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OPRESSÕES

Ubuntu: sou o que sou pelo que nós somos

Sérgio Pereira*, São Paulo, SP
Valter Campanato/Agência Brasil

” Achei uma bola de ferro
presa nela uma corrente
tinha um osso de canela,
deu tristeza em minha mente.
Esse osso de canela,
veio de outro continente…”

Camisa Verde e Branco – 1982

O centro territorial, também é o centro do poder. Durante trezentos e cinquenta anos no Brasil, a acumulação primitiva do capital foi sobre a mão de obra escrava, da população negra raptada em África, pelo centro do poder.

Padre – André João Antônil – diz; Pano, Pau e Pão (PPP)
Movimento Negro – diz: Poder para o Povo, Pobre (PPP).

Após a falsa abolição, o lugar do “liberto” passou a ser territorialmente a periferia do sistema, tanto no que diz ao aspecto econômico, social, como no aspecto territorial, que foi substituído pela antiga senzala e hoje são os bairros periféricos ou dormitórios. Esses espaços foram e são ainda hoje locais desprovidos da ausência do Estado, antes uma “massa” de trabalhadores escravizados, hoje assalariados. O teatro, o cinema, a água potável, o saneamento básico, a biblioteca, a universidade, os centros hospitalares, estão longe desses territórios. A observação e experiências concretas da classe trabalhadora, passam a organizar e exigir do Estado brasileiro dirigido pela burguesia, melhorias como; saúde, lazer, moradia, saneamento básico para o conjunto da classe.

Dois Brasis

O escritor Aluísio Azevedo, em seu livro O cortiço, descreve a situação de moradia dos trabalhadores no Rio de Janeiro no final do século XIX.  O cortiço São Romão, habitado pelas classes mais baixas e marginais, entre eles operários imigrantes, recém chegados no Brasil, lavadeiras, prostitutas, entre outras. Já no sobrado do Miranda, típico burguês em ascensão, onde a vida é mais sossegada e superficial, o tempo era dedicado a cultura e ao lazer.

O Conde D’Eu, marido da Princesa Isabel, foi o dono de um imenso cortiço, o Cabeça de porco, onde viviam mais de quatro mil pessoas. Essa é ainda a realidade das periferias do Brasil, um problema secular que se arrasta aos dias de hoje. A cidade de São Paulo tem mil e setecentas comunidades que reproduzem esses problemas seculares.

 “Saudosa maloca
maloca querida,
Que sim donde nois passemos dias feliz de nossa vida…”

João Rubinato/Adoniram Barbosa – 1951.

Na década de sessenta e setenta a luta pela democratização, teve como pauta a popularização da Educação Pública. O governo passa a construir escolas nas periferias das cidades brasileiras e democratizar o acesso ao conhecimento universal e científico.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o exemplo clássico da luta das mulheres da classe trabalhadora nesses dois Brasis. A luta por saúde pública para os da periferia deste imenso território brasileiro.

Os dados do SUS (2001):

1 – 56642 unidades

2 – 350 milhões de atendimento

3 – 6493 hospitais

4 – 12,5 milhões de internações ano.

Essa conquista da saúde pública é fruto da organização e luta da classe.

A classe trabalhadora organizada na década de oitenta do século XX, tiveram inúmeras vitórias sobre a burguesia que dirigia o Estado brasileiro.

Luta de classes

Segundo Karl Marx, o conflito de classes pode assumir muitas formas: diretas e indiretas, como vemos na desaceleração informal na produção como forma de protesto.

” Homem primata, capitalismo selvagem…”

Homem Primata – Titãs – 1986

Na década de noventa do século XX, a burguesia brasileira se reorganiza e lança uma brutal ofensiva sobre as conquistas dos periféricos trabalhadores, vendo-os, os descendentes de trezentos e cinquenta anos de espoliação do trabalho escravo, imigrantes empobrecidos e nativos brasileiros.

” Não sou descendente de escravos.
 Eu descendo de seres humanos que foram escravizados”

Makita Valdiva

 

O ataque brutal refere-se ao neoliberalismo, a fase mais nova do capitalismo, que vai atuar na economia com o Estado mínimo, deixando o mercado como o balizador das relações sociais; a tecnologia, as telecomunicações são os elementos de aceleração e da nova roupagem para o mundo moderno, num país oriundo de uma alta concentração de renda nas mãos de 1% da população, enquanto a imensa maioria , vivem na miséria, abaixo da linha da pobreza nesse último período.

” Dinheiro na mão é vendaval…”

Pecado Capital, Paulinho da Viola

Racismo estrutural no Brasil é o fruto deste modelo.

A miséria histórica impetrada sobre a classe trabalhadora no Brasil e entre os trabalhadores; a população negra empobrecida, o mercado de reserva de trabalho,  a juventude periférica – tudo isso caracteriza o racismo estrutural do Estado brasileiro.

O Racismo estrutural em seus desdobramentos político no neoliberalismo, aparece de forma gritante nas estatísticas, em números negativos.

Capítulo 4, versículo 3

“60% dos jovens da periferia,
Sem antecedentes criminais,
já sofreram violência policial…
A cada quatro pessoas mortas pela polícia,
Três são negras,
Nas universidades brasileiras,
apenas 2% dos alunos são negros.
A cada quatro horas um jovem negro morre violentamente em São Paulo …”

 Pedro Paulo Soares Pereira. Racionais Mc’s

 

Apesar da melhora nos números em relação a entrada de negros na universidade pública e em relação a linha da pobreza, o desemprego, a superexposição nos salários, a desassistência na saúde, na educação são maiores, seguido de um maior controle externo sobre os mecanismos de aprendizado e avaliação, seguindo e demonstrando a política genocida, Maafa (do Suaile – grande desastre/tragédia) ou necropolítica (Achile Mbembe – um homem negro africano que se utiliza de um conceito grego, colado a leitura de Michel Foucault para analisar políticas de Estado que decide quem vive ou morre) do Estado burguês brasileiro.

A periferia se aproxima de pandemias, um fato na história do Brasil.

A pandemia do vírus altamente mutável e letal, se aproximam da periferia das cidades brasileiras, através da globalização.

Antes mundo era pequeno
Porque Terra era grande
Hoje mundo é muito grande
Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena parabólicamara
Ê, volta do mundo, camará
Ê ê mundo da volta, camará

Parabólica amará – 1992
Gilberto Gil

O vírus é universal, mas o recorte de classe e raça no Brasil é mais letal nos pobres, nos desassistidos e nos periféricos.

“A paciente, que na capital do Rio de Janeiro, esteve em contato direto com a sua empregadora, que chegou da Itália e testou positivo ao covid – 19…. Morreu” (20.03.2020, Rede Brasil Atual).

A pandemia chega na periferia das cidades brasileiras no momento de desmonte da saúde pública, orquestrado pelo Neoliberalismo e sendo aplicada pelos lacaios da burguesia nacional e respaldada pelos Estados Unidos de Trump.

Essa política, que é parte do processo de recolonização dos países semi-coloniais,  ditado pelo grande capital internacional, precisa ser barrado, por uma política de unidade entre raça e Classe, pois os trabalhadores da periferia do sistema; mulheres negras, homens negros, indígenas e brancos pobres, serão aqueles que mais sentiram e sentirão o desmonte dos serviços públicos em tempo não apenas da pandemia do Covid-19, mas de tuberculose, de sarampo, da AIDS, de malária, de fome, enfim.

“Trabalhadores do Mundo, Uni-vos.”

Karl Marx

A periferia do mundo, de todos os grupos étnicos, precisaremos ser a força da classe trabalhadora, que precisará se levantar em força, para matar o neoliberalismo, a recolonização, a ditadura e o capitalismo.

A vida da classe trabalhadora está acima do lucro. Existe vida fora do capitalismo, por isso que lutaremos.

A vida é bela. Que a nossa geração livre as futuras gerações de todo mal e opressão.

Axé.

 

* Professor e conselheiro da Apeoesp

Marcado como:
coronavírus / Racismo