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BRASIL

Ensino a distância no Centro Paula Souza: um debate necessário

Joyce Maria Rodrigues, docente na Etec Cepam
Wikipedia

Centro Paula Souza, no Bom Retiro, em São Paulo

Em um cenário onde a principal recomendação é o isolamento social para evitar a proliferação rápida do Covid-19, todas as atividades que não são essenciais para a garantia da vida foram suspensas ao longo do mês de março no país. Com o fechamento das escolas, as Secretarias de Ensino dos governos municipais, estaduais e federais terão que ditar os novos rumos para a continuidade ou não do ano letivo. Dados da UNESCO mostram que essa medida já impactou 157 países e no mínimo 1,4 bilhão de estudantes.

No dia 17 de março o Ministério da Educação publicou a Portaria nº 343, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação da pandemia do COVID-19. O ministro Abraham Weintraub, respaldado pelos incisos II e VII, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e pelo artigo 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017, autoriza “em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017.” 

Cabe às instituições de ensino a responsabilidade pela definição das disciplinas que poderão ser substituídas, a disponibilização de ferramentas aos alunos que permitam o acompanhamento dos conteúdos ofertados bem como a realização de avaliações durante o período. Sem nenhuma orientação mais específica ou mesmo uma política pública estruturada de apoio aos estados e municípios, uma pluralidade de decisões estão sendo implementadas. As escolas privadas optaram pela continuidade das aulas utilizando os recursos da tecnologia de ensino EaD, e nas escolas públicas após um período de suspensão das aulas com o adiantamento de recessos já previstos no calendário escolar, a tendência é a mesma. 

O Grupo de Supervisão Educacional (GSE) do Centro Paula Souza, por meio do Memorando Circular nº 009/20, determinou recesso de 30 dias a partir do dia 23 de março, antecipando os recessos de abril, julho e outubro e iniciou as orientações para os diretores e coordenadores pedagógicos e de curso para o preenchimento do Plano de orientação para a aprendizagem à distância (POAD) pelos docentes. Tais medidas têm como objetivo dar continuidade nas aulas através do ensino a distância para os mais de 200 mil estudantes matriculados nos cursos regulares (Ensino Médio, Etim, MTec, Ensino Regular Modular e especializações técnicas).

No dia 26 de março a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) apresentou uma nota pública que ressaltou a necessidade do poder público garantir o acesso de todos/as (estudantes e profissionais da educação) as condições necessárias para implementação das aulas EAd. Nesse sentido:

Em relação à inclusão estudantil no processo de EaD, as redes de ensino precisam assegurar equipamentos e interação virtual permanente dos profissionais com os estudantes, especialmente com aqueles de famílias cujo os pais, mães ou responsáveis apresentassem baixa escolaridade, dada a maior dificuldade dessas famílias em acompanhar o desenvolvimento escolar de seus filhos. Esse problema existe no regime presencial e será agravado em atividades de EaD. Quanto aos profissionais, as atuais condições sanitárias que impedem reuniões para elaborar atividades pedagógicas, e a falta de acesso a equipamentos e programas (softwares) que exigem prévia formação, são obstáculos bastante comprometedores no sentido de garantir a formulação e a execução com qualidade dos conteúdos a serem ministrados.

As orientações pedagógicas para o período de aulas a distância que consta no site do CPS, explicam que:

 as atividades pedagógicas deverão ser desenvolvidas a distância e com uma estratégia de atendimento aos alunos durante a suspensão de aulas será baseada no uso da do Microsoft Teams, que possibilitará o suporte didático necessário, por meio da criação das turmas (equipes), inserção de atividades e gerenciamento das entregas, chats, vídeo aulas entre outros recursos.

Se a princípio tal medida reserva em si uma preocupação com a proliferação da pandemia do Covid-19, o mesmo não se pode afirmar em relação à política educacional. Os impactos negativos da inserção de aulas à distância no ensino público podem aprofundar as desigualdades já existentes entre os estudantes, principalmente  em situação de maior vulnerabilidade, observando não somente o acesso à internet, mas também outras dimensões de sua vida, como moradia, saneamento, alimentação, dentre outros.

A pesquisa TIC Domicílios realizada em 2018 apresentou que 30% da população brasileira não tem nem acesso à internet e nem computador em seu domicílio em relação a 39% que têm ambos. Quando o mesmo indicador é desagregado por renda familiar, 50% dos domicílios com até 1 salário mínimo não possuem computador. A pesquisa apresenta que o brasileiro tem acesso à internet, mas predominante via celulares – 97% da população brasileira, em comparação aos 25% que usam computador de mesa, 28% que usam notebook e 11% que usam tablet. Quando analisado o acesso a partir do recorte grau de instrução, os dados são praticamente os mesmos para adolescentes e jovens matriculados no ensino médio. No grupo da população com até 1 salário mínimo, no indicador usuário de internet por atividades realizadas a internet, os dados mostram que 38% realizaram pesquisas ou trabalhos escolares, 5% fizeram curso à distância, e somente 27% estudaram na internet por conta própria.

Nos comunicados apresentados pelo CPS não foi apresentado informações sobre a quantidade de estudantes matriculados que poderão acompanhar as aulas à distância. Nas orientações pedagógicas existe somente uma indicação de que os estudantes que não dispor de recursos de informática e acesso à Internet para a realização das atividades, contarão com atividades por email ou impressas (versão similar a proposta que seria desenvolvida no ambiente virtual) que deverão ser entregues pelos docentes às Secretarias Acadêmicas das Unidades, que por sua vez gerenciarão a entrega e o recebimentos dessas atividades, para o cômputo da frequência e análise do desempenho do aluno, pelo docente.

Essa lógica porém mais penaliza os estudantes que não têm acesso a internet que deverão se expor para retirar e entregar as suas tarefas, num cenário onde houve a suspensão dos passe-livre e a diminuição da oferta de transporte público. Se de um lado os dados sobre a condição dos estudantes não estão sendo apresentados (ou mesmo não estão sendo considerados), como pressuposto para garantir o seu acesso equitativo ao “retorno” às aulas em formato Ead, por outro lado, não houve nenhuma consulta à comunidade escolar. Aos professores, elemento principal para implementação das aulas Ead, somente cabe a decisão de obedecer. 

 Por fim, é importante lembrar que somos nós professores que teremos que realizar formações a toque de caixa para ministrar as aulas, somos nós professores que teremos a responsabilidade em garantir o processo de ensino e aprendizagem. É imprescindível a nossa participação e contribuição, assim como dos pais, mães, responsáveis e estudantes para as discussões que fomentam as tomadas de decisões sobre a continuidade das aulas em tempos de isolamento social. O princípio da gestão democrática garantido na LDB não pode ser suspenso junto com as aulas. 

 

Reportagens sobre ensino Ead     

https://www.publico.pt/2020/03/20/sociedade/opiniao/educacao-publica-tempo-pandemia-teletrabalho-1908679

https://exame.abril.com.br/revista-exame/vida-a-distancia/

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=86791

 

https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/08/28/uso-da-internet-no-brasil-cresce-e-70percent-da-populacao-esta-conectada.ghtml

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23445-pnad-continua-tic-2017-internet-chega-a-tres-em-cada-quatro-domicilios-do-pais

https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/06/33percent-dos-brasileiros-nao-tem-acesso-a-internet-entenda.ghtml

https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/ead-alternativa-coronavirus/

Cartilhas para realização do Teletrabalho CPS

https://www.cps.sp.gov.br/cartilhas-teletrabalho/

Comunicado do MEC

http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376

Comunicados do CPS

https://www.cps.sp.gov.br/comunicados/

Pesquisa TIC Domicílios

https://www.cetic.br/pesquisa/domicilios/