Há cinco anos surgiu o que chamamos de Nova Direita no Brasil. O uso intenso das redes sociais e falta de medo do ridículo marcou a ascensão dos grupos que lideraram os atos pelo Fora Dilma. Hoje estamos vendo mais uma renovação dentro do campo inimigo. Está surgindo uma direita com um discurso mais amigável, atitudes menos transloucadas e maior afinidade com os políticos tradicionais. E o ministro da saúde, Henrique Mandetta, pode ser o porta voz deste grupo.
Divisão na Nova Direita já vem de muito tempo
Depois que o Presidente da República passou a ser contrário aos cuidados para evitar a contaminação pela novo coronavírus, sua popularidade foi reduzida e muitos militantes da direita passaram a criticar Bolsonaro. Isso aprofundou uma divisão neste campo que já existia desde quando o presidente atuou para que o Supremo Tribunal Federal arquivasse a investigação contra seu filho, Flávio Bolsonaro.
Essa ala mais crítica ao governo tem como referência o Ministro da Justiça, Sérgio Moro. Moro não tem os mesmos arroubos que Bolsonaro, parece ser mais racional e ganhou enorme popularidade com sua suposta luta contra a corrupção. Temos como exemplo desta mudança o youtuber Nando Moura, que era bolsonarista fanático e hoje critica o presidente. O músico fracassado que virou comentarista político em vídeos na Internet é referência para milhões de seguidores.
Atitude parecida teve o Movimento Brasil Livre, que ficou famoso por ser o grupo juvenil mais ativo da época do Fora Dilma. O MBL mudou o discurso e hoje é bastante crítico à família presidencial. Podemos citar outros nomes, como a deputada estadual por São Paulo, Janaína Paschoal, o movimento Vem Pra Rua, e o músico Lobão. Todos são influentes nas redes sociais e fizeram campanha por Bolsonaro em 2018.
Esta divisão da chamada Nova Direita segue inclusive um padrão internacional. Na Espanha, temos o Ciudadanos, que é aquela direita com discurso voltado para a “renovação política” e a “luta contra a corrupção”. Mas também temos o Vox, que é a direita com discurso nacionalista e bem conservador. Na Itália, houve uma divisão entre a Nova Direita mais moderada, representada pelo Movimento Cinco Estrelas e a direita mais próxima do fascismo, representada pela Liga.
Com a crise do novo coronavírus, esta ala “menos radical” da Nova Direita ganhou força no Brasil. Eles são favoráveis ao isolamento social e fazem questão de se diferenciar dos direitistas que negam a ciência. Atacam ferozmente o escritor Olavo de Carvalho, que se tornou guru intelectual do bolsonarismo. E passaram a defender o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com o mesmo entusiasmo com que defendem Sérgio Moro.
A chamada “República de Curitiba”, que reúne policiais federais, juízes e promotores que ganharam fama com a Operação Lava-Jato, anda bem quieta. Mas as insatisfações de Sérgio Moro com Bolsonaro é evidente. É de se esperar que este grupo também se alinhe com a ala da Nova Direita que defenda o ministro Mandetta e as medidas de combate à nova doença.
A Nova Nova Direita também é perigosa
Esta ala menos transloucada da Nova Direita cada vez mais se associa à direita tradicional. Um exemplo são as velhas oligarquias regionais, que controlam os governos estaduais e o maior bloco do Congresso Nacional, o “centrão”. Outro exemplo é parte da mídia tradicional, como a Rede Globo e a Folha de São Paulo. Muitos acharam que a velha direita estava morta. Mas não está. A figura mais popular do Brasil hoje, o Ministro da Saúde, é um representante legítimo dos velhos caciques políticos do interior do país. Ao mesmo tempo, ele é a sensação das redes sociais hoje.
Além de Henrique Mandetta, o governador de São Paulo, João Dória, também faz uma ponte entre a direita tradicional e parte da Nova Direita. O governador do Rio de Janeiro, William Witzel, e o apresentador Luciano Huck são outros que aparentemente se esforçam para promover esta união.
Entre os grupos da Nova Direita, o MBL está em estado avançado das negociações com a direita tradicional. O movimento tem boas relações com Dória, com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e com outros políticos tradicionais. Muitas arestas têm que ser aparadas, mas a fusão entre os velhos caciques da política, parte da mídia tradicional e a ala menos bolsonarista da Nova Direita está avançando.
Se tudo der certo para eles, teremos uma Nova Nova Direita. Sem as atitudes tresloucadas do bolsonarismo, mais disciplinada, mais fiel às classes dominante e unindo as velhas práticas dos coronéis com a disputa de narrativas das redes sociais. Um bloco reunindo PSDB, DEM, “República de Curitiba”, oligarquias regionais, MBL, Vem Pra Rua, Rede Globo e alguns influenciadores digitais da direita se consolidaria como uma grande força política. E com grandes figuras públicas nacionais, como o ministro Mandetta.
Sabemos que Bolsonaro é o inimigo maior. Mas esta Nova Nova Direita, se realmente se consolidar, também é perigosa. Pois na atual conjuntura eles conseguem dialogar com as pessoas que rejeitam Bolsonaro. Conseguem iludir e confundir aquela parte da população que também é influenciada pela esquerda.
Que fazer?
Não devemos depositar nenhuma confiança neste novo bloco de direita que está se formando. Eles querem receber biscoitos apenas pelo fato de aceitarem que a Terra é redonda e que a Covid-19 é uma doença grave. Mas foram eles os maiores responsáveis pela eleição de Bolsonaro. Graças a esta direita “menos radical”, parte da população que tinha medo do capitão do exército acabou mudando seu voto em 2018.
A realidade pode nos obrigar a ter unidade com eles em alguns momentos. Afinal, existe um presidente neofascista que pode dar um golpe a acabar com a liberdades democráticas. Hoje, Bolsonaro é o inimigo maior. Mesmo nestes casos, não podemos deixar de nos diferenciar deles. A esquerda precisa de uma cara própria, de aparecer com suas propostas e seus métodos de luta.
É um erro enaltecer sem críticas o trabalho de Henrique Mandetta. Ele foi um deputado que ajudou a acabar com o Mais Médicos e defende os interesses dos donos de planos de saúde. Uma coisa é reconhecer que este ministro é menos pior do que alguém diretamente ligado a Bolsonaro. As circunstâncias nos obrigam a isto. Outra é entrar na campanha que o coloca como um herói. Tenhamos cuidado.
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