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BRASIL

Quarentena já! #PararPelaVida

Bento Jose Ferreira*, de São Paulo (SP)
Marcelo Casal Jr/Agencia Brasil

Comércio fechado em Brasília

Não há tarefa mais importante neste momento do que a defesa da vida. Uma vida vale muito mais que qualquer quantia monetária. A pandemia do novo coronavírus criou uma situação ímpar no mundo globalizado: a reunião mais importante da sua vida, o jogo do seu time preferido, o encontro que você estava esperando há meses, a fusão de duas grandes empresas, o contrato milionário que seria assinado, tudo teve que ser cancelado ou adiado.

Tudo isso porque não existe outra forma de salvar vidas senão uma quarentena radical, que pare toda a atividade econômica, mantendo o funcionamento somente de atividades extremamente essenciais, ligadas à manutenção da vida, como a fabricação de equipamentos médicos, a compra de alimentos e de remédios, etc. Em outras palavras, uma quarentena na qual só seja permitido realizar atividades que garantam a continuidade da vida.

O lucro vale mais que as vidas humanas?

Neste momento dramático, a lógica capitalista tenta impedir a parada da economia, mas quanto mais ela é adiada, mais vidas se perdem. Na Itália, por exemplo, a adoção de uma politica dura de quarentena teria salvado milhares de vidas. Mas, ao invés disso, em Milão, centro da tragédia italiana, no início da disseminação do vírus, houve a campanha #MilãoNãoPara”. Essa campanha foi endossada pelo líder da extrema direita italiana Matteo Salvini e pelo prefeito de Milão, Giuseppe Sala, que hoje, diante da tragédia, é obrigado a se auto-criticar publicamente. O resultado dessa política é que a Itália tem, hoje, mais de 10.000 mortos, sendo que, somente nas últimas 48 horas, foram 1858. A maior parte destas mortes são na região da Lombardia , onde Milão está localizada.

O governo espanhol determinou a quarentena somente no dia 15 de março, quando já havia 5.200 casos no país. O resultado dessa demora fez com que, no dia 28/03, a Espanha registrasse 8.189 infectados e 832 mortos em 24 horas. No total, o país já tem 72.248 casos registrados e 8189 mortos. Somente no dia 28/03 o governo Espanhol resolveu parar a construção civil e o setor industrial do país.

O EUA é hoje o país com maior numero de casos de Covid-19 no mundo. Até o dia 28/03, houve 120.000 casos confirmados. Desses, 55.000 estão no estado de Nova York. Apesar desses números, o presidente Donald Trump tem relutado em colocar os EUA em quarentena nacional. As iniciativas têm sido tomadas pelos governadores em ações diferentes em cada um dos Estados. Hoje, um 1/3 da população americana está em quarentena, mas graças à iniciativa dos governadores. Tudo indica que a omissão de Trump vai custar muitas vidas americanas.

A politica irresponsável de Bolsonaro

O governo Bolsonaro tem defendido uma politica criminosa no Brasil, de acabar com a quarentena horizontal e colocar em isolamento somente as pessoas do grupo de risco. Primeiramente, é preciso dizer que seria impossível isolar completamente do resto da sociedade os maiores de 60 anos e as pessoas que tem comorbidades. O governo do Reino Unido, que cogitou tomar essa medida, voltou atrás após tomar conhecimento de um estudo feito pelo “Imperial College de Londres”, que demonstrou cientificamente que as mortes poderiam chegar a 500 mil caso o governo não adotasse medidas duras de isolamento social.

Uma outra questão importante é que, apesar da taxa de mortalidade ser maior no grupo de risco, isso não significa que não haja casos graves em outras faixas etárias. No Brasil, 48% dos casos considerados graves são de pessoas com menos de 60 anos. Isso significa que, se não houver leitos de UTI, essas pessoas provavelmente não resistirão. Além do mais, infelizmente acontecem também mortes de pessoas saudáveis, que não estão no grupo de risco. Nos EUA, em Chicago, um bebê de menos de 1 ano morreu de Covid-19. Em São Paulo, um jovem de 26 anos morreu no Hospital Santa Cruz, vitimado pela doença.

Bolsonaro admite que não há nenhum estudo científico que comprove a eficácia de sua política de isolamento vertical. Sem nenhum embasamento, resolve fazer uma aposta contra a comunidade científica, a OMS, os governos dos principais países do mundo e os governos estaduais no Brasil que adotam a quarentena como estratégia para enfrentar essa terrível pandemia. O problema é que, com essa aposta de Bolsonaro, milhares de brasileiros perderão a vida, seja devido ao coronavírus, seja por outras doenças, já que a pandemia causará sobrecarga na rede hospitalar, prejudicando o atendimento geral à população.

Um exemplo histórico: a gripe espanhola

Um estudo realizado por Sergio Correa, do Banco Central americano, Stephan Luck, do Banco Central de Nova York, e Emil Verner, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts analisou 40 cidades afetadas pela epidemia de Gripe Espanhola em 1918. O resultado demonstrou que as cidades que aplicaram antes e de forma mais dura a quarentena foram as que tiveram recuperação econômica mais rápida.

O estudo mostra, por exemplo, que a mortalidade pela doença na Filadélfia, cidade onde se demorou muito para adotar medidas de quarentena, foi muito mais alta do que em Saint Louis, que adotou medidas rápidas e duras de isolamento. O que explica essa relação, segundo o estudo, é que o alto índice de mortalidade acaba deprimindo mais e de forma desorganizada a economia do que uma parada organizada.

A conclusão desse importante estudo é que ações preventivas adotadas dez dias antes da chegada da doença contribuíram para um aumento de 5% no emprego industrial das cidades no período posterior à pandemia de 1918. Da mesma forma, estender tais medidas preventivas por mais 50 dias resultaram em um crescimento de 6,5% do emprego na indústria após o fim da pandemia.

O que fazer nesse momento?

Para diminuir o impacto da tragédia que já estamos vivendo, é preciso adotar a estratégia de quarentena, associada à testagem em massa. Novamente, a experiência de outros países mostra o caminho a ser seguido. Os países que mais tiveram sucesso na contenção e redução da mortalidade por Covid-19 foram aqueles que aplicaram, junto com a quarentena, uma política de testagem em massa. A Alemanha hoje tem capacidade de fazer testes em mais de 100.000 pessoas por semana. Essa política, além de possibilitar o mapeamento da expansão do vírus, garante também que haja acompanhamento dos pacientes desde o início da infecção. A política do Brasil, de fazer testes somente em pacientes graves, contraria a orientação da OMS e a experiência desses países.

A quarentena, por sua vez, precisa ser total, mantendo somente o funcionamento das atividades de saúde e de produção e comercialização de alimentos e produtos de primeira necessidade. Mas, para essa quarentena funcionar, é preciso garantir a manutenção dos salários e empregos dos trabalhadores. Para os trabalhadores do setor informal, que são praticamente a metade da força de trabalho no Brasil, deve ser assegurado o recebimento de um auxílio no valor de 1,5 salário, para garantir a manutenção da vida das famílias mais vulneráveis. Os pequenos e médios empresários, que são os que mais empregam no país, devem receber financiamento dos bancos públicos a juros baixos para garantia da manutenção dos negócios, dos empregos e da movimentação da economia local.

No atendimento para os casos graves, é necessária a utilização da estrutura da rede privada para acolher gratuitamente as pessoas que necessitam de atendimento, numa ação coordenada do sistema de saúde, reunindo os recursos e equipamentos públicos e privados disponíveis, sem distinção entre os que têm e os que não têm plano de saúde e com entrada coordenada pelo SUS por uma única porta. Para isso, é fundamental reforçar o SUS e liberar verbas em quantidade suficiente para a contratação e formação emergencial de profissionais de saúde e compra de equipamentos e estrutura necessários de aparelhos respiratórios, leitos de UTI, medicamentos, etc. São necessárias, ainda, a produção e aquisição de ventiladores em grande quantidade para garantir toda a demanda. Varais universidades brasileiras estão fazendo projetos para produção de ventiladores respiratório a baixos custos, o governo precisa obrigar as industrias privadas produzirem esses aparelhos. O próprio EUA obrigou a GM e a Ford a produzirem ventiladores em massa.

Sem pressão e luta, não há saída

Evidentemente, essas medidas só virão com muita pressão, e quem pode fazê-la de forma mais consequente são os trabalhadores e seus movimentos sociais, que desde o início desta crise vêm pressionando pelo fechamento das empresas que não prestam serviços essenciais e se enfrentando com a linha genocida de Bolsonaro e de alguns mega empresários que são seus aliados nesta empreitada da morte. No momento em que Bolsonaro dobra a aposta, os sindicatos e demais movimentos sociais, assim como todos os trabalhadores brasileiros, precisam ampliar suas ações em defesa da quarentena, promovendo campanhas nas redes sociais e ações políticas coordenadas, além de iniciativas de solidariedade, com distribuição de alimentos, produtos de higiene, etc., àqueles que mais necessitam. Neste momento, nada importa mais do que salvar vidas.

 

*Bento Jose Ferreira é militante da Oposição Bancaria/SP e do Coletivo Travessia.

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