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BRASIL

Saúde mental, universidades e o compromisso com o bem-viver, em tempos de coronavírus

Taís Bleicher*, São Carlos, SP
CCS/UFSCar

O compromisso de toda instituição deveria, acima de tudo, ser com uma ética da vida como bem-viver. Infelizmente, na nossa situação atual, o sentido da vida recrudesce ao que é mais elementar. Precisamos estar vivos, biologicamente vivos!

É um momento difícil para o mundo, mas, é um momento especialmente difícil para nós brasileiros. Nós teríamos como ter aprendido com os erros e acertos dos países que passaram pela epidemia do coronavírus antes de nós. O nosso governo federal poderia ter se antecipado aos primeiros casos, investido no nosso Sistema Único de Saúde, munido-se da infraestrutura técnica necessária, adquirido testes, ampliado a oferta de leitos de UTI, comprado ventiladores mecânicos, capacitado as equipes técnicas…

Como sabemos, nada disso aconteceu. Ao contrário, aquele que ocupa o cargo da presidência faz chacota, ri, debocha, colocando a população em risco. Um ministro da Saúde ora parece apontar para algum resquício de responsabilidade, ora se acovarda, sendo muito mais (mau) político que técnico. Assim, seguimos num barco à deriva, cujo comandante luta contra sua própria tripulação.

Nesse mar de ondas bravias, reina a ignorância. O comandante não é capaz de dar informações, mostrar os caminhos, unir os seus contra o inimigo comum. Pelo contrário: a boa informação, aquela que é necessária, passa no boca a boca, nos espaços de intimidade, em meio a todos os ataques bestiais.

Restamos nós, as pessoas. Restam também as instituições. E restam as universidades, como lugar de conhecimento, e como morada da ética do bem-viver.

Precisamos estar vivos, biologicamente vivos!

Nesse sentido, a Universidade, como as demais instituições, como o comércio, como os templos religiosos, como todos os espaços coletivos precisam parar. As pessoas voltam às suas casas. É tempo de cuidado.

Mas, parar como? Parar completamente? Parar parcialmente?

Quantos mundos e quantas vidas abriga uma mesma universidade?

Diz-se que o motivo primeiro das universidades são os alunos. Universidade é, antes de tudo, lugar de aprender.

Mas como aprender, entre a vida e a morte, na distância das pessoas queridas, na ausência do carinho que se faz na pele, do beijo que se dá na boca? Como aprender em uma temporalidade que é totalmente outra, no deserto de pessoas, no oceano (ou bombardeio) de informações?

Não, não se aprende com distâncias. Só se aprende com proximidades.

Há outra universidade, que é a da pesquisa. Essa pode estar a pleno vapor, porque a corrida contra o tempo coincide com a corrida pela vida. É essa universidade, que de Norte a Sul do Brasil une todos os seus esforços para produzir as respostas, a tecnologia, a informação que o governo federal não deseja produzir. Assim como o SUS, tão ultrajado por este governo, as universidades seguem, cientes de seu papel no mundo.

Mas, todos querem estar neste fronte? Todos os pós-graduandos e graduandos vinculados a estes projetos de pesquisa estão recebendo a infra-estrutura necessária para produzirem protegidos? Também o invisível pessoal da limpeza, que nunca para, trabalha protegido?

Estamos cuidando dos nossos?

Retorno ao mantra: Precisamos estar vivos, biologicamente vivos! Mas, precisamos, também, estar atentos aos medos, às inseguranças, aos riscos reais, às novas temporalidades e aos afetos dos nossos! … Para cuidarmos dos outros.

 

* Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)