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OPRESSÕES

A progressão da pandemia e seus efeitos na vida das mulheres trabalhadoras

Uma reflexão sobre a piora nas condições de vida das mulheres trabalhadoras com o avanço do novo coronavírus no Brasil e no mundo

Evelin Aline Alves e Mari Mendes, Mogi das Cruzes (SP)
Isac Nóbrega / Fotos Públicas

Diante da crise pandêmica provocada pelo novo coronavírus, testemunhamos a cada dia a incapacidade do capitalismo e de seus agentes neoliberais de apresentar respostas concretas que atendam às necessidades dos mais pobres e do conjunto da classe trabalhadora. As leis do mercado baseadas no individualismo social, na livre concorrência, nos lucros e no acúmulo de riquezas acima de tudo, impedem que em um momento tão complexo como este em que vivemos, apareçam soluções que realmente contemplem a sociedade de forma coletiva, sem sacrificar a saúde e a vida de milhões de pessoas.

Situação do Brasil e a postura do governo diante da pandemia

Estamos próximos de completar 30 dias desde a confirmação do primeiro caso da COVID-19 no Brasil, que aumentam gradativamente, já passam de 1500 e mais de 20 mortes. Além de dramática, a situação se apresenta de forma ainda mais desastrosa, pois o atual governo de extrema direita, personificado na figura de Jair Messias Bolsonaro e seus ministros adestrados, demonstra maior preocupação com os rumos que a economia irá tomar do que com a preservação da vida da população. Desde o inicio da crise sanitária, em seus pronunciamentos, Bolsonaro adotou a linha de desdenhar da gravidade da pandemia e segue convencido de que o alerta que vem sendo dado a respeito da necessidade de contenção do vírus, é apenas histeria por parte de quem está se mobilizando para atenuar a propagação do vírus, sempre reafirmando que a economia não pode parar nesse momento. Além de não tomar iniciativas e medidas que garantam o isolamento social para todos e todas sem a perca de empregos e redução de salários, o governo federal não anuncia plano de estrutura para atender pacientes doentes contaminados pelo coronavírus, ou para evitar um colapso nos serviços de saúde do país, o mínimo a se fazer diante da situação.

Os prognósticos de um declínio ainda maior nas condições de vida da classe trabalhadora são reais e catastróficos, pois estamos atravessando uma crise sanitária com impactos alarmantes para a população, ao mesmo tempo, estamos submetidos a um governo desorganizado, frágil e que não tem como prioridade melhorar ou evitar a perda das nossas vidas.

Pandemia, crise e desemprego. Quem paga a conta somos nós

Em toda situação em que os lucros dos ricos são ameaçados, as mulheres, principalmente as negras, que mesmo em anos em que há maior estabilidade econômica, vivem em situação de desigualdade, são as primeiras a pagar a fatura da conta. Nós mulheres representamos metade da população economicamente ativa do país, e ao primeiro sinal de crise somos as primeiras a sofrermos com a precarização das condições de trabalho, as reduções salariais, as demissões e suas consequências. Por isso, enfrentar essa pandemia e ao mesmo tempo resistir ao governo Bolsonaro é um grande desafio para todas nós.

O elevado aumento do desemprego, que hoje atinge mais de 11 milhões de pessoas no Brasil, e a necessidade de sustentar a família muitas vezes sozinhas, têm levado muitas mulheres à informalidade, aos contratos precarizados que aumentaram bruscamente com a reforma trabalhista mais recente e ao chamado ‘empreendedorismo”. Na atual conjuntura de isolamento social e mudança na rotina diária, as mulheres se tornam alvo de maior vulnerabilidade econômica e podem chegar à miséria extrema. O auxílio de 200 reais prometido pelo governo federal para os trabalhadores autônomos, é irrisório e insuficiente para arcar com as despesas de uma família, e certamente será um benefício que não chegará a todos e todas.

De acordo como Pnad Contínua Trimestral, do IBGE, da população desempregada até o inicio desse ano, as mulheres são maioria, chegando a 53,8%. Nesse total 16,6% sendo mulheres negras, o dobro quando comparada a taxa de desemprego entre homens brancos, que é de 8,3%. Ficando também acima da taxa entre mulheres brancas (11%) e homens negros (12,1%).

Com a crise sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus, esta realidade da mulher, mais sentida pela as negras desse país, será inevitavelmente agravada. Aquelas que ocupam as fileiras de desempregados permanecerão por mais tempo à espera de recolocação no mercado formal de trabalho, e as que já ocupam os postos, principalmente as terceirizadas e trabalhadoras domésticas serão, se forem, as últimas dispensadas para que cumpram o isolamento social e salvem suas vidas e ajudem a proteger as das pessoas próximas.

O isolamento social e a dupla jornada de trabalho das mulheres

Outro ponto em questão se refere à dupla e as vezes até tripla jornada que nós mulheres trabalhadoras cumprimos. No cotidianamente ficamos responsabilizadas não só pelo trabalho remunerado, culturalmente em uma sociedade patriarcal e estruturada sob bases ideológicas como o machismo, todo o serviço doméstico, ou sua maior parte, como cuidar da casa, dos filhos e dos idosos já faz a muito tempo parte da nossa rotina, a maioria das mulheres tomam pra si essas responsabilidades, independente de trabalhar fora ou não. Segundo pesquisa realizada também pelo IBGE em 2019, as mulheres dedicam em média mais de 21 horas semanais em afazeres domésticos, enquanto os homens só empenham em média 10 horas semanais para o mesmo tipo de tarefas. No cenário atual de confinamento doméstico por conta desta crise pandêmica, e da necessidade de atenção redobrada para com a higiene dos espaços, dos objetos e principalmente das pessoas, recai quase que naturalmente sobre as mulheres, a obrigação árdua de darmos conta de tudo isto, tomadas pela aflição de perdemos alguém que cuidamos e passarmos a sentir mais uma culpa, entre tantas que já carregamos, seremos nós mulheres que cuidaremos dos filhos em casa devido à suspensão das aulas, que precisaremos conter os idosos para que não saiam de casa, e ao mesmo tempo, temos que garantir a compra de remédios e alimentos para manter a família.

É importante entender que na prática, também estaremos presas em casa, quando possível, com medo de adoecer e por isso nos impondo à pressões ainda maiores para garantirmos os cuidados redobrados em relação a nós mesmas, aos demais e ao coletivo. Sabemos que se o pior acontecer, seremos cobradas, julgadas e responsabilizadas por não termos desempenhado da melhor maneira esse papel nos reservado desde sempre. Diante do crescimento da crise do COVID- 19, recairá sobre as costas das mulheres esposas, mães, filhas, enfermeiras, médicas, cuidadoras e trabalhadoras domésticas a exigência de estar a postos quando alguém da casa estiver doente ou fatalidades em decorrência da doença possam ocorrer.

#Fica em casa – O que fazer quando o perigo vive na mesma casa?

De acordo com o mapa da violência e o IPEA – Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada – 13 mulheres morrem por dia no Brasil vítimas de violência doméstica. A maioria dessas mortes ocorrem dentro de de casa. São 39% delas, demonstrando que o lar não é o nosso lugar mais seguro quando falamos sobre feminicídio, violência doméstica e estupros, não tem como nossa casa ser segura quando a cada 13 segundos, uma de nós é espancada, quase sempre dentro do nosso próprio lar.

Com essa situação de autoconfinamento, as pessoas deixam de sair pra trabalhar, os serviços são reduzidos ou suspensos, as rotinas mudam. Isso mexe muito com o emocional de todo mundo. Propicia-se um ambiente vulnerável às mulheres devido ao estresse que nos submetemos por conta das incertezas que uma crise dessa proporção gera. A mulher é mais acostumada a lidar com salário baixo, com situação de subemprego, mas essas mudanças drásticas costumam abalar a masculinidade dos homens, tornando a convivência diária forçada por uma quarentena, uma espécie de Kamikaze para as mulheres, principalmente as que já vivem relações violentas. Considerando que a tática do agressor no geral, já costuma ser o isolamento da vítima, para as mulheres que já vivem sob a realidade de qualquer tipo violência doméstica, o impacto do isolamento social pode ser muito devastador. Como a restrição do contato social, os espaços para pedido de ajuda que a mulheres podem ter acesso em dias normais, são fatalmente restringidos pela contenção social, colocando várias de nós em risco eminente de vulnerabilidade e morte.

Vemos todos os dias divulgadas pela grande mídia, medidas importantes de contenção para amenizar a propagação do coronavírus, a qual a mais importante é o confinamento em casa, porém sabendo do número absurdo de casos de mulheres agredidas psicológica, física e sexualmente dentro dos lares, é criminosa a omissão dos governos ao não tocar em nenhum momento no tema da violência doméstica, não reforçando ou anunciando planos, serviços e medidas que assegurem total proteção às mulheres que sofrem com a violência doméstica.