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BRASIL

Como as ideias de Paulo Freire podem nos ajudar no debate sobre o Ensino a Distância

Dayane Evellin* e Emmanuela Harakassara**, de Fortaleza (CE)

Dizia, mais ou menos, que não se devia tentar explicar o espetáculo da peste, mas sim tentar aprender o que com ele se podia aprender. (CAMUS – A peste).

Paulo Freire, na obra Pedagogia do Oprimido, debruça-se sobre o que ele nomeia de “educação bancária” e, assim, nos convida a pensar uma prática pedagógica habitual em que o educador aparece como o único agente do conhecimento, e na qual sua tarefa parece ser a de “encher” os educandos com conteúdos baseados em sua narração e acúmulo. Muitas vezes deslocadas da realidade do educando, essas narrativas colocam os estudantes em um papel passivo, e nesse espírito, não se pode esperar nada deles a não ser que memorizem as informações dadas sem qualquer reflexão.  Dessa forma, a educação ficaria resumida ao “ato de depositar, em que os estudantes são os depositários e o educador, o depositante” (FREIRE, 2017, p.80). 

A crítica de Freire nunca esteve tão atual. Posto que ao se revelar uma crise sanitária no Brasil, causada pela ação da COVID-19 e reforçada pelo negacionismo fatal do presidente Jair Bolsonaro, as desigualdades sociais se tornam mais evidentes, inclusive com reflexos na educação. Com o objetivo de conter o avanço da doença, para a qual ainda não há remédio e nem vacina, foi decretado um isolamento social como meio fundamental de conter o avanço da pandemia: escolas, universidades, cursinhos e comércio foram fechados.

Como se não bastassem as desigualdades já evidenciadas pelas precariedades sanitárias e de distribuição de renda do País, as diversas instituições de ensino nos últimos dias têm se empenhado ao máximo em aumentar esse abismo. Com uma preocupação excessiva em passar conteúdos nos impõe um sistema de Educação à Distância (EaD), já defendido em outros tempos, inclusive para o ensino básico, pelo governo neofascista de Bolsonaro, o que resulta num modelo de educação deficitário e desprovido de reflexão quanto a atual conjuntura.

É importante que se diga que esse período virtual não supre o trabalho cotidiano efetuado nas escolas, assim como a família não o substitui e, o mais importante, esse modelo de ensino aumenta as desigualdades entre os nossos estudantes, pois sabemos que a maior parte dos nossos alunos não tem acesso à internet, muito menos a aparelhos de tablet ou notebooks para acompanhar de modo satisfatório às discussões e atividades propostas. 

Dessa maneira, em tempos de pandemia e isolamento social, projetos políticos insistem em uma educação à distância, que embora traga a reboque uma pretensa modernização, segue o mesmo modelo de educação bancária e descolada da realidade do educando. Com isso, a preocupação única com a transmissão mecânica do conteúdo, de fato, nos leva aos ambientes virtuais não para promover reflexões que partam da nova conjuntura, mas sim para reproduzir o mesmo modelo tradicional em que o educador permanece cativo a posições fixas, invariáveis. Preso a esse padrão de ensino, nega-se a produção do conhecimento como trama complexa ou um processo de busca e se perde de vista a possibilidade de um pensamento que seja efetivamente libertador.

Com efeito, em meio a essa crise de saúde pública, as diversas fissuras do capitalismo vão se descortinando, e entre elas sobressai a força de uma educação inserida nessa lógica social sistêmica que, como se sabe, ressalta a quantidade de conteúdos e não sua reflexão e conexão com a realidade vivida. Seguramente, nesse cenário, precisamos com urgência pensar novas práticas pedagógicas que superem a essa matriz educativa.

Refletidas essas questões, só nos resta indagar: qual o objetivo de se repassar maquinalmente uma série de conteúdos num momento como este, quando a principal preocupação das pessoas é lutar por minimizar as dores e dificuldades provocadas pelo impacto da pandemia, e, nessa perspectiva, reivindicar a adoção de medidas concretas que as protejam das ameaças do vírus ou da precisão material?

Que os governantes e os velhos mandarins da educação não se esqueçam: aulas podem ser repostas, vidas não! 

 

* Professora de Filosofia da Rede Estadual (CE); Licenciada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE); Especialista em Educação (UFAL) e Mestranda em Ensino de Filosofia (UFC).

** Professora de História da Rede Estadual (CE); Licenciada em História pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Especialista em Ensino de História (URCA) e Mestra em História e Culturas (UECE).