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BRASIL

Sergipe: Quarentena “branda”, subnotificação e a urgência da proteção social

Alexis Pedrão*, Aracaju, SE
Sérgio Silva/Agência Aracaju de Notícias

“Se cuida aí
Ih, que vai faltar espaço na UTI
Se a gente não fizer o certo pra se prevenir.”

(MV Bill – Quarentena)

 

Desde o início da pandemia de Covid-19, os governadores e prefeitos têm se mostrado muito mais conscientes dos perigos que envolvem o coronavírus e mais sensíveis às demandas da população do que o presidente. Diante das notícias de outros países, enquanto Bolsonaro nega o problema e chama de uma “gripezinha”, governadores e prefeitos não esperaram pelo pior e atuaram por meio de decretos de isolamento social e funcionamento parcial de empresas e locais de grande concentração de pessoas. O cenário é tão diferente, que até políticos conservadores e assumidamente de direita como Witzel (RJ) e Dória (SP) tomaram medidas de proteção social.

Mesmo com essa movimentação independente dos estados frente ao governo federal, hoje o Brasil está com um quadro (atualizado até 30/03) de 4661 infectados e 165 mortes, enquanto Sergipe apresentou 20 casos confirmados, sendo 17 na capital e nenhum óbito. Não foi possível impedir a proliferação do vírus e o número de infectados e mortos continua crescendo. Mas, sem dúvidas, seria muito pior se os governadores e prefeitos seguissem os conselhos de Bolsonaro e dos grandes empresários que tentaram organizar as “carreatas da morte” pela volta da normalidade em meio à grave crise. O momento é de lutar pela vida, não de salvar os lucros. É preciso estar vivo para depois reconstruirmos a economia a serviço do povo.

Sentindo o desgaste da última semana, na desavença com seus próprios ministros e os panelaços que cresceram nas janelas dos apartamentos e casas, Bolsonaro recuou no pronunciamento de terça (31/03), falando em salvar vidas e defendendo a ciência. Contudo, ainda não disse quando vai sancionar a renda emergencial de R$600,00 aprovada pelo Congresso para os mais carentes. Depois de ignorar por semanas a pandemia, há muita desconfiança na palavra do presidente. Mas, e quanto a Sergipe? Estamos no caminho certo? O governo do estado e a prefeitura de Aracaju estão dando o exemplo? Realmente está sendo feito tudo que é possível para evitar consequências mais graves?

 

A quarentena “branda” e a subnotificação dos casos

O decreto do governo estadual suspendeu as aulas e a aglomeração de pessoas. Contudo, grandes empresários continuam a todo vapor. Não consta no decreto de Belivaldo que a construção civil e as fábricas são serviços essenciais. Porque, então, continuam funcionando? E onde o serviço é essencial, as condições dignas de trabalho estão garantidas? Conversando com os trabalhadores e trabalhadoras recebemos diversas denúncias de falta de itens básicos, como sabão, álcool, máscaras, luvas, óculos, etc. É o caso da fábrica Cimesa e dos condutores do SAMU que estão trabalhando sem a devida proteção. Percebe-se que, apesar do decreto e das boas intenções, a vida da classe trabalhadora continua sendo colocada em risco pelos empregadores e pelo próprio estado.

Em Aracaju, para citar alguns exemplos, o mercado central continua aberto, os ônibus estão cheios nos horários de pico e os garis e margaridas da empresa Torre continuam sem proteção nas atividades essenciais de limpeza urbana. A empresa AlmaViva chegou a fechar, mas a (in)justiça do trabalho recomendou o retorno de parte das atividades. Ora, o que impede o governo do Estado e a prefeitura de Aracaju de avançar nas medidas administrativas e fechar atividades não essenciais, garantindo as condições mínimas de saúde para as demais? As medidas de Belivaldo e Edvaldo foram acertadas, mas insuficientes. É preciso que o isolamento seja ainda mais forte e não uma quarentena “branda” como está sendo feito. Com exceção das atividades essenciais, todas as pessoas devem ficar em casa, não apenas as que tem melhores condições financeiras.

Para agravar o quadro, o protocolo de saúde do estado e dos municípios não está seguindo a recomendação do Ministério da Saúde. Em ação conjunta do MPF, MPE e MPT foi recomendado “ao Governo do Estado e aos prefeitos dos 75 municípios sergipanos para que seja alterado o protocolo de notificação de casos suspeitos de Covid-19”. De acordo com este órgãos “a notificação incompleta dos casos de Covid-19 em Sergipe pode prejudicar o mapeamento local e nacional da pandemia, dificultar o planejamento do sistema de saúde para atendimento dos doentes e transmitir à população uma sensação equivocada de que há poucos casos suspeitos no Estado”. O Ministério da Saúde definiu que todos os casos de síndrome gripal sejam registrados como suspeitos de coronavírus, o que não vem sendo observado pelas autoridades sergipanas.

 

Mas como as pessoas ficarão em casa se precisam ganhar o pão de cada dia?

Por essa razão é urgente ampliar a rede de proteção social. No momento atual, os governos não podem admitir nenhuma demissão. Por isso, precisa atuar urgentemente contra o fechamento e as demissões da base do Tecarmo da Petrobrás. Caso não seja possível reverter essas demissões, que tenhamos ao menos uma garantia social para esses trabalhadores e suas famílias. É criminoso que, durante a pandemia, a empresa demita os trabalhadores e não existam iniciativas dos poderes públicos em socorro aos trabalhadores, especialmente os terceirizados.

É verdade também que nem todos são empregados. Temos os trabalhadores autônomos, informais, pessoas que vivem numa situação muito difícil para garantir o seu sustento. Como estão num momento como esse, motoboys, vendedoras de chip, diaristas, etc.? E os desempregados? E as pessoas em situação de rua ou em ocupações de moradia? A renda emergencial de R$600,00 é uma importante conquista, mas ainda depende da assinatura do presidente. Belivaldo, seguindo essa mesma lógica, aprovou, com o apoio da assembleia legislativa, uma renda emergencial de R$100,00 por quatro meses. Entretanto, sabemos que o valor está muito abaixo das necessidades mensais de uma família. Para termos uma noção, a prefeitura de Salvador aprovou renda emergencial no valor de R$270,00. Já a prefeitura de Aracaju sequer tocou no assunto da renda emergencial ou distribuição de cesta básica. Os kits de alimentação que estão sendo entregues nas escolas são apenas para alunos da rede, o que é muito pouco diante da realidade de desemprego e necessidade.

Quanto à população em situação de rua tivemos avanços. Após uma forte pressão das entidades do movimento negro, a prefeitura começou no dia 30/03 a tomar medidas concretas. Mas nos presídios, onde existe uma superlotação, praticamente nada foi feito na prevenção e combate ao coronavírus. Mais importante que a suspensão de visitas é a garantia de liberdade para todos os presos que ainda não foram julgados, ou pelo menos, os que não são acusados de crimes contra a vida ou crimes violentos. Até o momento não temos nenhuma medida de desencarceramento em curso. Nunca é demais lembrar que as pessoas que cometeram crimes também são humanas e lá também estão trabalhadores da segurança.

 

Lutar dentro de casa e exercer a solidariedade

Uma das questões mais angustiantes desse momento é que não podemos tomar as ruas para lutar pelos direitos e fazer as devidas reivindicações aos governos de plantão. Mas é possível organizar uma certa pressão partindo de casa. O melhor exemplo são os panelaços contra o presidente. Também sentimos a força das redes sociais no episódio do vendedor ambulante que foi humilhado pelos fiscais da Emsurb. O prefeito teve de gravar um vídeo pedindo desculpas e pagou R$700,00 pelos prejuízos sofridos pelo trabalhador. No mesmo caminho foi muito acertada a nota pública do PSOL Aracaju com seis exigências para o governo do estado e a prefeitura de Aracaju(10). Alguns dos pontos exigidos na nota, inclusive, passaram a ser observados pelo poder público.

De toda forma, o mundo virtual não é suficiente. Por isso as ações da CUFA e do MTST são exemplares na arrecadação de alimentos e distribuição com a população mais necessitada. Acredito que devemos fazer esse movimento duplo. Por um lado, pressão em casa e nas redes sociais para que os patrões e os governos façam uma quarentena de verdade, garantindo as medidas de proteção social para a classe trabalhadora como renda emergencial, isenção de taxa de água e luz para quem ganha até dois salários mínimos, cestas básicas, etc. e, por outro lado, ações de solidariedade junto às associações de moradores, sindicatos, igrejas e movimentos sociais. A luta pela vida é urgente. Não temos tempo a perder.

 

*Professor e militante da Resistência/PSOL.

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