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BRASIL

Experiências de solidariedade em tempos de pandemia

Carolina Freitas, de São Paulo (SP)

Voz das comunidades

Nesse momento, qualquer ativista brasileiro estará atravessado por um turbilhão de dúvidas sobre o que fazer nessa situação de crise mundial, provavelmente sem precedentes no tempo e espaço da história da humanidade.

Nós sabemos que o isolamento doméstico é necessário. Cientificamente, o tempo e abrangência da quarentena é diretamente proporcional a um número menor de vítimas fatais. Portanto, lutar pelo direito à quarentena – e todas as garantias de existência que esse direito envolve – é a nossa batalha imediata contra os planos genocidas de Bolsonaro.

Ao mesmo tempo, a realidade nos aponta, como já registrado em diversos artigos no Esquerda Online, que grande parte do povo trabalhador no Brasil não tem acesso a saneamento básico ou água potável e moradia digna; quase metade são trabalhadores informais; e todos estão submetidos a uma situação ainda mais violenta de insuficiência  de recursos e insumos no sistema único de saúde, diante de um processo anterior e mais amplo de sucateamento e cortes orçamentários em investimentos públicos.

Neste sentido, considerando todas os limites concretos das circunstâncias que enfrentarão muitos e muitas trabalhadoras, haverá luta pela sobrevivência. Luta coletiva. Luta, aliás, que já vem acontecendo, como quero ilustrar a seguir com alguns exemplos.

É difícil se mobilizar, deslocando-se fisicamente, quando estamos cientes dos riscos das aglomerações. As experiências organizativas que estão acontecendo, por isso, também se tratam, basicamente, de relações territoriais de vizinhança. De gente que já está junto pelas condições geográficas da classe. É assim que várias associações e coletivos de lideranças locais estão agindo.

Muitos bairros periféricos das grandes capitais estão promovendo coletas e distribuições para as famílias de moradores que mais precisam, como, por exemplo, a Associação de Moradores de Paraisópolis, o Comitê de Combate ao Covid-19 no Jardim São Luís , ambos em São Paulo, o Coletivo Rocinha Resiste e o Juntos pelo Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Há uma articulação nacional promissora, Corona nas Periferias, que vem produzindo conteúdo digital, vaquinhas e informações sobre ações em morros e quebradas no Brasil inteiro.

O MTST está recolhendo doações de itens de cesta básica e de higiene a famílias sem teto em todos os estados federativos que tem militância, assim como o Movimento Luta Popular, que além disso está distribuindo cartilhas com orientações sobre a pandemia nas ocupações que organiza. A UNEafro Brasil também está recolhendo doações em dinheiro e em materiais nos bairros de São Paulo onde tem núcleos de educação popular estruturados.

Para a campanha em defesa da população de rua, o Padre Julio Lancelotti através do Arsenal da Esperança, a Associação Franciscana de Solidariedade – SEFRAS e a Okupa Alcântra estão divulgando pontos de doação em São Paulo. Em atenção à população carcerária, por exemplo, o Coletivo Reaja ou Será Morto vem organizando um rodízio de ativistas que levam doações aos presídios do estado da Bahia.

Isso sem falar da batalha aguerrida das filhas e netas de trabalhadoras domésticas, que organizaram uma campanha nacional pelo direito à quarentena de suas mães e avós, denunciando as condições deste que segue sendo o trabalho, século a século, mantenedor das estruturas sociais fundamentais no Brasil, em especial nesse momento de crise sanitária.

Não podemos esquecer das lutas que metalúrgicos, metroviários, trabalhadores da construção civil, entre outros, estão travando por suas bases para garantir políticas de proteção às suas categorias. Assim como do proletariado jovem, feminino, negro e LGBT do callcenter, que está paralisando nas grandes empresas de telemarketing de norte a sul do país.

Neste momento de guerra, buscar ser solidário é também estar convencido de que qualquer situação que reverta a enorme crise histórica em que estamos metidos no Brasil se dará por baixo, pelos debaixo, através dos seus modos tempo-espaciais de vida. Essa sobrevivência comunitária sempre existiu não apenas sem o Estado, mas apesar dele. E foram em momentos históricos brutais que experiências grandiosas foram feitas em nome da sobrevivência dura dos periféricos.