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BRASIL

A saúde pública do Rio Grande do Norte em tempos de Covid-19

Simone Dutra, de Natal (RN)
Sindsaúde-RN

As medidas gerais adotadas até o momento no RN no combate ao Corona Vírus (Covid-19) são as orientações da OMS e do Ministério da Saúde. Porém, nos últimos dias o ministro da Saúde (Mandetta) vem adotando um discurso que coloca em dúvida as medidas protetivas adotadas até aqui, alinhando-se ao pensamento negacionista de Bolsonaro.

A exemplo dos demais estados, no RN foram publicados decretos orientando e normatizando o isolamento da população para reduzir a contaminação de milhares de pessoas ao mesmo tempo, e reduzir a pressão sobre o sistema de saúde.

Estamos vendo que esta pandemia atinge a população mundial em proporções gigantescas, deixando rastros de morte por onde passa, pois a sua alta transmissibilidade joga uma grande quantidade de pessoas precisando de tratamento intensivo que não está disponível para todos os que precisam, uma vez que até o sistema privado de saúde está enfrentando dificuldades. Na verdade o que vai diferenciar a situação em cada país será a quantidade de mortos. E este fator está diretamente relacionado com as políticas de prevenção adotadas e condições dos sistemas de saúde em atender os casos graves.

Num país subdesenvolvido como o Brasil, em que a saúde é alvo das políticas neoliberais que sucateiam de forma paulatina os serviços de saúde, a quantidade de mortos pode ser gigantesca. A situação toma dimensões ainda piores, pois temos à frente do estado brasileiro um governo de extrema direita e ultraneoliberal. 

A indiferença de Bolsonaro e da elite que ele representa, coloca ainda mais combustível na dramática situação em que vivemos. As últimas posições do presidente em defender e fazer campanha publicitária contra o isolamento social que vinha sendo construído nas últimas semanas, pode levar a um verdadeiro genocídio de parte do povo brasileiro (sobretudo o povo pobre das periferias) com cenários que apontam a morte de mais de 1,5 milhão de pessoas, segundo dados da Imperial College London.

Considerando a precária situação da saúde pública e a crise fiscal em que o RN se encontra, a aplicação deste cenário aponta que as medidas aplicadas pelo governo estadual serão insuficientes e dependem muito de qual política prevalecerá à nível nacional. Iremos a um isolamento social amplo e apoio financeiro à população para reduzir os índices de contaminação ou iremos na contra-mão destas medidas, expondo uma grande parte da população à contaminação? 

Com certeza, podemos afirmar que a rede pública de saúde do RN não está preparada para enfrentar essa crise de enormes proporções. O RN tem 463 leitos de UTI entre o setor público e leitos contratados no setor privado e filantrópico. Destes 60 estão aptos a tratar de pacientes com a COVID-19.

Ocorre que o estado tem um longo histórico de superlotação dos leitos de UTI. Independentemente da pandemia, já existe uma fila de espera por leitos de UTI. Aqui os médicos já são obrigados a fazer escolha entre quem vive e quem morre.

Num cenário de explosão de casos e aumento da demanda por leitos de UTI, a situação será catastrófica. A Secretaria Estadual de Saúde fala na necessidade de dobrar a quantidade destes leitos.

Os respiradores são outro equipamento fundamental para combater as consequências respiratórias do Covid-19. Segundo o jornal Tribuna do Norte, o RN só possui 807 respiradores, na rede pública e privada, sendo que apenas 15% destes estão nos hospitais públicos. Portanto, com as dezenas de casos confirmados e as centenas de pessoas em suspeição, a aquisição de centenas de respiradores por parte do governo tornou-se uma questão de vida ou morte para os potiguares. 

Para os casos de menor gravidade, mas que demandam internamento, também não há leitos suficientes. Os corredores dos hospitais, sempre cheios de pacientes, falam por si só. A situação é de calamidade pública!

A realidade dos trabalhadores da saúde em meio a essa crise é de profunda gravidade e precariedade. A pandemia potencializou, de uma só vez, todas as deficiências já existentes no sistema de saúde do RN. A superlotação dos serviços de saúde, a falta de pessoal, a falta de EPI´s e a completa ausência de política de saúde do trabalhador do setor público, aliados à alta transmissibilidade deste vírus, pegou em cheio os trabalhadores da saúde da rede estadual e nos municípios.

Linha de frente no enfrentamento do COVID-19, os trabalhadores da saúde passam por momentos muitos difíceis. Sem tempo para que seja revertida a falta de condições de trabalho, muitos estão literalmente expostos à contaminação pelo COVID-19, seja pela insuficiência ou mesmo inexistência de EPI e insumos básicos para garantir as condições de higiene. 

Tanto nos serviços de saúde estaduais, como na capital, o relato é um só: faltam condições sanitárias básicas para prestar assistência aos pacientes e para proteção da saúde e da vida dos trabalhadores da saúde como sabão, álcool, papel toalha e EPI´s.

Nos locais em que estes materiais existem, faltam treinamentos dos trabalhadores da saúde para utilizar de forma correta os EPI´s. É nítida a falta de agilidade das direções dos serviços de saúde em criar protocolos e capacitar seus servidores a se defenderem desta doença. Esta situação vem levando a instalação de um verdadeiro pânico entre os trabalhadores da saúde, que não conseguem se proteger diante da ameaça iminente. O sofrimento mental histórico ganha proporções bem maiores e sequer há suporte psicológico disponível.

Outro aspecto é a não aplicação dos critérios de afastamento dos trabalhadores que integram os grupos de risco como idosos e/ou portadores de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças respiratórias. Dentro de todas as medidas sanitárias que vem sendo tomadas, não há nenhuma iniciativa por parte dos governantes para proteger esta parcela dos trabalhadores da saúde. 

O Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do RN entrou com ação para que estes servidores fossem afastados, mas, apesar de ter ganho a liminar, a Secretaria Estadual de Saúde e a Secretaria Municipal de Natal ignoram a decisão e seguem expondo estes servidores e servidoras.

Mais uma vez se reproduz a lógica da responsabilização dos trabalhadores pelo funcionamento dos serviços de saúde por parte das direções e secretaria de saúde quando colocam o direito de se proteger, em oposição ao funcionamento dos serviços de saúde.

O governo tomou a iniciativa de transformar o hotel Barreira Roxa em um espaço para os profissionais da saúde que moram com pessoas de grupo de risco. Essa é uma medida importante para resguardar a saúde dos familiares dos profissionais da saúde, porém são medidas insuficientes e até contraditórias, já que na contramão da preservação da saúde dos profissionais, o governo estadual ainda não cumpriu a decisão judicial que prevê o afastamento dos trabalhadores da saúde do grupo de risco. 

Apesar da origem na classe trabalhadora e no serviço público, as medidas desenvolvidas pela governadora Fátima Bezerra (PT) não vêm resguardando os trabalhadores da saúde quando não garante as condições básicas de proteção à saúde dos trabalhadores e quando ignora que entre estes existem grupos com maior risco de adoecimento e morte. 

A histórica precarização da saúde no RN, fruto das políticas neoliberais implementadas no país pelos governos federal, estaduais e municipais, cobra sua conta com a exposição da vida dos profissionais de saúde que serão alvos mais facilmente do COVID-19.

 

*Simone Dutra é enfermeira da rede estadual de saúde do RN.

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