Pular para o conteúdo
BRASIL

Conflitos de poderes no Rio de Janeiro diante do novo coronavírus

Direção Regional da Resistência/PSOL - Rio de Janeiro (RJ)

A crise do Coronavírus segue como a principal pauta da política atual. Já são 43 mil mortes no mundo, das quais 241 no Brasil, e a perspectiva é de um aumento vertiginoso dos casos. Dentre todos os líderes mundiais, Bolsonaro se destaca ao não encarar a gravidade da situação, boicotar as políticas de isolamento e incentivar fakenews. A sua posição vem acumulando uma série de desgastes dentro da própria gestão federal e em relação aos demais poderes da República, bem como move as peças da política local. No Rio, há um distanciamento de Witzel, em contraposição a uma relocalização do Prefeito Marcelo Crivella, que recentemente conquistou a adesão da família ao seu partido.

É possível notar uma clivagem no discurso de Bolsonaro desde o dia 24 de março, quando, em pronunciamento, afirmou querer conter o “pânico” e a “histeria” e que a doença seria similar a “uma gripezinha ou um resfriadinho”. Apesar de um abrandamento no tom de seu último discurso (31), não apresenta ainda demonstrações de mudanças nos rumos de suas ações. Com apoio de setores da burguesia nacional, o governo adotou uma linha de que opõe a saúde ao trabalho, com uma suposta defesa dos mais precarizados, que perderiam seus rendimentos se parassem de trabalhar. O discurso camufla, entretanto, uma postura genocida, que naturaliza a possibilidade da morte de milhares de pessoas em prol do lucro. Em sua afirmação de que o brasileiro seria imune a doenças, que “mergulha no esgoto e nada acontece”, ele revela quais vidas está disposto a sacrificar – afirmando como “resistentes” justamente aqueles que não têm acesso a saneamento e outros direitos fundamentais. Reforça a lógica elitista e racista que nos governa desde a colônia, reiterando quem pode morrer e para quem as elites governam.

No caso do estado do Rio, Witzel segue buscando parecer como uma voz firme pró-isolamento. Ele editou um novo decreto na segunda (30), ampliando a quarentena por mais 15 dias, e prevê uma reavaliação das medidas no dia 04 de abril. Afirma que a população não deve seguir orientações que vão contra as medidas da OMS, em alusão implícita ao presidente, e que “fazer ações que possam aumentar a pandemia pode ser caracterizado nos termos do artigo 7o do Estatuto de Roma de crime contra a humanidade”.

No mesmo sentido, diante da sinalização de Crivella de retorno às aulas no dia 12 de abril, Witzel afirmou que comunicaria ao prefeito que não deve tomar essa decisão e que tem “poder de polícia pra determinar o fechamento das escolas municipais”. A respeito da ação policial, afirmou, ainda na ocasião do decreto (30), que pode usar a violência estatal contra quem infringir o isolamento. É de se questionar para onde caminham as ações de quem se elegeu incentivando os assassinatos por policiais nas favelas e periferias. A política da morte e da violência classista fazem parte do programa do governador, o que é inaceitável e tende a se reproduzir nas medidas coercitivas que vierem a ser adotadas em função do combate à pandemia.

Além disso, é importante enxergar as movimentações para aprovar projetos antipopulares já existentes e cinicamente atribuídas à necessidade de enfrentar o coronavírus. É o caso da privatização da CEDAE. Para cobrir os gastos decorrentes do Coronavírus, Witzel anunciou que vem debatendo com Paulo Guedes a antecipação do leilão da estatal – previsto para ocorrer em outubro –, de forma a receber imediatamente parte dos recursos. Como ficou evidente diante da falta de ação com a crise da água no início deste ano, a tentativa de precarização do serviço tendo em vista a privatização já fazia parte do plano do governo. Diante da pandemia, Witzel parece ver uma oportunidade para aprovar a medida já almejada. No entanto, no lugar da privatização de serviços públicos fundamentais, o dinheiro para enfrentar a pandemia deveria vir da suspensão das dívidas públicas, bem como políticas já necessárias como a taxação de grandes fortunas.

O caso da educação também é sintomático dos projetos antipopulares em curso. Os governantes tentam impor a Educação à Distância (EAD) para as redes públicas na quarentena. No caso mais avançado, o da rede estadual, há muitos problemas apontados pelos profissionais de educação.  Por exemplo, não houve nenhum diálogo entre a secretaria e os educadores na construção do projeto, que também não levou em conta que boa parte dos alunos não possuem internet ou equipamento técnico. Parte dos professores também não possui equipamentos nem condições financeiras de adquiri-los, uma vez que já são 6 anos sem reajuste. Há também questionamentos pedagógicos acerca da sua funcionalidade para crianças e adolescentes em substituição às aulas e sobre o processo de avaliação.

No entanto, a preocupação de alterar o calendário letivo aflige a comunidade escolar, o que pode funcionar como um fator de pressão em prol da EAD. Por fim, é importante destacar a utilização das plataformas do Google para isso, discussão anterior e que é retomada como uma solução mágica para a crise. Além do questionamento do interesse público em usar os serviços de uma das maiores empresas privadas do mundo para a educação em detrimento da plataforma já utilizada pelo estado no CEDERJ que é da UFJF, é também fundamental pautarmos o crescimento do controle social e uso de informações por parte dessas corporações.

Witzel anuncia ainda a construção de hospitais de campanha para tratar a pandemia. Um deles seria construído no Maracanã, e os demais na Barra da Tijuca, Nova Iguaçu e São Gonçalo. No entanto, não sabemos se essas estruturas contarão com os equipamentos necessários para tratar a doença, como é o caso dos respiradores. Caso não ocorra, ao invés de serem locais para tratamento, serão transformados em verdadeiros depósitos de corpos, com os enfermos deixados a sua própria sorte. No mesmo sentido, a falta de materiais adequados para os profissionais de saúde já é uma crise em todo o sistema, amplificando o seu risco de contaminação.

Por sua vez, Crivella se alinhou a Bolsonaro e vem seguindo a linha de relativizar a necessidade do isolamento. Assim, realiza afirmações como a de que os jovens deveriam se expor ao vírus para se “imunizar” da doença. A postura se relaciona diretamente com as movimentações políticas em curso. Na semana passada, Carlos e Flávio Bolsonaro e a mãe deles, Rogéria Bolsonaro, entraram no Republicanos, partido de Crivella, sinalizando o apoio à sua reeleição e possíveis candidaturas.

O partido, ex-PRB, é dirigido por Edir Macedo, líder da Igreja Universal. Vemos, portanto, como o clã Bolsonaro se volta às bases do fundamentalismo religioso para sua sustentação. A tentativa presidencial de colocar cultos como serviço essencial segue o mesmo rumo. Apesar de relativizar as medidas de isolamento, nesta segunda (30), Crivella divulgou em suas redes um vídeo no qual orava de joelhos, pedindo uma salvação divina para a pandemia. O bispo, agora prefeito, utiliza-se da fé como propaganda, no lugar de realizar ações necessárias e cientificamente fundamentadas enquanto governante.

Entre as poucas medidas adotadas pela prefeitura, desde segunda (30) ocorreu a adoção do Sambódromo como abrigo destinado a 140 pessoas sem-teto, nas salas de aula que funcionam sob as arquibancadas. No entanto, a medida é muito limitada diante da realidade carioca, com cerca de 15 mil pessoas em situação de rua segundo a Defensoria. Além disso, as condições desses locais são preocupantes, podendo tornarem-se espaços de disseminação da doença. Antigas reivindicações das lutas sociais, como a destinação de imóveis vazios para a reforma urbana, se revelam como medidas mais eficazes. No caso do Rio, são milhares de espaços nessa condição, muitos dos quais pertencentes ao próprio poder público.

Em meio a esse cenário, essa semana contamos com uma importante vitória, a do auxílio emergencial de R$600 para trabalhadores informais, com auxílio para até duas pessoas por família. Além de ser pauta dos movimentos populares, como da negritude e trabalhadores informais, o projeto é também fruto da ação em frente única dos parlamentares do PSOL com outros representantes da oposição de esquerda ao governo. Apesar da relevância da medida, é necessário ainda a ampliação da renda básica, e complemento da renda também pelas esferas municipais e estaduais e outras medidas de assistência econômica, já que a perspectiva de R$600 por trabalhador está abaixo do salário mínimo, que já é rebaixado. Nessa quarta (01), um projeto municipal complementar da renda básica passou em primeira votação na Câmara do Rio de Janeiro, com relevante atuação do PSOL, sendo encaminhada para segunda votação na Casa nos próximos dias.

Esse tipo de conquista promete ser uma das principais medidas em face da pandemia. Afinal, o que essa crise nos ensina é que o planejamento público precisa garantir as condições para que todos possam adotar as medidas de quarentena, e não de uma minoria de elite. Nesse sentido, Witzel afirma estar a favor do isolamento, mas até agora apresenta poucas saídas econômicas para sua concretização. A perspectiva de suspensão das contas foi substituída pelo impedimento do corte de luz, água ou gás durante o período da quarentena, com parcelamento posterior. A distribuição de cestas básicas vem sendo também anunciada, mas ainda não concretizada pelo governante. E políticas de renda mínima a nível estadual seguem fora de pauta do governante.

O pequeno, mas necessário avanço da renda básica, não nos deve fazer esquecer que, além das questões imediatas, precisamos refletir sobre a explosiva forma de produção que é o capitalismo. A lógica de grandes concentrações populacionais com enormes restrições de direitos é uma combinação perigosa, que vive da gestão de suas crises. Ademais, outros dilemas civilizatórios estão apontados. Junto com a sobrevivência do capitalismo, desafios como o aquecimento global, o extermínio da biodiversidade, e o envenenamento de nossas águas e solos são problemas que se impõem nesse início de século. Assim, a necessidade de acabar com um sistema que vive da exploração e da produção seletiva da escassez se reinventa a cada nova crise gerada por suas próprias contradições.

Diante da crise, defendemos:

  • Fim da PEC do Teto de Gastos
  • Testes gratuitos em massa
  • Distribuição de álcool gel e congelamento de preços
  • Suspensão das aulas, licença remunerada do trabalho e cesta básica
  • Uso da rede privada de saúde coordenada pelo SUS
  • Licença remunerada e estabilidade no emprego
  • Higienização do transporte público
  • Não à quarentena militarizada
  • Proteção para trabalhadores da saúde, transporte e limpeza
  • 1,5 salário mínimo mensal a informais e precários
  • Apoio financeiro a pequenas e micro-empresas
  • Extensão do bolsa família e isenção das tarifas
  • Fim do teto de gastos e suspensão da dívida pública
  • Retomada dos investimentos públicos para gerar emprego e renda
  • Não à reforma administrativa e planos de austeridade
  • Para a especificidade fluminense: cobrança das promessas de Witzel e entrega de quentinhas aos alunos da rede estadual
  • Utilização de imóveis abandonados para sem-tetos 

 

LEIA MAIS

O PSOL Carioca em defesa da vida: 15 medidas para assegurar renda, trabalho e proteção social