O movimento social Brasileiro, em especial o movimento da Reforma Sanitária Brasileira, obteve uma grande conquista ao garantir na constituição Brasileira, Art. 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Nesse momento, em que vivemos a principal crise sanitária do século, é importante retornarmos à concepção de saúde que conquistamos com muita luta na constituinte.
A Epidemia de coronavírus (COVID-19) se espalhou rapidamente pelo mundo, fazendo com que a ONU declarasse a situação como uma pandemia e convocasse todos os países a somarem forças para o enfrentamento dessa emergência de saúde pública de importância internacional.
O conhecimento científico foi fundamental até o momento para diminuir a velocidade de propagação dessa epidemia em alguns países e para salvar milhares de vidas. Algumas medidas têm sido tomadas para controlar a disseminação do vírus (testagem em massa, controle de fronteiras), mas gostaria de aprofundar nesse artigo algumas medidas que começam a ser adotadas no Brasil e que, surpreendentemente, têm sido alvo de polêmicas em tempos de redes sociais. São elas o incentivo ao distanciamento social, o isolamento e a quarentena.
Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que todos nós (brasileiros ou estrangeiros que estão em território nacional) temos o Direito à saúde garantido pela nossa constituição. Essa deve ser a máxima a ser defendida nesse momento. Precisamos cobrar dos governos que cumpram o seu Dever de garantir a saúde para a população, seja mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos ou seja garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para a promoção, proteção e recuperação da saúde das pessoas.
O Distanciamento social (cancelamento de eventos, fechamento de escolas, home office, diminuição de circulação das pessoas, etc) tem sido incentivado em todo o mundo e, em recente declaração, a OMS afirmou que o distanciamento social é fundamental para evitar as contaminações e mortes causadas pelo coronavírus. É importante destacar que o distanciamento social é uma medida recomendada para o conjunto da população, não apenas para pessoas com suspeita de estarem contaminadas pelo vírus ou apresentando sintomas de gripe. O Ministério da Saúde publicou portaria regulamentando que o isolamento é uma medida de saúde pública com o objetivo de “separação de pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação clínica e laboratorial, de maneira a evitar a propagação da infecção e transmissão local”, já a quarentena é também uma medida de saúde pública que visa “reduzir a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território”.
Essas três medidas (distanciamento social, isolamento e quarentena) só serão efetivas se articularmos uma forte ação estatal (com políticas intersetoriais que garantam que a maioria das pessoas possam ficar em casa) com a ampliação dos valores de solidariedade social entre nós. Campanhas massivas de educação e conscientização da população para que façam as medidas preventivas, fechamento de locais públicos e privados que geram aglomeração de pessoas, diminuição da oferta de transportes coletivos, ampliação da higienização de locais públicos, estímulo ao home office, testagem em massa de casos suspeitos, são medidas importantes que devem ser tomadas pelos governos para garantir a diminuição da velocidade de propagação do vírus e permitir que haja uma melhor organização dos serviços de saúde para receberem os pacientes que venham a adoecer e apresentar quadros graves de saúde.
Aumento da solidariedade social entre nós, racionamento na compra e usos de produtos, dispensa de trabalhadores domésticos com manutenção do pagamento de salários, doação de produtos e alimentos às pessoas em maior vulnerabilidade, ajuda a idosos e pessoas em grupos de risco para que não se exponham a locais públicos, entre outras medidas, podem e devem ser colocadas em práticas com urgência e podem contribuir para que atravessemos este difícil momento. Para isso, precisaremos combater diariamente os valores do individualismo e da meritocracia, ideias que são cotidianamente reforçadas em nossa sociedade.
Mas isso só não basta! Temos no Brasil uma massa de trabalhadores informais, em empregos precários, com pouca ou nenhuma organização coletiva e proteção social. Isso acontece porque o Capitalismo empurra cada vez mais trabalhadores para o subemprego, para trabalhos precários e para o desemprego. Estas pessoas têm mais dificuldade de acessar seu direito à saúde, pois muitas vezes precisam se expor ao risco de adoecer (seja pelo coronavírus ou por outras doenças e acidentes que acometem os trabalhadores) para garantir algum alimento para a família e o pagamento de despesas básicas (água, luz, aluguel) ao final do mês.
Esses trabalhadores na sua maioria são mulheres, negros e negras e moradores de bairros periféricos, onde a ação do Estado costuma falhar cotidianamente. Por isso, é fundamental que nesse momento nós ampliemos as reinvindicações para que o Estado formule políticas sociais e econômicas que garantam o Direito à saúde para essas pessoas: Pagamento de um salário mínimo para os desempregados e trabalhadores informais enquanto durar a epidemia; Isenção das contas de água e luz; Garantia de estabilidade no emprego; Distribuição gratuita de produtos de limpeza e biossegurança; Congelamento nos preços dos aluguéis, nos itens da cesta básica e gás; Ampliação do fornecimento de água, luz e serviços de saúde nas periferias; Crédito para pequenas empresas; Suspensão da cobrança de juros e empréstimos pessoais das famílias endividadas; Criação de leitos de baixa complexidade para internação de pessoas com quadros leves da doença que residam em locais sem infraestrutura adequada para o isolamento, são medidas urgentes e fundamentais para garantir que o conjunto da população Brasileira possa enfrentar a epidemia do coronavírus sem precisar escolher entre viver ou pagar as contas do mês.
Garantir o direito de preservação da saúde não pode ser visto como um privilégio!
As trabalhadoras e trabalhadores de algumas categorias profissionais, localizados em setores específicos da economia, que já conseguiram garantir as medidas de distanciamento social não são privilegiados. Privilegiados são os grandes empresários que enquanto se protegem do Coronavírus em mansões, pressionam os governos para salvar seus lucros e para impedir que medidas de proteção coletiva afetem os seus negócios. Bolsonaro, em sintonia com a elite empresaria Brasileira, tenta convencer a população que as medidas de distanciamento social são “histeria” e que não precisamos nos preocupar tanto com a Epidemia.
Nesse momento não nos ajuda em nada apontar o dedo para uma parcela dos trabalhadores que conseguiram garantir o Direito de cumprir as medidas de distanciamento social e isolamento para reduzir a propagação do vírus, como se esses fossem privilegiados. Precisamos canalizar nosso ódio aos empresários e governantes que colocam os lucros acima das nossas vidas. Precisamos organizar o conjunto dos trabalhadores (servidores públicos, celetistas com maior estabilidade no emprego, informais, trabalhadores em empregos precários, microempresários e desempregados), todos àqueles que vivem do trabalho, todos que possuem seus direitos negados, para lutar por medidas que protejam nossa saúde e diminuam o impacto da Epidemia de coronavírus no país.
A principal disputa que precisamos fazer nesse momento é contra os governos e os grandes capitalistas que dominam a economia brasileira. Eles seguirão defendendo políticas de responsabilidade fiscal e austeridade. Nós precisamos unificar o “andar de baixo” para ganhar na sociedade a ideia de que é hora de salvar vidas e não os lucros das grandes empresas e bancos. A crise trazida pela Epidemia de coronavírus só reforça nossa luta pela derrubada da EC 95 e ampliação dos recursos para a seguridade social (saúde, previdência e assistência social) e contra todas as reformas que retiram Direitos dos trabalhadores. É preciso seguir lutando para derrubar os privilégios dos ricos e a aprovação de medidas de responsabilidade social que garantam de forma Universal nosso Direito à saúde e, em última instância, o Direito à vida!
*Henrique Saldanha é professor da UFBA e Doutorando em Saúde Pública
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