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BRASIL

Necropolítica à brasileira

Matheus Ribeiro, de Belém (PA)
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Moradora dá banho em filho, após incêndio em favela em São Paulo

Há menos de um mês foi confirmado no Brasil o primeiro caso do COVID-19 e, junto com ele, instaurou-se também uma crise econômica que escancarou as mazelas e desigualdades sociais que estão presentes no país e que está inaugurando um novo momento na luta de classes.

De lá pra cá, já são 1.629 casos confirmados de infecção em todos os estados ao redor do Brasil e 25 mortes em decorrência de complicações da doença, sendo 22 deles só no estado de São Paulo (dados de 23/03). Esse cenário seria por si só alarmante se a situação não pudesse piorar (e ela pode), visto que a doença ainda nem chegou ao seu pico de contágio, o qual está previsto para o mês de abril.

Apesar de estados e municípios estarem empreendendo esforços mínimos pra gerir a crise com a seriedade e a responsabilidade que ela requer, ainda há, por parte do presidente da república um negacionismo desvairado diante da realidade que se impõe. Bolsonaro é hoje o pior chefe de Estado do mundo. Negacionismo este que explicita o que muitos já sabiam: a incapacidade de Bolsonaro de gerir um país, principalmente diante de uma crise dessa magnitude.

Mas, a crise aberta pelo COVID-19 vai mais além, ela evidencia a incapacidade do sistema capitalista de se portar frente a uma crise que requer a escolha de uma única prioridade: o lucro ou a vida das pessoas. Essa conta não bate na calculadora capitalista que está acostumada somente a contabilizar os lucros, porém quando a vida das pessoas entra na equação ela trava. Essa problemática do sistema não começou com o COVID-19, ela está presente a muito mais tempo, desde que o capitalismo se instaurou enquanto sistema no mundo. Essa crise só vem deixar claro para todos que nesse sistema as pessoas não são e nunca foram a prioridade.

Como prova da importância atribuída ao lucro em detrimento da vida, vê-se que apesar de Bolsonaro negar que a crise do COVID-19 tenha essa magnitude, as atitudes dele são voltadas para a proteção dos grandes banqueiros e empresários ao invés da camada mais pobre da população que é a que vai realmente vai sofrer com a crise.

O sucateamento do nosso Sistema Único de Saúde(SUS), principalmente após a EC 95 que reduziu continuamente os investimentos em saúde pública e contribuiu pra falta de infraestrutura que nós enfrentamos hoje como a falta de materiais, e principalmente a falta de testes, leitos e aparelhos. Configurando dessa forma, um provável colapso na saúde pública por não conseguir atender a demanda de casos infectados pelo novo COVID-19.

Ademais, o governo federal demonstra a falta de preocupação para com os mais de 38 milhões de trabalhadores e trabalhadoras informais do país ao anunciar que irá fazer o repasse mensal de míseros R$ 200 para esses trabalhadores que forem afetados pela crise, valor esse que é insuficiente para manter durante um mês inteiro um trabalhador e sua família e arcar com as despesas como água, luz, alimentação, etc.

E como se não bastasse, ele ainda ataca mais ainda a classe trabalhadora e edita uma medida provisória que dá liberdade aos empregadores suspenderem o contrato de trabalho com os seus empregados durante quatro meses sem remuneração durante esse período de suspensão devido à crise do corona vírus (parte da MP foi revogada, mas deve ser reeditada com conteúdo semelhante).

Essas e outras medidas demonstram a relação intrínseca que o capitalismo mantém com políticas de produção de morte. A necropolítica que a muito norteia às escondidas as ações desse sistema, hoje vem à tona com a crise aberta pelo COVID-19 e, com ela a crise econômica que se instaura e que promete alterar a correlação de forças no país.

O estado brasileiro atua com base em duas formas principais de políticas de produção de morte. A primeira é a morte biológica, materializada diariamente nas favelas e periferias com o genocídio da juventude negra e pobre. Jovens que são alvos do racismo institucional e que tem sua morte autorizada por um estado que é conivente com a violência policial.

A outra forma de necropolítica, mais comum e mais sutil é justamente a que está sendo cada vez mais implementada pelo governo federal durante essa crise: a morte social. Essa forma de produção de morte se configura na negação de direitos básicos a um grupo específico, nesse caso a classe trabalhadora negra e pobre, que diariamente convive com a negação de direitos básicos como acesso a saúde, educação, saneamento básico, habitação, etc.

É importante termos em mente que quando essa crise passar nós não seremos mais os mesmos, nem esse sistema será. Ele será visto de outra forma e com outros olhos por muitas pessoas e cabe a nós, militantes socialistas,  a tarefa de apontarmos um caminho oposto a ser seguido pelos governos diante dessa nova realidade que irá se instalar. Então sigamos ressaltando a face de morte que o capitalismo possui: de desassistência aos mais vulneráveis que permeia a maioria das políticas públicas, que o sistema define quem pode viver e quem deve morrer e, acima de tudo, sempre lembrar que os mais afetados por essa crise tem classe e tem cor. Abaixo a necropolítica de Bolsonaro. Salvar vidas e não os lucros dos patrões!

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coronavírus