Se tem uma coisa que a pandemia de coronavírus deixou mais do que evidente foram as desvantagens do livre mercado e a importância dos serviços públicos e da intervenção do Estado.
Quando foi confirmado o primeiro caso de corona vírus no Brasil, houve uma verdadeira corrida para supermercados e farmácias em busca de álcool em gel e máscaras. Com a disparada da procura por tais mercadorias, elas começaram a desaparecer das prateleiras fazendo com que a oferta fosse menor que a demanda e com isto a “mão invisível” do mercado não tardou em agir. Logo o preço do álcool gel disparou e em alguns casos subiu de R$ 1,99 para R$ 11,99. Donos de farmácia no final de semana (14 e 15/03) estavam escondendo álcool e mascaras esperando que a crise piorasse e a procura pelos produtos se ampliasse para que assim eles pudessem aumentar o preço, superfaturando em cima da crise sanitária. O que para alguns é uma epidemia, para outros é uma oportunidade, afinal as leis do mercado não são éticas.
Em diversas declarações desde o início da crise, poder executivo e empresários deixaram claro que a principal preocupação não é com as vidas que estão ameaçadas ou com a saúde do nosso povo, mas com os prejuízos econômicos que venham ocorrer caso todo mundo fique em casa de quarentena cumprindo recomendações médicas da OMS. Como disse Paulo Guedes, “se ficar todo mundo em casa (a economia) entra em colapso”, e fazendo um mea culpa disse reconhecer a gravidade da situação, mas emendou que era preciso encontrar um “meio termo” entre quarentena e preservação da vida e a normalidade econômica, ou seja, sem exagero, continuem trabalhando. Bolsonaro diversas vezes tratou a epidemia como “exagero”, como “gripezinha”, fazendo com que se protelasse o estabelecimento de medidas preventivas, deixando a cargo dos governos estaduais e municipais o enfrentamento da crise epidêmica.
Quando a epidemia chegou com tudo, preocupado com o bom funcionamento da economia e os lucros dos patrões, Bolsonaro propôs a redução da jornada de trabalho e corte de salários pela metade. Segundo o governo seria um meio de evitar demissões, mas na prática significa um socorro aos bolsos dos ricos e prejuízo para os pobres. Em editorial o jornal O Globo defendeu que o “funcionalismo tem de dar sua contribuição”, mas nenhuma palavra foi dita sobre a contribuição (forçada como a nossa?) dos bancos e empresas. Parece que cabe aos trabalhadores abrir mão do salário enquanto os lucros dos ricos são mantidos ou pelo menos seu prejuízo é minimizado. Trabalhadores e patrões podem até estar no mesmo barco, o problema é que os primeiros estão na parte que afunda primeiro.
A crise epidêmica também deixou claro para todos que os “empreendedores” como uber’s, entregadores de aplicativos, pequenos comerciantes e autônomos não são microempresários, mas trabalhadores precarizados, sem direitos e nenhuma seguridade social. Impossibilitados de trabalhar por conta da quarentena o governo não sai em seu socorro e eles amargam o prejuízo de um dia não trabalhado. Sem renda fixa ou seguro social são os trabalhadores mais vulneráveis a crises econômicas e de saúde. Não são empreendedores, mas trabalhadores sem direitos, que “trocaram” a carteira assinada e direitos trabalhistas por “bicos” e “flexibilização”.
No atual contexto coube aos Estados intervir na economia, seja salvando empresas ou tabelando preços de álcool e máscaras, fiscalizando estabelecimentos comerciais e controlando o fluxo de pessoas. O livre mercado não protege as pessoas e nem dar conta de uma epidemia, cabe ao Estado, com seus serviços públicos garantir o bem estar das pessoas. Imagine se não tivéssemos o SUS? Estaríamos como nos Estados Unidos, em que pessoas sem condições de pagar nem ficam sabendo se estão ou não com o vírus. O presidente francês, Emmanuel Macron, da direita liberal e que em 2018 declarou que o Estado de bem estar social da França era “desperdício de dinheiro”, em meio a crise epidêmica reconheceu os limites e a ineficiência do liberalismo econômico e fez uma verdadeira apologia do État-providence francês.
É um momento de se cuidar, mas também para refletirmos sobre outro modelo econômico que não seja baseado no livre mercado, em que saúde, educação, transporte, energia e comunicação, como outros serviços essenciais, sejam serviços públicos e que a atuação do Estado na economia seja maior, não para socorrer bancos e empresas, como na crise de 2008, mas para preservar a vida e o bem estar social da maioria das pessoas, logo da dos trabalhadores. Infelizmente no Brasil foi eleito um presidente despreparado e desqualificado, mas patrocinado pelos empresários, que tem no Chile de Pinochet o exemplo econômico a ser seguido. Paulo Guedes, um fundamentalista do livre-mercado, está mais preocupado em aprovar contra-reformas que retiram direitos e privatizam empresas públicas, do que em fazer como na Europa, em que o Estado em meio a pandemia tomou para si as responsabilidades que o mercado nem quer nem pode assumir.
Como uma infeliz expressão das nossas contradições sociais, a primeira vítima de corona vírus no Rio de Janeiro foi uma empregada doméstica de um casal que havia voltado da Itália e estavam com COVID-19. Enquanto os patrões continuam vivos, de quarentena e se tratando, a empregada, uma idosa de 63 anos que continuava trabalhando, apesar da epidemia, morreu.
No Brasil do livre mercado se as coisas continuarem como estão, os ricos farão quarentena e se cuidarão enquanto os pobres continuarão trabalhando e adoecerão. Na pior das hipóteses, morrerão…
*John Aquino é professor de filosofia no IFCE
Comentários