Neste 2 de abril, tomou o noticiário da América Latina, o cenário de um verdadeiro apocalipse nas ruas de Guayaquil, cidade litorânea de maior população urbana do Equador, com cerca de 2,5 milhões de habitantes.
As cenas são de corpos abandonados nas ruas por vizinhos e parentes, alguns sendo queimados ao ar livre em plena luz do dia, pois além do já colapsado sistema de saúde onde pacientes contaminados pelo Covid19 sequer consegue ser atendido, falecendo em cadeiras de rodas e nas filas dos hospitais, gerou-se ainda o colapso dos serviços privados de funerárias, além dos necrotérios e cemitérios que já não suportam a demanda de centenas de vítimas letais da pandemia.
Os números oficiais do Equador, já somam mais de 3.160 casos e 120 mortes, cifras totalmente subnotificadas, mas que ainda assim levam o país aos piores índices de contaminação e mortes per capita do continente latino-americano.
Para efeitos de comparação, a população do Equador tem cerca de 16 milhões de habitantes, ou seja, treze vezes menor do que o Brasil, onde temos cerca de 7 mil casos e 250 mortes. Proporcionalmente é como se neste momento tivéssemos mais de 1.500 mortos no Brasil. Ocorre que a Polícia Nacional já registrou a coleta de pelo menos 400 corpos nas casas dos falecidos, entre os dias 23 e 30 de março, somente em Guayaquil, que concentra mais de 78% dos casos de mortes pelo Covid19 do país.
A razão do abandono dos corpos nas ruas, em caixões ou ensacados, é que os parentes passam até 4 ou 5 dias com os mortos em casa sem que os serviços das funerárias compareçam para retirá-los das casas, para que possam providenciar os sepultamentos. Não há tampouco serviços de necrotérios para conservar os corpos das vítimas e igualmente os cemitérios existentes sequer conseguem concluir as operações de sepultamento.
As filas nos cemitérios são gigantes. Os médicos legistas têm dificuldades em certificar a causa da morte dos falecidos, pois quando conseguem chegar para atestar a declaração de óbito, as pessoas já estão mortas há dias, e não há testes suficientes para realizar os exames e confirmar a contaminação pelo Covid19.
A cidade portuária de Guayaquil diante de tais cenas dantescas, tornou-se o lugar onde se morre sem ser atendido nos hospitais e onde não se sepulta por não haver vagas nos cemitérios ou serviços de funerárias. O desespero da população, em particular dos trabalhadores e famílias mais pobres, fazem da agonia coletiva a rotina diante da pandemia.
Guayaquil: a concentração da maioria absoluta das contaminações e mortes, e a “festa do vírus”
O Equador é um país que possui alto fluxo migratório, em grande parte pelas sucessivas crises econômicas. Cerca de 1,2 milhões de habitantes vivem fora do país. Os maiores destinos migratório são para os Estados Unidos, onde estão cerca de 43,62%, seguido pela Espanha com 35,10% e a Itália, com 7,21%. O movimento inverso de pessoas também tende a ser proporcional e neste contexto foi o terceiro país da América Latina a registrar um caso positivo de covid-19, em 29 de fevereiro, antes de outros países maiores e mais populosos e com mais estrutura, como a Argentina ou a vizinha Colômbia.
Por outro lado, em Guayaquil chegam embarcações de todas as partes do mundo, sendo também o porto fluvial e marítimo mais importante do país, com 73% de todas as importações e 47% do total das exportações se mobilizam através das instalações portuárias que se encontram ao sul da cidade. Mas tal tragédia não ocorreu somente por força da contaminação do vírus. Há um longo processo de sucateamento dos serviços públicos de saúde daquele país.
A demora e as limitações das medidas do Governo de Lênin Moreno, já totalmente desmoralizado desde os levantes populares do final de 2019, em aprovar a quarentena e isolamento social foi sem sombra de dúvida, uma das principais causas para que a contaminação se espalhasse rapidamente. As medidas mais efetivas para evitar a circulação de pessoas só foram tomadas em 12 de março e até agora só foi aprovado um bônus de apenas 60 dólares em apoio aos desempregados, com duração de dois meses, além do toque de recolher, entre as 14h e 05h, com características de Estado de Exceção, que vem sendo denunciado pelo partido de oposição do ex-presidente, Rafael Correa, como medidas de militarização autoritária contra a sociedade.
O prefeito de Quito, Jorge Yunda, declarou emergência sanitária em 12 de março suspendendo as aulas em escolas e faculdades, limitando a circulação de veículos, proibição de eventos públicos e aglomerações, entre outras medidas, mas a prefeita de Guayaquil, Cynthia Vitere, ligada à velha direita oligárquica, do Partido Social Cristão-PSC, no início das contaminações estava na mesma linha da subestimação da direita mundial dos alegados negativos impactos econômicos que geram medidas integrais de isolamento social e que as medidas eram competência do Ministério da Saúde, até que ela mesma foi contaminada e na sequência se gerou um caos na cidade.
Circulam nas redes sociais, duas importantes denúncias do boicote das oligarquias da Província de Guayas, em relação às medidas de isolamento social, a primeira foi a autorização de uma grande partida de futebol realizada com público presencial, na Capital da Província, em 04 de março, e o segundo foi a realização de um casamento da neta de León Febres Cordero (já falecido), uma das famílias mais poderosas do país, que reuniu centenas de pessoas e ficou popularmente conhecido como o “casamento do vírus”, realizada em Samborondón, cidade turística da província, no sábado 14 de março, como um dos eventos disseminadores do vírus, onde toda a elite burguesa de Guayaquil esteve presente, incluindo a prefeita de Guayaquil e convidados italianos e espanhóis.
O resultado das limitadas medidas do governo Moreno, junto com a subestimação e irresponsabilidade dos governantes e das elites de Guayas e Guayaquil, fez com que aquela região se convertesse no epicentro da disseminação da pandemia no país. Os impactos para uma metrópole onde existe um grande número da classe trabalhadora precarizada e desempregada do Equador será catastrófico como demonstram as imagens e vídeos vindos pelas redes sociais, que registraram em apenas dois dias a expedição de mais de 700 atestados de óbito.
Assim como em qualquer país do mundo afetado pela pandemia, somente medidas radicais de políticas públicas de saúde, acompanhada do incremento de decretos macro e microeconômicos que protejam os desempregados, os trabalhadores e os micro e pequenos empregadores, junto com ações que taxem as grandes fortunas e rendimentos, além do sistema financeiro, e o controle da produção, comércio e serviços dos insumos e equipamentos de saúde necessários à população e aos profissionais da área, é que se poderá amenizar os terríveis impactos da pandemia.
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