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BRASIL

Por que a suspensão dos contratos de trabalho é um desastre?

Carlos Pegurski*, de Curitiba (PR)
Isac Nóbrega/PR/ Fotos Públicas

De onde nada de espera, é justamente de onde nada vem: Bolsonaro assinou a Medida Provisória 927 que autoriza empregadores a suspender contrato de trabalho por até 4 meses. Comércios fechados, trabalhadores em casa sem renda.

Abstraindo os problemas de legalidade, que os colegas do Direito já estão levantando, e o fato de que somos governados por um imbecil cujas inclinações desafiam os parâmetros civilizacionais, há uma séria miopia sobre essa decisão que parte, certamente, do super-Ministério de Paulo Guedes.

Essa é uma política que não é cabível por uma série de razões. A primeira delas, de ordem econômica, é elementar: é o consumo que sustenta a economia. O livro Valsa Brasileira, da economista Laura Carvalho, ilustra como os melhores indicadores no Brasil foram conquistados em períodos de maior distribuição de renda (com mais consumo, evidentemente).

Em vez de restringir a renda e o consumo, nós deveríamos estar pensando em como resolver isso durante a pandemia, porque é óbvio que as pessoas precisarão comprar comida ao longo das semanas, por exemplo. No WhatsApp, circulam listas de pequenos comerciantes que entregam compras em casa, como cestas de pães, carnes, frutas e legumes. Essa pode ser uma boa tática de reduzir o número de pessoas circulando, além de ser mais fácil equipar as pessoas com álcool gel e máscaras e dar as orientações de segurança necessárias.

Além disso, ainda que não haja folha de pagamento, os pequenos comércios (que concentram a maior parte de empregos formais) possuem uma série de encargos, aluguel, financiamentos… O que a decisão do governo causará é o fortalecimento das grandes redes, sobretudo das internacionais, com mais fôlego e crédito para suportar semanas sem atividade.

O governo poderia fazer o contrário e dar isenções fiscais aos comerciantes que não demitirem. Assim como a França e a Inglaterra, que já anunciaram medidas de proteção social, precisamos de uma política que ajude os trabalhadores a manterem seus empregos. Negociar dívidas e impostos e oferecer linhas de crédito populares, escalonadas de acordo com o tamanho do negócio, com contrapartidas claras para manter emprego, renda e consumo, por exemplo.

O que ocorre é que o governo injetará dinheiro para os gigantes, que se converteram milagrosamente de liberais e keynesianos. Mesmo do ponto de vista capitalista, o caráter de economia dependente mais uma vez se apresenta com a incapacidade de uma burguesia nacional protagonizar o debate de saídas nacionais para a crise e com um Estado neocolonial e subserviente.

Mas a principal consequência é a criação de um pesadelo epidemiológico.

Se o seu patrão disser hoje a você que seu trabalho está suspenso e você não tiver dinheiro para atravessar a quarentena em casa (e qual trabalhador possui uma poupança para semanas ou meses de comida, aluguel, gás…?), será necessário sair à rua achar trabalho: Uber, Rappi, o que houver.

Se o poder público não oferecer saídas reais para que as pessoas tenham condições mínimas de subsistência, elas recorrerão a outros meios, expondo-se a riscos. E a conclusão é óbvia: a disseminação do vírus vai aumentar. Mais doentes, mais mortes. Além de que o país caminhará mais rapidamente para o caos, com possibilidade de saques, por exemplo.

Mesmo do ponto de vista das contas públicas, que parece ser a gramática exclusiva do governo, isso acarretará em custos. O valor de um atendimento hospitalar em UTI para pessoas acometidas pelo Covid-19 pode e deve ser investido em políticas de trabalho e de prevenção à doença.

A conta vai chegar. A questão é como, quando e sobre quem. E o governo federal, entre omissões, deboches e equívocos, está contribuindo da pior forma possível.

 

*Carlos Pegurski é técnico-administrativo na UTFPR. Tem formação na área de Administração Pública e milita na Insurgência, corrente interna do PSOL.