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BRASIL

A janela eleitoral na pandemia e as configurações do poder no Rio de Janeiro e no Brasil

Resistência/PSOL Rio de Janeiro (RJ)
Arquivo / Tomaz Silva/Agencia Brasil

Rio de Janeiro 12 07 2018 Câmara dos vereadores do Rio de Janeiro vota pedido de impeachment do prefeito Marcelo Crivella.Tomaz Silva/Agencia Brasiç

A disseminação do coronavírus segue como pano de fundo por onde se desenrolam os problemas políticos atuais. A crise caminha pelos passos das escolhas já em curso da burguesia e seus representantes, que vêm formando novas alianças e experiências no país nos últimos anos. Assim, a crise de hegemonia, aspecto marcante da presente situação política no Brasil, ganha novos contornos. No Rio de Janeiro, o fechamento da janela eleitoral, para quem pretende se candidatar nas próximas eleições, revelou um cenário de como agentes institucionais estão se posicionando. Essas movimentações ocorrem enquanto a doença se espalha. As redes de solidariedade se multiplicam pelo estado, enquanto os donos do poder reorientam suas posições e pouco fazem para viabilizar as necessárias medidas da quarentena.

A conjuntura geral se relaciona diretamente com o cotidiano da política local, outrora dominada localmente pelo PMDB e suas correias de transmissão. Nesse contexto, o presidente segue numa política de não encarar a gravidade do coronavírus, com escolhas orientadas pelos interesses empresariais na crise. Se volta ao vocabulário do fundamentalismo religioso e da anticiência para dialogar com sua base, com o prefeito Crivella sendo um dos interlocutores desse movimento.

O isolamento institucional de Bolsonaro tem reflexos diretos em todo o país, embora não seja possível medir ainda sua profundidade. Revela como a lógica da democracia representativa esconde as muitas camadas de exercício do poder. Grandes empresários, militares, o parlamento e governantes locais vêm ocupando espaço nos diferentes níveis de direção da situação de enfrentamento à pandemia. É mais um capítulo, portanto, da crise de hegemonia atual, que move agentes estabelecidos ao longo do processo de redemocratização nacional.

O esfacelamento do MDB (antes PMDB, que volta ao nome que tinha durante o último período ditatorial, remontando à sua origem ao tirar “partido” do nome) é um grande indicador desse processo. O partido dominou a política fluminense e carioca durante muitas gestões, com uma aliança com o PT que ia do município, passando pelo estado até o governo federal. A crise iniciada em 2013, que foi sequestrada pela direita no golpe de 2016, fez extinguir aos poucos esse bloco, culminando na chegada ao poder por Michel Temer (PMDB). Com o desenvolvimento da Lava Jato e a emergência do bolsonarismo, o partido golpista, entretanto, se afundou em suas próprias contradições.

Boa parte de suas lideranças no Rio acabou presa, e o PSL dominou o resultado eleitoral de 2018. O partido do presidente elegeu a maior bancada na ALERJ, com 13 deputados eleitos, de 70. De outro lado, o MDB foi a sigla que mais perdeu cadeiras, caindo de 15 no pleito anterior, para apenas 5 deputados. Agora é a vez da disputa municipal, ocorrendo uma mudança de qualidade no processo decorrente do fechamento da janela eleitoral em 03 de abril, para os candidatos na próxima eleição. Ao que tudo indica, por enquanto a disputa está mantida, com um provável adiamento da data.

No cenário municipal, as movimentações na janela eleitoral seguiram e aprofundaram a tendência dos últimos anos: o esgotamento do MDB, e o crescimento de partidos que disputam a condução da política institucional nacional. Assim, houve o crescimento das legendas diretamente ligadas ao fundamentalismo religioso, com a liderança do Republicanos, do prefeito Crivella e cujo principal líder é o Edir Macedo, da Igreja Universal; e do PSC, partido de Witzel, dirigido pelo Pastor Everaldo. Ocorreu também o fortalecimento do DEM, que assume desde Rodrigo Maia – e, secundariamente, Davi Alcolumbre – o papel de uma direita que se afirma republicana, em oposição a Bolsonaro, mas garante os projetos mais cruéis da burguesia.

Assim, se em 2016 o PMDB elegeu a maior bancada da Câmara de Vereadores, com 10 cadeiras, seguida do PSOL, com 6; o cenário atual se consolidou como uma completa perda do seu protagonismo. Vale ressaltar que o PMDB já apresentava uma queda com relação a eleição de 2012, caindo de 18 para 10 vereadores eleitos. Agora a janela se fecha com a seguinte configuração entre as maiores bancadas municipais: DEM – 7; Republicanos – 6; PSOL – 6; Progressistas – 6; Podemos – 4.

A liderança passou, portanto, do MDB, que ficou apenas com 1 vereador (Paulo Messina, com negociações para a disputa da prefeitura pelo partido), para o DEM, de Rodrigo Maia, e o Republicanos, de Edir Macedo e Crivella. Além da família Bolsonaro, o Republicanos foi a opção também de Leandro Lyra, ultraliberal antes alocado no Novo. Outro elemento importante é que Rosa Fernandes, uma estabelecida parlamentar da direita carioca, migrou do MDB para o PSC, partido de Witzel que tem seu filho, Pedro Fernandes, como Secretário de Educação.

Witzel (PSC) e Crivella (Republicanos) integram, desse modo, dois polos que competem entre si atualmente. Nesse cenário, o alinhamento de Bolsonaro e sua família com o bispo-prefeito se afirma na mesma velocidade em que Witzel se opõe ao presidente, outrora aliado. E apesar de ambos evocarem políticas aparentemente opostas com relação à pandemia, de afirmação do isolamento com viés autoritário pelo governador em oposição à negação e cura pela fé de Crivella e Bolsonaro, na prática vêm se revelando como muito próximos. Caminham para tendências semelhantes ao atender aos interesses de empresários, ao mesmo tempo em que colocam sobre os ombros da população a responsabilidade diante do coronavírus. Afinal, ao não darem condições reais para o isolamento, só reforçam a contradição da maioria dos/as trabalhadores/as, que está numa situação de endividamento, informalidade ou desemprego.

Para além de qualquer discurso, a necessidade é dos governos em todos os níveis viabilizarem a quarentena, com medidas assistenciais para tal. A complementação da renda emergencial pelo município e estado é um passo fundamental. Vale ressaltar que existe um projeto de relevante contribuição do PSOL na Câmara do Rio para essa medida, mas os aliados da prefeitura têm postergado a sua aprovação. De outro lado, Witzel segue se afirmando como a favor da quarentena, mas pouco viabiliza para que seja uma realidade. Em contradição, realizou um decreto nesta terça (07), flexibilizando o isolamento em 30 cidades. O argumento seria de que a economia precisa funcionar e esses lugares não teriam a confirmação da doença. No entanto, se não existem testes massivos, não há como saber se as pessoas já não estão contaminadas, resultando na possível disseminação do Covid-19 no interior do estado.

Assim, apesar de disputarem entre si, se aproximam por representarem posicionamentos com uma base comum de uma elite respaldada pelo ganho de espaço do conservadorismo com a eleição de Bolsonaro, e que defende os interesses dos lucros acima de tudo. Guerreiam entre si para ocupar o lugar de quem vai ser o dirigente desse processo, com particularidades relevantes, mas representam uma lógica semelhante de elites golpistas e assassinas.

No meio dessa tragédia social, as redes de solidariedade têm sido essenciais. Demonstram uma capacidade de auto-organização, principalmente nas favelas e periferias, incrível. A solidariedade de classe e a gestão de projetos coletivos nos territórios são trazidas para a ação cotidiana comunitária. Essa experiência, embora enquadrada nos limites impostos pela atual situação política, tem sido muito importante, e precisamos multiplicá-las. Mas não podemos perder de vista que precisamos disputar os lugares de poder, que decidem a gestão institucional e do dinheiro público.

Nesse sentido, a atuação dos parlamentares do PSOL vem sendo essencial, embora insuficiente dada a ausência até o momento de mobilizações que possam dar base a um reposicionamento da esquerda na política nacional e regional. Assim, a tarefa da exigência de medidas para o poder público enfrentar a pandemia se reforça. A renda emergencial foi uma conquista importante, mas é ainda muito pouco. Não chega a um salário mínimo, que mal paga as dívidas das famílias no final de cada mês, e também não sabemos ainda como será a sua efetividade para chegar no conjunto da população. Entre outras ações, o complemento da renda segue como uma necessidade de vida ou morte. Na mesma toada, defendemos a criação de um fundo emergencial nacional para financiar os estados e municípios, e compensar as perdas de arrecadação, com prioridade para manutenção de emprego e renda no combate ao Covid-19.

Precisamos, igualmente, ecoar propostas que avançam no  combate a todas as manifestações da desigualdade social e, portanto, dos meios por onde a pandemia mais tende a crescer: na regularização do fornecimento de água para as favelas, mesmo com o uso de carros pipa ou água engarrafada; no fornecimento de quentinha para os alunos da rede pública; na necessidade de saneamento e reforma urbana, dando teto urgente para a população que está na rua ou em habitações muito precárias; isenção da cobrança das contas de água, luz e gás, ao menos para pessoas de baixa renda. Essas são algumas medidas que avançariam de fato na contenção da doença, em conjunto com a ampliação da renda mínima. Entretanto, estão até agora fora do debate político dominante. Afinal, medidas efetivas mexem em interesses de elites estabelecidas do país, que mantém geração a geração a miséria de milhões em troca do lucro de poucos.

 

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