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Preconceito de classe e racismo não poupam nem a morte

Silvia Ferraro

Feminista e educadora, covereadora em São Paulo, com a Bancada Feminista do PSOL. Professora de História da Rede Municipal de São Paulo e integrante do Diretório Nacional do PSOL. Ex-candidata ao Senado por São Paulo. Formada pela Unicamp.

Entristecedor ver pessoas me atacarem nas redes por eu ter postado sobre a mulher que morreu com sintomas do Coronavírus, tendo adquirido a doença da sua patroa. Disseram que era fake, que eu tava propagando uma mentira e inventando. Falaram que como era uma suspeita da doença, por que eu estava acusando a patroa? Disseram que precisava esperar a comprovação da morte por coronavírus pra dizer que a patroa, que havia recém chegado da Itália, tinha responsabilidade, e que eu estava me aproveitando da situação pra “lacrar”. Afirmaram  que a patroa não tinha culpa, afinal ela só teve confirmação do resultado dias depois. Disseram que a Casa Grande era a que eu morava e que era pra eu descansar minha militância.

Não me importo com os comentários sobre mim, mas o que causa indignação é como um caso desses revela um preconceito de classe e um racismo que não poupa nem a morte. Ao mesmo tempo, também escancara que a relação entre patroa e empregada doméstica no Brasil continua sendo a de Sinhá e escrava, esta última, um objeto de uso. A patroa passou o Carnaval na Itália durante o aumento de Coronavírus e chegou ao Brasil direto pra sua quarentena. Mas não quis dispensar a empregada que tinha 63 anos e ainda sofria de diabetes e hipertensão. O fato dela ainda não ter o teste positivo ao COVID-19, não a exime da responsabilidade de saber que já era um agente transmissor da doença.

Ontem foi confirmado que a doméstica (seu nome não foi divulgado), morreu de Coronavírus. Na pequena cidade de Miguel Pereira, há 2 horas do Rio de Janeiro, aquela mulher dormia 4 dias por semana no trabalho e já trabalhava há 20 anos no Leblon. ( @agenciapublica )

Não foi divulgado se ela era branca ou negra, mas sabemos que as relações que pautam até hoje os empregados domésticos advêm do nosso passado escravagista. A doméstica, que morava numa casinha simples e deixou um filho de 39 anos, doou a maior parte da sua vida a famílias ricas. “Quartinho de empregada” e “elevador de serviço” estão nas arquiteturas dos prédios como marcas do racismo. A patroa continua na sua quarentena no Leblon e a doméstica não está mais entre nós.

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