A crise global chega ao Brasil: o enfrentamento ao (des)serviço ultraneoliberal de Bolsonaro

Qual é o papel da juventude agora e depois da pandemia?

Alícia Moraes e Joicy Helena*, Belém, PA
Afronte

Em dezembro de 2019, vimos os primeiros alertas vindos da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o novo coronavírus (Covid-19). Com a confirmação dos primeiros casos na cidade de Wuhan na China, que posteriormente foi considerada epicentro da pandemia, os jornais passaram a noticiar a preocupação dos cientistas e médicos chineses com uma possível mutação e propagação acelerada do vírus. No dia 22 de janeiro 2020 – mesmo com a aproximação do Ano Novo Chinês, que é um evento de máxima importância para economia do país – as autoridades chinesas decidem pelo isolamento da cidade de Wuhan numa tentativa de conter a ampliação do vírus.

Entretanto, vivemos em um mundo globalizado, onde o turismo é uma fonte de renda importante para a economia dos países. Assim, o potencial de difusão do novo coronavírus a nível internacional já era enorme, o que foi totalmente desconsiderado por vários países – como Estados Unidos, Itália, entre outros. Com certo caráter xenofóbico, ouvíamos muitos discursos de que o problema estava “lá na China” ou que “é apenas uma repetição da SARS (síndrome respiratória aguda grave) inventada pelos chineses”. O mundo tratou e vem tratando erroneamente os alertas vindos da China e da OMS, exemplo disso foi o governo da Itália que ignorou as orientações da OMS sobre isolamento social – mesmo com centenas de infectados e dezena mortos – com o intuito de proteger a economia. Outro exemplo é o do governo brasileiro, que nem iniciou as medidas de isolamento social orientadas pela OMS e, além disso, o chefe de Estado – Jair Bolsonaro – em uma entrevista, no Palácio do Planalto se  referiu à pandemia do COVID-19 como “só uma gripezinha”.

David Harvey [http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597468-a-politica-anticapitalista-na-epoca-da-covid-19-artigo-de-david-harvey] fez uma pontuação muito acertada, quando o mesmo coloca que “Quarenta anos de neoliberalismo nas Américas e na Europa deixaram o público totalmente exposto e mal preparado para enfrentar uma crise de saúde pública desse calibre” e a prova disso são os colapsos do sistema de saúde e do sistema funerário que vem acontecendo em países como a Itália e Equador. O despreparo dos governos para encarar a crise sanitária que se estabelece e a ausência de medidas para que a doença não se alastre vêm contaminando e tirando a vida de inúmeras pessoas pelo mundo inteiro.

No dia 26 de fevereiro é confirmado o primeiro caso de Covid-19 no Brasil. E hoje, dia 4 de abril – um mês e nove dias depois – as Secretarias Estaduais de Saúde contabilizam 9.391 infectados e 376 mortos em todo país. A propagação do vírus acontece de forma acelerada no Brasil, como demonstram os estudos realizados por especialistas da Fiocruz. Além disso, em alguns dias estaremos enfrentando o pico da pandemia em nosso país e por isso são necessárias medidas imediatas vindas do Estado para combater o novo coronavírus e salvar vidas. Porém, o que o governo de Jair Bolsonaro, Mourão e seus ministros vêm mostrando é totalmente contrário a tudo que seria necessário para tentarmos superar esse momento com o mínimo de perdas possíveis, mais uma vez Bolsonaro se coloca como inimigo da classe trabalhadora e de diversos setores oprimidos.

Tudo ainda é muito incerto, o avanço generalizado da doença de norte a sul do Brasil vem trazendo probabilidades de futuros mais negativos do que positivos nas últimas semanas. Um dos fatores que podem ser determinantes é a postura que o presidente e uma parcela de seus ministros vêm tomando totalmente descabidas, e sugestões totalmente céticas, onde o próprio Bolsonaro ainda insiste em propor um isolamento vertical das pessoas – onde ficariam isoladas apenas pessoas que fazem parte dos grupos de risco – já aqueles e aquelas considerados fora desses grupos poderiam circular e trabalhar normalmente, tudo isso em nome da movimentação da economia. O governo usou como inspiração o isolamento vertical que estava sendo utilizado pelo Japão, apesar de notoriamente termos costumes e hábitos diferentes dos japoneses, que, por exemplo, não têm o hábito de manter tanto contato físico como os brasileiros e também já são habituados a utilizar máscaras no cotidiano, hábito muito distante da realidade da maioria da população brasileira. Mesmo assim, o Japão recuou acerca do isolamento vertical da população, pois os números de infectados e mortos seguiram aumentando. O fato é que a maioria dos cientistas e especialistas de saúde ao redor do mundo são contrários à ideia de isolamento vertical, e são favoráveis ao isolamento horizontal, ou seja, o isolamento massivo da população, só indo às ruas trabalhadores com funções em setores essenciais. Um dos motivos principais para a defesa desse tipo de medida é diminuir a propagação do vírus e conseguir avaliar formas mais efetivas de curas para a doença. Bolsonaro tem ganhado muitos opositores desde o efervescer da pandemia, como grande parte da mídia, o congresso nacional, muitos setores do judiciário e até mesmo grandes parcelas de governantes de direita, que, apesar de contradições inerentes no tratar da pandemia, tem se mostrado descontentes e contrários à postura e às ações do presidente.

Segundo o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS), entrará em colapso ainda no mês de abril, sob alegação de que a grande escala de pessoas contaminadas pela doença atingirá seu pico neste mês e o sistema não será suficiente para suprir as demandas. O próprio ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirma que não há falta de verba, mas, sim, falta de novos centros de saúde. E torna-se necessário frisar que um dos principais motivos para que isso ocorra é a Emenda Constitucional 95, aprovada ainda no governo Temer, em 2016, que vigora até os dias de hoje.  A EC 95 congelou os gastos públicos essenciais como saúde, educação, segurança e assistência por 10 anos, podendo ser renovada por mais 10 anos, tendo como a principal justificativa que a dívida externa do Brasil precisava diminuir de alguma maneira, para que houvesse mais confiança de países estrangeiros de investir em nosso país, que já vinha perdendo confiança internacional. Todavia, ao invés de tentarem estabelecer medidas ainda mais eficazes para a obtenção do efeito desejado, como por exemplo, a taxação de grandes fortunas e a diminuição e redução de juros e amortizações da dívida pública, o que foi realizado foi mais eficiente e conveniente para a manutenção dos interesses do grande capital, mesmo que afetasse diretamente a maioria das pessoas, em especial a classe trabalhadora. Mas o inverso não poderia ser feito, pois afetaria diretamente os interesses dos grandes poderosos, e é sabido que para existir o dominante é necessário que exista o dominado. O capitalismo e ultraneoliberalismo, se aproveitam, se apropriam e superam crises por meio dessa exploração.  O desesperador é que o Sistema Único de Saúde (SUS) só em 2019, perdeu cerca de 20 bilhões de reais de investimento, como relata o Conselho Nacional de Saúde (CNS) [http://www.conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1044-saude-perdeu-r-20-bilhoes-em-2019-por-causa-da-ec-95-2016]. A população brasileira cresce todos os anos e necessita que seus direitos básicos como saúde, educação e assistência sejam garantidos e de alguma maneira as contas ocasionadas pelo congelamento de gastos públicos não iriam fechar. O SUS tinha e ainda tem grande probabilidade de colapsar, principalmente em meio a uma pandemia como essa. No final sabemos muito bem quem serão os principais atingidos com os desmontes das políticas sociais e sabemos também, que essas pessoas tem raça, gênero e classe estruturalmente pré-estabelecidas.

Quais as principais tarefas da juventude durante e após a Pandemia?

Temos como tarefa principal – a juventude assim como os demais setores da sociedade civil – através do ciberativismo – a medida mais segura para pressionar o governo no presente – defender um programa de medidas emergenciais que busque salvar vidas neste período de crise sanitária, econômica e social, e que esteja em prol da classe trabalhadora e dos povos mais oprimidos. Nesse momento as entidades estudantis têm um papel fundamental de direcionar os estudantes as quais as mesmas representam, dentre elas é importante destacar o papel importantíssimo da União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Além dos Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs); os Centros Acadêmicos (CAs) e as executivas de cursos, com a finalidade de oferecer dicas de prevenção, debater sobre o tema e fazer oposição direta ao governo Bolsonaro, e suas (des)medidas.

Para além disso, precisamos ter negritado que a juventude será essencial após a pandemia, pois como sabemos a mesma é um dos setores mais dinâmicos da sociedade, e é preciso vislumbrar o potencial que ela tem em incentivar e dar esperança a classe trabalhadora e aos setores mais oprimidos. Como disse Gonzaguinha “eu vou à luta com essa juventude que não corre da raia a troco de nada […] e constrói a manhã desejada”. Seguiremos firmes e na luta, logo estaremos nas ruas novamente.

Saudações revolucionárias. Se tiver a opção de ficar em casa, continue.

 

* Militantes do Afronte!-PA e coordenadoras gerais do Centro Acadêmico de Serviço Social (CASS) da UFPA.