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BRASIL

Que os bancos e os bilionários paguem a conta da quarentena

David Lobão*
Agência Brasil

No dia 26 de março, o Congresso Nacional aprovou uma proposta de enfrentamento aos gravíssimos efeitos sociais da pandemia provocada pelo Coronavírus: a renda mínima familiar. Tal medida, caso avance no Senado e ganhe efetividade, será progressiva, uma vez que pode atingir cerca de 100 milhões de pessoas, quase todas inseridas em contextos socioeconômicos de imensa vulnerabilidade. De acordo com o texto aprovado em primeiro turno, receberão os benefícios financeiros todas as pessoas cuja renda mensal não ultrapasse três salários mínimos. Além disso, famílias cujos rendimentos somados não sejam superiores à média de meio salário mínimo por membro também farão jus aos recursos disponibilizados pelo Estado brasileiro. Do mesmo modo, trabalhadores (as) informais, autônomos (as), desempregados (as) e microempreendedores (as) individuais (MEI) integrarão o contingente de beneficiados.

A lei em vias de aprovação pelo parlamento nacional preconiza que cada trabalhador (as) receberá R$ 600,00 (seiscentos reais). Famílias com dois ou mais trabalhadores (as) e mães solteiras receberão uma renda de R$ 1200,00 (Um mil e duzentos reais). A iniciativa legislativa em questão se configurou como uma contraposição da esquerda brasileira à ridícula proposta inicialmente apresentada pelo governo Bolsonaro, na qual os trabalhadores (as) poderiam permanecer até quatro meses sem seus vencimentos e receberiam, para enfrentar os desafios impostos pela pandemia, uma ajuda de míseros R$ 200,00 (duzentos reais). Algo com esse grau de perversidade somente poderia vir de um governo encabeçado por Bolsonaro e Paulo Guedes.

É bem verdade, registre-se, que o combate ao Coronavírus vai exigir muito mais recursos do que aqueles previstos na proposta do Congresso Nacional, ainda que devamos reconhecer o avanço social nela residente. Contudo, resta cristalino que precisamos de muitos investimentos na saúde pública, a fim de garantir hospitais, contratação de profissionais de saúde e, não menos importante e decisivo, pesados investimentos na pesquisa científica com vistas à cura/vacina para a Covid-19/CORONAVIRUS.

Até o presente momento, o Brasil anunciou que vai investir cerca de 2% do PIB no enfrentamento ao vírus, algo que consideramos insuficiente para combater algo com magnitude pandêmica, estando muito aquém do que vêm investindo outros países, inclusive aqueles mais pobres do que o Brasil.

A título de exemplo (e, obviamente, considerando as disparidades econômicas), frise-se que o governo dos Estados Unidos anunciou, no dia 23/03/2020, a liberação de U$ 300 bilhões (aproximadamente R$ 1,5 trilhões de reais). Na Alemanha, o pacote atinge a cifra de €$ 156 bilhões (aproximadamente R$ 900 bilhões de reais). Isso se considerarmos apenas os investimentos no combate direto ao vírus. Se somarmos a isso os pacotes de socorro à economia estadunidense, teremos uma soma que ultrapassa U$ 2 TRILHÕES (R$ 10 trilhões de reais).

Diante da imediata necessidade de volumosos aportes de recursos financeiros, emergem duas perguntas: o Brasil tem dinheiro para combater o CORONAVÍRUS? De onde tirar esse dinheiro? Se estivéssemos diante de um governo sério, com responsabilidade no enfrentamento ao Coronavírus e sensibilidade para com o dever humanitário de defender a vida das pessoas com absoluta prioridade, as ações e falas da autoridade governamental já poderiam ter tranquilizando a nação.

O Brasil, ao contrário do que dizem os atuais ocupantes do governo federal e boa parte dos jornalistas que ocupam os espaços da mídia comercial, tem sim dinheiro suficiente para combater o Coronavírus e garantir a vida dos brasileiros (as). Não estamos quebrados, muito longe disso. A questões fundamentais a serem respondidas são: nas mãos de quem está esse dinheiro? A que interesses ele serve? Quais grupos ele beneficia? A resposta é: banqueiros, rentistas e demais frações do capital parasitário, isto é, o capital financeiro.

Para atender à sede de lucros desses e de outros grupos empresariais, o presidente Jair Messias Bolsonaro tem patrocinado uma campanha criminosa contra aquela que, segundo as principais autoridades de saúde do mundo, é a única arma que o povo tem para se defender da PANDEMIA: o isolamento social. O desastroso e irresponsável discurso do presidente da república, realizado no dia 24/03/2020, converteu-se numa campanha genocida, apoiada, insista-se, por empresários sedentos de lucros. Há, inclusive, uma campanha contra a quarentena, com carreatas programadas em várias cidades brasileiras, justamente no momento em que a curva de infecção do Coronavírus se aproxima do ápice.

Diante dessa insana e irresponsável ofensiva dos detentores do dinheiro, devemos manter firme a defesa da vida e garantir um contra-ataque da classe trabalhadora. Urge uma campanha massiva, corajosa e ousada em favor da única arma que temos neste momento: a QUARENTENA. Nesse sentido, devemos deliberar em todos os nossos fóruns a consigna: PARAR PELA VIDA.

Onde está o dinheiro do Brasil?

Os dados oficiais do governo revelam que o Brasil:

– Possui um saldo no Tesouro Nacional de aproximadamente R$ 1,355 trilhão;

– Possui, no Banco Central, a quantia aproximada de R$ 1,015 trilhão.

– Mantém reservas internacionais (destinadas, sobretudo, à manutenção da política cambial) da ordem de US$ 356 bilhões (aproximadamente 1,8 trilhão).

Esses dados evidenciam que o Brasil tem em caixa mais de R$ 4 trilhões. Esse dinheiro pode e deve garantir o combate ao Coronavírus. E não devemos aceitar qualquer argumento econômico que se contraponha à causa humanitária fundamental: salvar vidas.

Na contramão do dever de salvar vidas, o governo Bolsonaro tem se utilizado dos meios de comunicação, por meio de asseclas como o presidente do Banco Central brasileiro (Roberto Campos Neto), para garantir que esse dinheiro estará a serviço da liquidez dos bancos, isto é, servirá, prioritariamente, para a manutenção das taxas de lucro dos banqueiros. Assim, de forma criminosa, anunciou o montante de R$ 1,2 trilhões para que as instituições bancárias se prepararem para oferecer mais linhas de crédito, ampliando suas possibilidades de acumulação.

Resta-nos óbvio que os mais de R$ 4 trilhões que estão nos cofres brasileiros devem ser imediatamente disponibilizados para a guerra que hoje travamos contra o Coronavírus , de modo a efetivar maiores investimentos na saúde. Hospitais, testes, contratação de mão de obra, produção e distribuição e Álcool em gel; aparelhos respiradores para equipar as UTIs e todos os outros instrumentos devem ser prioridade dos investimentos públicos neste momento. Isso sem esquecer, registre-se mais uma vez, dos investimentos nas pesquisas científicas e nas questões sociais, sobremodo no que tange à garantia de renda para todos (as) trabalhadores (as) brasileiros (as), incluindo, necessariamente, aqueles pertencentes à iniciativa privada e os servidores (as) públicos (as). A prioridade, portanto, é SALVAR VIDAS. Faça-se o que for necessário para isso.

No que concerne especificamente aos servidores públicos, a perversidade do governo é desmedida. A equipe econômica, liderada pelo Ministro Paulo Guedes e pelos “lenhadores de direitos dos trabalhadores”, com destaque para Rogério Marinho e Mansueto Almeida, está se aproveitando do contexto de crise para concretizar sua proposta de redução salarial dos (as) servidores (as) púbicos (as). Ela já estava pautada desde o final de 2019, por meio da Proposta de Emenda Constitucional nº 186 (PEC EMERGENCIAL), sendo que, nestes dias de crise, a pressão pela aprovação de uma versão ainda mais draconiana do texto tem crescido dentro do governo e na mídia comercial (leia-se: Rede Globo).

O objetivo dessa pressão é desviar o foco para questões que realmente resolveriam o problema e que, entretanto, mexem com os privilégios dos detentores do dinheiro : auditoria da dívida pública, tributação de grandes fortunas, lucros e dividendos; bem como a criação de impostos sobre bens de luxo e grandes heranças, práticas tributárias comuns em países capitalistas centrais.

Para que tracemos um parâmetro analítico, demonstremos que, em 2019, o governo gastou – somando folha de pessoal e encargos sociais dos (as) servidores (as) públicos (as) dos três poderes – exatamente R$ 292.777.140.060,00, o que perfaz cerca de 4% do PIB brasileiro. Parte significativa desse valor, os encargos sociais, retornam imediatamente para os cofres da União. Isso significa dizer que caso o governo, em um cenário hipotético, tivesse a ideia de confiscar 100% dos salários dos (as) servidores (as), esse valor seria insuficiente para combater a PANDEMIA. Logo, não é verdade que a redução salarial guarde ligação com o combate ao Coronavírus .

Resta evidente, portanto, que a proposta criminosa de redução salarial no serviço público nada tem a ver com o combate ao Coronavírus , muito ao contrário. Ela guarda estreita relação com o pacote de perversidades preconizadas do mercado financeiro, que penaliza os trabalhadores para manter o lucro dos rentistas.

Não podemos esperar, no entanto, que o governo aja de modo diverso ao que foi exposto até aqui. O agrupamento político que conduziu Jair Bolsonaro ao poder (banqueiros, parcelas da burguesia comercial e industrial; agronegócio e setores do capitalismo criminal) e que, ainda hoje, apesar de algumas deserções, lhe dá sustentação, tem nas práticas ultraliberais o fundamento da continuidade de seus lucros. Bolsonaro somente se mantém no exercício da presidência se continuar colocando em prática esse projeto perverso.

Por isso mesmo, os bancos (sempre eles!) são os maiores beneficiados pela política econômica do governo. Essa situação, recordemos, não é perceptível apenas nestes tempos, mas já se notava também em governos passados. Não há dúvida, no entanto, que o atual mandatário do país representa um aprofundamento sem precedentes deste panorama nefasto. Os números não nos deixam muita margem para dúvidas: só no ano passado, os bancos brasileiros distribuíram aos seus acionistas quase 60 bilhões em lucros e dividendos.

Observemos:

Itaú (26,6 bilhões);

Bradesco (R$ 22, 6 bilhões);

e Santander (R$ 14,2 bilhões).

Os 206 (duzentos e seis) bilionários brasileiros detêm uma fortuna de aproximadamente R$ 1,2 trilhão, metade de toda riqueza brasileira, cerca de R$ 8 trilhão, está nas mãos de 1% da população. Fica claro quem pode e deve pagar a conta do combate ao Coronavírus. Nos cofres desses senhores, jaz o dinheiro necessário para combater oCoronavírus, multiplicando-se por meio das generosas taxas de juros.

Para finalizar nossa argumentação, não podemos esquecer da famosa dívida pública. Além da auditoria, já referida em parágrafos precedentes, defendemos a suspensão imediata do pagamento até que a crise do Coronavírus seja definitivamente debelada.

No ano de 2019, o governo brasileiro pagou de juros e amortizações um total de R$ 1,038 trilhão, o que equivale a quase 40% do seu orçamento. O país despendeu de R$ 2,844 bilhões/dia para arcar com a rolagem dessa dívida. Uma dívida, ressalta-se, que jamais foi auditada, a despeito de todos os substanciais indícios das mais diversas fraudes.

Quem deve, afinal, pagar a conta dos transtornos provocados pela pandemia de Coronavírus? Ora, aqueles mesmos responsáveis, por meio de seus projetos de riqueza e poder, pelo enfraquecimento de nossas capacidades de lidar com a crise: banqueiros, bilionários e demais representantes do capital parasitário que comanda o país.

 

*Coordenador Geral do SINASEFE e militante da Resistência/PSOL

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