, tampouco se pode dizer que a pandemia seja um elemento externo ao capitalismo. Conforme já indicado por numerosos analistas, a gênese da Covid-19 está intimamente vinculada às pressões exercidas pela expansão das fronteiras agrícola e urbana. Já as dificuldades para combatê-la são tributárias tanto da hesitação de muitos governos em interromperem atividades econômicas para reduzir a circulação do vírus, quanto das décadas neoliberais de precarização dos serviços públicos de saúde e das redes de assistência social.
Considerando esses elementos, a única conclusão lógica é a de que combater a pandemia de forma consequente é, necessariamente, combater o capitalismo.
O programa de Bolsonaro: salvar o capital destruindo vidas
Na contramão dessa conclusão, o governo Bolsonaro aposta na tentativa de salvar o capitalismo consumindo vidas, preferencialmente aquelas dos setores mais precarizados da classe trabalhadora. No enfrentamento à pandemia, ataca diretamente as medidas de isolamento social que poderiam achatar a curva de contaminações e desafogar o sistema de saúde. Ao mesmo tempo, promove esperanças sem amparo científico acerca da existência de medicamentos eficazes contra a Covid-19.
Em paralelo, as medidas apresentadas pelo governo para atacar a crise econômica se voltam prioritariamente para a defesa dos grandes capitalistas, sem oferecer amparo efetivo à imensa maioria da classe trabalhadora. Assim, enquanto os agentes do mercado financeiro já têm garantidos à sua disposição, pelo menos, R$ 1,2 trilhão, aos trabalhadores informais foi aprovado um auxílio de R$ 600, o que corresponde a pouco mais de meio salário mínimo (vale lembrar que a proposta inicial do governo, alterada no Congresso, era de R$ 200). Entre os trabalhadores inseridos em vínculos formais, mais de um milhão já tiveram redução da jornada de trabalho ou suspensão do contrato, com redução proporcional dos vencimentos. Na mesma toada, a Câmara dos Deputados já aprovou a Medida Provisória 905, que tem o potencial de reduzir os custos dos empresários com as folhas de pagamento em mais de 30% por meio da flexibilização de inúmeros direitos trabalhistas.
Se no tocante às medidas de isolamento social há certo grau de divisão no interior da burguesia, as iniciativas econômicas do governo encontram acolhida unânime no meio empresarial. Nesse cenário, aos trabalhadores, em particular aos negros e pobres das periferias e favelas, desenha-se um cenário terrível de iminente colapso do sistema de saúde e da ausência de condições econômicas para efetivamente permanecerem em quarentena.
Um programa anticapitalista para enfrentar a crise sanitária e econômica
Se a crise sanitária e a crise do capitalismo constituem duas faces de uma mesma moeda, a única oportunidade para a construção de um futuro distinto para a classe trabalhadora, em especial para seus setores mais oprimidos e explorados, repousa na adoção de um programa radicalmente anticapitalista. Concretamente, esse programa deve se estruturar sobre dois eixos: investimentos massivos em saúde pública e um plano de salvamento econômico-social.
No tocante ao primeiro desses eixos, é fundamental aliar à intensificação das medidas de isolamento social a massificação dos testes e a garantia do suprimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) aos trabalhadores da saúde. Dessa maneira, o ritmo de contágio tende a se reduzir, diminuindo a pressão sobre o sistema de saúde. Ao mesmo tempo, é preciso, também, ampliar o número de ventiladores e respiradores pulmonares e leitos de UTI disponíveis para atender aos casos mais graves. Deve-se, por fim, impulsionar as pesquisas cientificamente confiáveis que buscam elaborar vacinas ou remédios eficazes contra a Covid-19.
Já o plano de salvamento econômico-social, por sua vez, objetiva prioritariamente impedir que as necessidades de reprodução da vida operem como entraves à efetivação do isolamento social. Assim, aos trabalhadores informais, aos subempregados e aos desempregados deve ser garantida uma renda básica de pelo menos um salário mínimo mensal; os trabalhadores formais devem ter assegurada a estabilidade no emprego, sem qualquer redução salarial; e as micro e pequenas empresas devem receber uma verba que viabilize a manutenção das condições de vida de todos aqueles que delas dependem diretamente.
A concretização desses conjuntos de medidas deverá ser garantida pela criação de novas receitas para o fundo público, principalmente, por meio da taxação dos super-ricos e dos bancos, bem como do não pagamento da dívida pública aos grandes credores. Em muitos casos, entretanto, mesmo a disponibilização de mais recursos financeiros para o Estado pode não ser suficiente para oferecer soluções no ritmo que a atual situação emergencial demanda. Sendo assim, outros tipos de recursos também devem ser colocados a serviço do interesse público, por meio, por exemplo, da estatização de hospitais privados, para que sejam geridos pelo SUS, e da conversão compulsória de indústrias para produzirem equipamentos médicos e outros considerados de extrema necessidade.
Invertendo a diretriz que orienta a política bolsonarista, esse programa subordina os lucros dos empreendimentos capitalistas à preservação das vidas. Ao enfrentar um dos fundamentos da dependência econômica, cristalizado na dívida pública; ao flexibilizar o direito de propriedade em face do interesse público; e ao atacar as expressões mais gritantes da brutal desigualdade social que marca nosso país, coloca na ordem do dia o questionamento dos fundamentos do capitalismo periférico brasileiro. Trata-se, portanto, de um programa socialista de enfrentamento político direto às classes dominantes. Por isso mesmo, a sua implementação precisa ser obra da ação unificada de todos os setores da classe trabalhadora e da esquerda brasileira.
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