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O lado do bem: pandemia, fascismo e neoliberalismo

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

“Num dia de verão

Podia ser meu pai

Podia ser meu irmão

Não se esqueça

Temos sorte

E agora é aqui” (Renato Russo, em “Duas tribos”)

Na Segunda Guerra, a humanidade, com milhões de mortos e milhares de resistentes, derrotou o fascismo, julgando tê-lo eliminado para todo o sempre. Décadas depois, no período que se seguiu à crise de 2008, o mesmo fascismo, que muitos julgavam sepultado, foi conjurado e trazido à vida carnal pelos adeptos do dogma neoliberal. Uma vez juntos, fascistas e neoliberais arruinaram vidas, empilharam corpos e fizeram desprotegidas milhões e milhões de pessoas que agora são alvo de uma pandemia a qual eles próprios, por meios variados, ajudam a disseminar. Parafraseando Goethe e Marx, pode-se dizer que enquanto os fascistas sempre substituíram “a razão pela insensatez”, os neoliberais, por sua vez, jogando vidas e vidas nas “águas gélidas do cálculo egoísta”, parecem transformar “a praga em benção”, vendo no caos viral uma inédita oportunidade de resolver, finalmente, a questão da previdência social.

A humanidade está novamente diante de um desafio histórico, e só resta a ela, caso queira dignamente se perpetuar, tratar de eliminar, de uma vez por todas, o espectro do fascismo, o que só poderá ser feito se, conjuntamente ao esmagamento da extrema-direita e seus estultos déspotas, também uma estaca política for cravada no peito dos neoliberais da nossa época. Estes, sem pudores, recorreram àqueles, mostrando que em tempos de crise, e mais ainda de pandemia, não pode ter lugar nem mesmo a sua liberal-democracia. Talvez engolindo sapos, talvez não, ambos, neoliberais e fascistas, sabem para qual classe está destinada o caixão. Ainda que velada, ainda que de máscara, a guerra está, por eles, declarada. Assim, para nós, a luta da humanidade contra a pandemia só será eficiente se for um momento da derradeira luta contra os que vivem da mais-valia.

Caberá a nós lançar luz sobre o que será potencialmente claro. Caberá a nós direcionar nossa dedicação contra as forças da escuridão. Assim, quem sabe, os véus cairão e nítidos os campos ficarão, ainda que muitos, pois já há tempos destituídos de coração, não enxergarão. Nesses dias tenebrosos que se aproximam, nessa longa noite que se inicia, nem todos os confinados serão pardos, como na felina noite de Hegel. A luta de classes assumirá, sem mais delongas e sem mais rebuços, a forma de um combate entre os que defendem a vida e os que defendem os lucros, entre os que amam o povo e os que são indiferentes à sorte do outro. Agora, para evitarmos que, mais dia menos dia, nos vejamos diante do juízo final, teremos que tomar partido na até então “eterna luta do bem contra o mal”. Agora, afinal, tratar-se-á, talvez, do início da última e decisiva luta dos explorados contra o capital. Toda neutralidade não será senão a cumplicidade com o mais forte, não será senão o tácito apoio aos que têm cheiro de morte. Já os do outro lado, os que nunca tiveram nada a perder, salvo seus grilhões, agora têm mais do que um mundo a ganhar, têm um mundo a salvar. Na angústia e na penúria, no compulsório trabalho ou no lar isolado, na companhia de um amor ou fisicamente sem ninguém, muitos já estão, desde já, do lado do bem. “E você, de que lado está”?

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