“Pombo correio, voa depressa.
E esta carta leva para o meu amor.
Leva no bico que eu aqui fico esperando
Pela resposta que é pra saber se ela ainda gosta de mim”
Moraes Moreira, pombo correio.
Numa manhã chuvosa de outono, a Bahia e o Brasil foram surpreendidos com a notícia da morte de um dos seus filhos que mais bem os cantou. Nascido em Ituaçu, o “Portal da chapada Diamantina”, Antônio Carlos Moreira Pires, o nosso Moraes Moreira, deu seus primeiros passos na música tocando sanfona nos festejos juninos de sua cidade. Após a adolescência, Moraes mudou-se para Salvador onde conheceu o rock and roll e o amigo Tom Zé.
Com o passar dos anos vieram novas influências e amizades. Com Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Paulinho Boca de cantor e Luiz Galvão, os laços de amizade convergiram para dar luz ao icônico grupo Novos Baianos. A parceria desses amigos rendeu celebres canções e álbuns como “Acabou Chorare” (1972), considerado pela revista Rolling Stone o número 1, de uma lista de 100 álbuns brasileiros do século XX.
De vocalista e compositor de mão cheia, autor da maioria das letras dos Novos Baianos, Moraes passou a carreira solo em meados da década de 70. Carreira solo sim, desacompanhada jamais. Ao longo de suas quase cinco décadas de carreira não lhe faltou ricas parcerias. Dentre tantas, uma em especial revolucionaria a maior de nossas festas, o carnaval. Ao lado de Armandinho, no trio elétrico Dodô e Osmar, contribuiu para mudar pra sempre a História da maior festa popular do mundo.
Foi de Moraes Moreira a primeira voz a ecoar de um trio elétrico, em 1976, com o sucesso Pombo correio. Depois daquele dia, nada seria como antes e o carnaval jamais seria o mesmo. Reinventado e ressignificado, arrastando para às ruas e para o chão da praça do poeta, palco de tantos encontros de trio comandados por Moraes Moreira, multidões seduzidas pelas vozes que, agora amplificadas pela potência dos trios elétricos, cantam aquilo que o mestre Moraes um dia chamou de “ frevos trieletrizados”.
Em 1979, outro álbum clássico, Lá vem o Brasil descendo ladeira, com sucessos como Eu sou o Carnaval e Chão da praça. O samba que batiza o disco diz em seus versos: “E toda a cidade,que andava quieta, naquela madrugada acordou mais cedo. Arriscando um verso, gritou o poeta, respondeu o povo num samba sem medo”. Em plena conjuntura política de luta pela redemocratização do país, temos aqui o registro de um artista em sintonia com o seu tempo. Conectado com o mundo ao seu redor, capaz de traduzir na forma de poesia e canção seus vícios e virtudes, encantos e desencantos.
Moraes Moreira, ao longo da de toda carreira, semeou poesias na forma de canções. Celebrou parcerias, tornou-se referência para novas gerações, colheu sucessos, conheceu os holofotes da fama, mas também a luz opaca de uma invisibilidade que por anos o afastou do carnaval de Salvador. O trio elétrico, que ganhou alma por meio de sua voz, virou indústria. Uma máquina de fazer dinheiro apropriada para amplificar as notas nos bolsos de uns poucos, e que por isso quase silenciou a voz que fazia as notas musicais tocarem o coração das pessoas.
O autor dessas breves linhas, nascido muitos anos depois de Moraes dar voz e alma aos trios elétricos, teve o privilégio em 2019 de vê-lo, ouvi-lo e senti-lo tocar novamente no carnaval que revolucionou, na mesma praça Castro Alves onde imortalizou históricos momentos. Ao som dos primeiros acordes, tocados num modesto palco, a praça se preencheu de alegria como nos versos da canção: “É o verdadeiro chame, chame, Chame gente. E a gente se completa, enchendo de alegria a praça e o Poeta”
Moraes partiu, mas deixou um legado que faz dele um imortal. Como diz a letra escrita pelo parceiro de Novos Baianos Luiz Galvão, e musicada por Moreira: “Acabou chorare, ficou tudo lindo. De manhã cedinho”. Obrigado, poeta.
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