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BRASIL

Cenas da pandemia pós discurso Bolsonaro

Moara Souza, do Rio de Janeiro (RJ)
Moara Souza

Não tive opção de ficar em quarentena, pois trabalho em uma instituição financeira e os lucros sequem sendo essenciais aos governos e aos banqueiros. Moro no Rio de Janeiro, segunda cidade em números de casos de Covid-19 e também uma das mais impactadas pela pandemia no país. Assim tenho acompanhado com os olhos de fora as mudanças ocorridas na cidade em decorrência das medidas de isolamento social. Pude perceber a demora na percepção da necessidade do isolamento e também o movimento de esvaziamento das ruas no passar das duas últimas semanas.

Vimos internacionalmente que a Itália está pagando um alto preço por ter resistido à política de isolamento social como medida para não desacelerar sua economia. Lamentavelmente traçamos hoje um caminho muito parecido com eles nesse sentido. Durante o final de semana anterior, diversos governos estaduais determinaram o fechamento do comércio. Essa medida reduz em grande escala a movimentação das pessoas e é fundamental para garantir a contenção do coronavírus.

Na semana anterior à implementação dessa medida ainda era possível ver um número considerável de pessoas transitando pelos transportes da cidade. A partir de 24/03 houve dias em que eu era a única no metrô durante o longo percurso entre o Centro e a Zona Sul. Embora sair à rua me causasse preocupação e também um sentimento de tristeza como estar em uma cidade abandonada, ver que uma parte dos trabalhadores e trabalhadoras estava em casa me causava o alívio de estarmos caminhando na direção correta.

O pronunciamento irresponsável do presidente esta semana pedindo o “fim do confinamento em massa” em conjunto com a liberação de reabertura de parte do comércio, autorizada em 26/03 pelo prefeito Crivella, começam a mudar tragicamente o movimento da cidade que até então caminhava para resguardar ao menos uma parte da sua população. Nesta sexta, 27/03, fiz o mesmo percurso cotidiano com os olhos atentos de preocupação, o que se via era um metrô novamente carregado de trabalhadores, que não sem medo porém sem opção, retomaram suas atividades.

A diferença gritante entre a imagem de um trem vazio e o mesmo três dias depois voltar a carregar inúmeras pessoas como se a normalidade estivesse sendo reestabelecida me causa um misto de raiva e agonia. Enquanto assistimos o aumento dos casos de coronavírus mundialmente e no país, afundamos num mar de ignorância misturado com a política genocida de Bolsonaro que se exime da preocupação com a vida da população na tentativa de defender os lucros das grandes empresas e seu próprio cargo de presidente. A campanha “O Brasil não pode parar” desenha claramente qual é a prioridade desse governo.

Ainda vão morrer muitos, e eles demonstram não se importar com isso. Talvez inclusive lhes sejam úteis essas mortes que em vida muito mais lhes representam gastos previdenciários do a mão de obra barata e precária que necessitam.

Assistir diariamente o equívoco a que estamos sendo jogados, me faz crer que cabe muito mais a nós trabalhadores e trabalhadoras conscientes da necessidade do isolamento social serem protagonistas na defesa de nossas vidas e da vida dos nossos.