Pular para o conteúdo
BRASIL

Por que Bolsonaro luta sem trégua contra as medidas de isolamento?

Juary Chagas, de Natal, RN
Isac Nóbrega/PR

Os noticiários das últimas semanas não cansam de destacar a guerra sem quartel de Bolsonaro contra os protocolos de prevenção do COVID-19 que recomendam medidas de isolamento para ganhar tempo e enfrentar a pandemia.

Contra todas as recomendações das principais autoridades médicas e sanitárias do mundo, as declarações de Bolsonaro foram objeto de apreciação na imprensa mundial, arrancando opiniões que sugeririam desde uma suposta (e provável) sociopatia, chegando até a ideia de que uma das motivações seria o “ciúme” pela exposição do atual Ministro da Saúde – que vem contrariando a opinião do presidente no que tange as medidas de isolamento.

O fato é que, sem dispensar nem ignorar os possíveis traços subjetivos da personalidade de Bolsonaro (que dão destaque maior à sua monstruosidade e desumanidade), as razões que motivam Bolsonaro são muito objetiva. Na sua “psicopatia” há um cálculo.

Bolsonaro foi eleito porque se mostrou, circunstancialmente, a alternativa genuinamente burguesa mais viável para impedir um novo projeto de conciliação de classes do PT e assim dar continuidade ao aprofundamento das medidas econômicas que haviam sido iniciadas por Temer, uma exigência da classe dominante no Brasil para tentar retomar suas taxas de lucro diante de uma crise que já se arrastava pelo menos desde o final de 2014.

A sua viabilidade político-institucional é que fez com que a burguesia aceitasse flertar com o seu fascismo em nome da promessa de que os negócios iam melhorar. Por isso que indicou Paulo Guedes, com seu ultraliberalismo, para a Fazenda. Por isso o aprofundamento da Reforma Trabalhista. Por isso a Reforma da Previdência. Por isso as promessas de privatização e sucateamento das políticas sociais e serviços públicos. A expectativa era, com a dose máxima do remédio neoliberal, a retomada dos patamares de lucratividade que permitisse satisfazer os anseios dos investidores e, ao mesmo tempo, tornar o governo politicamente mais estável – ainda que declarando guerra aos trabalhadores.

Mas, havia um vírus no meio do caminho. No meio do caminho, havia um vírus. Mesmo com todas as medidas de choque, a recuperação econômica se deu de maneira muito pífia (com PIB muito abaixo da previsão, e pouco aquecimento do consumo em função da queda do poder aquisitivo de uma massa de trabalhadores que migrava velozmente para a informalidade) e o COVID-19, nesse momento, termina de enterrar todas as previsões.

A recessão econômica não é mais um indicativo, ela é uma certeza a nível mundial. A desaceleração econômica dos países centrais do capitalismo e da China deve criar uma onda recessiva a médio prazo que impactará com profundidade os países periféricos, como o Brasil.

Aquilo que foi apresentado como panacéia dos problemas nacionais, a proposta neoliberal, foi atropelada por um microorganismo que expôs para o mundo a necessidade justamente do inverso do que se vinha apregoando: mais sistema público e estatal de saúde, mais políticas sociais, mais assistência e responsabilização social do Estado.

O Brasil, que já seguia essa orientação de maneira mediada desde os governos do PT, mas que foi às últimas conseqüências com Temer e Bolsonaro, vai viver momentos dramáticos. Nem a economia vai ser recuperada (já não vinha sendo de maneira pujante) e soma-se a isso o gigantesco caos e desigualdade sociais que as reformas feitas até aqui, vão aprofundar.

Bolsonaro sabe disso e é isso que teme. Sabe que a combinação de uma crise econômica (que ele apostava que seria superada pelas promessas de toda ordem do Posto Ypiranga aos investidores) com aviltamento generalizado das condições de vida resulta em sangramento do seu governo.

Por isso defende com tanta veemência que “voltem ao trabalho”. O “voltem ao trabalho” seria a única forma de minimizar a crise econômica e social que, mais ainda, deve pô-lo nas cordas, com uma eventual perda de sua principal base social: a pequena burguesia e os setores médios.

A grande burguesia sofrerá com a crise, mas dispõe de capital em quantidade para não ser dizimada e tentar retomar os investimentos mais adiante. A classe trabalhadora deve sofrer muito, com mais precarização das suas condições de vida. Mas esta já é a sua realidade. Os setores médios, esses sim, podem ir à ruína. Nunca é demais lembrar que durante décadas o PT sustentou sua popularidade e governabilidade também centralmente nos setores médios. Se seu “mito” não os salvar, irá para a forca.

O discurso de Bolsonaro contra o isolamento não é um devaneio. Ele está lutando no presente para garantir o seu futuro. O que é mais dramático é que não importam quantas vidas tombem pra isso.

Cabe a nós da esquerda lutar contra ele, em defesa das vidas, em detrimento dos lucros, contra seu projeto de poder. E nos prepararmos para disputa que vai vir. A cabeça acompanha o chão onde os pés pisam. As mudanças na economia e na vida farão uma revolução na cabeça milhões. Serão disputáveis novamente. Precisamos estar prontos.

Marcado como:
coronavírus