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MUNDO

COVID-19 e a lógica do capitalismo

Bento Jose Cordeiro Damasceno Ferreira*, de São Paulo (SP)
Shealah Craighead / Casa Branca / Fotos Públicas

Donald Trump em reunião com governadores

A humanidade está vivendo sua maior tragédia desde a Segunda Guerra Mundial. No dia 26 de março, foram registradas mais de 510 mil pessoas que testaram positivo para o COVID-19. No total 22.993 vieram a óbito. E, pior, os dados da OMS não refletem totalmente a realidade porque, em inúmeros países, como no Brasil, existe uma subnotificação devido à escassez de testes.

O caos demonstra a incapacidade do capitalismo para enfrentar a situação. Os governantes submissos aos interesses dos grandes grupos econômicos demoraram muito para declarar quarentena. A própria China tentou ao máximo esconder a situação que vivia.  Na Itália, com 8.165 mortos e 80.539 casos confirmados, até o dia 26/03 havia bancos e muitas fabricas funcionando em Milão, centro da epidemia.

Na principal potência capitalista, os EUA, Donald Trump nega-se a decretar a quarentena nacional e tudo indica que o país sofrerá uma grande tragédia. Somente no estado de Nova York, são  mais de 30 mil casos confirmados. Em todo os EUA já há 68.572 pessoas infectadas. A OMS afirmou que os EUA podem se tornar o maior foco de casos de Covid-19 em todo o mundo. O governador de Nova York afirma que precisará de 30 mil ventiladores para leitos de UTI e hoje tem somente 3 mil leitos. Mesmo perante esses números um setor da burguesia americana defende abrandar a quarentena para salvar o crescimento econômico, isso ficou claro no editorial do “Wall Street Journal” quando afirmou “Nenhuma sociedade pode proteger a saúde publicar durante muito tempo ao custo de sua saúde econômica geral. “

Qual o valor de uma vida?

O enfrentamento à pandemia exigiria um esforço coordenado entre os países globalmente interligados, na fabricação de máquinas de respiradores e kits que permitissem a ampliação dos testes em milhões de pessoas. Existe tecnologia para fazer esse processo rapidamente, mas os interesses de poucas empresas não permitem que ela seja utilizada. Na Itália, dois engenheiros especialistas em impressão em 3D fabricaram, em horas, filtros que podiam acelerar a produção de respiradores. Eles produziram inovação que abaixou drasticamente o preço a 0,9 euro, mas os fabricantes, que não conseguiram fazer frente à demanda, ameaçam processar os engenheiros que tiveram a iniciativa. Vê-se neste caso a priorização de interesses mercantis e capitalistas ao invés da contenção da maior pandemia dos últimos anos, que afetará milhões de vidas em todos os continentes e países.

Nos EUA, uma parte da população não faz testes porque não tem dinheiro para pagar. Mesmo os seguros de saúde, em muitos casos, negam-se a pagar pelos testes. Perguntamos: quanto vale uma vida? Ou melhor, que valor (material ou imaterial) tem a vida de pessoas no mundo todo? Quando iremos questionar os valores do capitalismo mundial e seus processos, que geram perdas em todos os sentidos, e que refletem na maior perda da economia mundial? Como aprendemos e questionamos os processos que vivemos?

O CONAVIRUS matou a austeridade fiscal.

Na esfera econômica, o discurso de austeridade virou pó. A União Europeia formalizou na sexta a suspensão das regras orçamentárias que limitavam o endividamento público. A própria Alemanha, a maior defensora da austeridade anunciou um pacote de cerca de 2 trilhões para socorrer o sistema de saúde, empresas em crise e trabalhadores afetados pela paralisação da atividade industrial decorrente da pandemia. Os EUA fizeram um plano de 4 trilhões de dólares para apoiar a economia e o próprio Donald Trump diz que o estado pode assumir o controle de várias empresas em dificuldade.

E o Brasil?

Quando trazemos as lentes para o cenário da epidemia no Brasil, vemos uma situação extremamente delicada.  Nosso sistema – universal, porém precarizado e ainda não preparado para tal cenário – apresenta muitos problemas: desde a falta de planejamento de respostas para o avanço da epidemia, o não planejamento anterior, o despreparo do atual do dirigente do país, a área da saúde afetada pelas políticas de corte e redução de despesas, políticas neoliberais aprimoradas no capitalismo financeiro mundial, etc.

O governo Bolsonaro fez de tudo para subestimar os efeitos do novo coronavírus. Em 11 de março Bolsonaro afirmou “ O que eu vi até o momento é que outras gripes mataram mais do que essa. Assim como uma gripe, outra qualquer, leva a óbito.“ No dia 17, disse: “Tem alguns governadores, no meu entender que estão tomando medidas que vão prejudicar e muito a nossa economia. A vida continua, não tem que ter histeria. Não é porque tem uma aglomeração de pessoas aqui e acolá esporadicamente que tem que ser atacado…. “. Em 21 de março: “Não podemos nos comparar com a Itália. Lá, o número de habitantes por quilômetro quadrado é 200. Na França, 230. No Brasil, 24. O clima é diferente. A população lá é extremamente idosa. Esse clima não pode vir para cá porque causa certa agonia e causa um estado de preocupação enorme. Uma pessoa estressada perde imunidade”. Mas nada superou as “pérolas” do pronunciamento do dia 24/03 quando Bolsonaro comparou o Coronavírus à uma gripinha e afirmou “que não sentiria nada de infectado com o COVID-19”.

O resultado dessa política criminosa do poder federal é que já temos, no dia 26 de março, 77 mortos e 2.915 infectados. Na realidade, esses números devem ser muito maiores, porque existe escassez nos testes e os resultados demoram dias para entrar no cálculo das secretarias estaduais e do Ministério da Saúde.

Tudo indica que em poucas semanas teremos milhares de infectados e mortos.  A medida que poderia diminuir esta tragédia seria quarentena nacional parando todos os setores, deixando somente de fora a área da saúde, alimentação e a infraestrutura necessária para esses setores funcionarem. Além disso, os governos federal, estadual e municipal precisariam fazer um grande esforço para produção ou importação de milhões de kits e milhares de maquinas de ventilação e construção de hospitais de emergência.

Existe luz no final do túnel?

Mas sabemos que a burguesia e os governos não farão isso. Alguns deles, inclusive, como o dono da rede de hamburguerias Madero teve a cara de pau de afirmar que por 5 ou 7 mil que vão morrer não se pode parar o país.  Ele afirma isso porque os mortos não serão da família dele. Por isso, nós, trabalhadores, temos que parar os setores que se recusam a fechar. Na Itália, onde, apesar da tragédia, os governos mantêm a indústria têxtil, metalúrgica, química e energética funcionando, os trabalhadores  responderam com uma grande greve na quarta-feira, dia 25 de março. No Brasil, já estamos vendo vários exemplos: em São José dos Campos, o Sindicato dos Metalúrgicos chamou os trabalhadores a entrarem em greve nas fábricas que estão se recusando a parar. Na segunda, dia 23, o sindicato da construção civil de Fortaleza (CE), parou 9 canteiros de obras que se negaram a paralisar as atividades.  Em várias cidades estamos vendo paralisações dos trabalhadores de call centers, construídas a partir da base dos trabalhadores, porque sabem o risco que estão correndo pela irresponsabilidade dos patrões. A única forma de diminuir esta tragédia é os trabalhadores assumirem o protagonismo, porque se depender da burguesia ou dos governos de plantão veremos milhares ou milhões de trabalhadores mortos para manter o lucro.

*Bento Jose Cordeiro Damasceno Ferreira é Delegado Sindical Banco do Brasil/SP e integra o coletivo Travessia.

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