Pular para o conteúdo
MUNDO

Diretamente da Bélgica: as mulheres e o Coronavírus

Coletivo 8 de Março de Bruxelas, Bélgica | Tradução: Joana Benário

Neste 12 de março, a votação da ampliação da lei de ampliação das condições para o aborto foi adiada pela enésima vez, enquanto o coronavírus, ele sim, está avançando. Neste dia, demostrou-se novamente como é necessário o trabalho reprodutivo e, ainda assim, como é precário; como se nega às mulheres os seus direitos, mas como seguem continuamente sendo exploradas…


Quem vai limpar, desinfetar nossos escritórios, corredores, nossos locais de trabalho, nossos hospitais, nossas clínicas? As trabalhadoras da limpeza, imigrantes legais ou ilegais, com ou sem contratação formal, que se submetem pela necessidade aos riscos à sua saúde. 

Quem tranquilizará, cuidará, alimentará, manterá idosos isolados em casa, sem que as horas sejam contabilizadas? Quem se responsabilizará pelo peso emocional relacionado ao estresse vivenciado por “pessoas em risco” contra o vírus? As parentes dos doentes, as cuidadoras de pessoas idosas a domicilio, na invisibilidade doméstica, em condições dolorosas, com sacrifício de sua própria vida privada.

Quem receberá e curará os doentes? Quem suportará o peso da epidemia? Quem se arriscará em atividade durante dias e noites em serviços hospitalares sobrecarregados? Enfermeiras, profissionais de saúde, já com escassez do pessoal necessário na base. 

Quem corre risco de perder o emprego sem qualquer forma de remuneração? Em primeiro lugar, as pessoas que vivem graças a empregos precários, situação de muitas mulheres: as mães da família, cuidadoras, artistas, garçonetes, profissionais de espetáculos, vendedoras, trabalhadoras do setor sociocultural, diaristas autônomas… Quantos desses trabalhos caracterizados pela instabilidade dos contratos de trabalho, ou de tempo parcial, serão afetados pela crise do coronavírus?

Quem trabalhará nas creches durante a pandemia? Professoras, como se estivessem protegidas do risco de contaminação. Essas creches serão garantidas para os filhos dos trabalhadores da saúde. E as demais? Quem cuidará dos filhos das limpadoras de hospitais, as caixas de supermercado e cuidadoras de crianças ou idosos ?

Quem cuidará de milhares de crianças que não vão à escola? Quem os tranquilizará? Sim, os homens poderiam fazê-lo, e muitos deles o farão, mas… duvidamos que, no estado de emergência em que estamos, milagrosamente aqueles que normalmente se sentem pouco preocupados com essas questões assumam tudo isso, ou sequer parte deste trabalho. Estão excluídas as avós desta vez. Mães, solteiras ou não, irmãs, tias, vizinhas, sejam elas trabalhadoras em home office, com ou sem emprego, serão as primeiras requeridas para manter as crianças fora da escola. Como se faz se você está sozinha? Como se faz se não temos direito a nenhuma alternativa de salário? Como se faz isso se trabalharmos em uma loja aberta 7/7 para permitir que as pessoas angustiadas com a escassez possam fazer as suas compras?

Quantas mulheres deixarão de trabalhar para ficar perto de seus entes queridos ou para cuidar de seus filhos que não vão à escola?

O que podemos fazer? TRABALHAR! Sim, nós “podemos” trabalhar! Porque se todos os eventos forem proibidos, se escolas, se bares, restaurantes, teatros, cinemas, ginásios estarão fechados a partir de sábado… muitos habitantes da Bélgica “podem” continuar indo ao trabalho. Não se preocupe. É como se com uma pandemia nas ruas, tivéssemos vontade de ir ao trabalho! As atividades recreativas são proibidas, mas as fábricas e a maioria dos negócios relacionados ao trabalho produtivo continuarão em operação. Difícil trabalhar em casa quando se trabalha com construção civil ou como motorista de ônibus… Em setores relacionados ao trabalho de reprodução, assistência, serviços sociais, limpeza e parteiras, como entramos no home office? Quem cuidará das crianças? Que medidas para proteger essas mulheres e homens trabalhadores contra o vírus? Quem sustenta a emergência?

Se essas decisões chegaram tão tarde, é principalmente porque os interesses financeiros estavam pressionando para adiar a adoção de medidas firmes para proteger a população… Tivemos que aguentar as “guerras internas” de nossos mil ministros, mas foram necessárias as três primeiras mortes na Bélgica e o discurso de Macron para tomar decisões em nível nacional. E, provavelmente, medidas adicionais serão tomadas nas próximas semanas, se observarmos o que está acontecendo em países vizinhos.

Quanto esse plano de emergência vai pesar nos ombros das mulheres? Será preciso uma pandemia para perceber a existência de todos esses trabalhadoras ocultas e ofícios feminizados? Depois que a crise terminar, depois das mulheres correrem riscos como bucha de canhão, na linha de frente dos riscos de contágio, seu trabalho será julgado pelo seu valor justo? As dificuldades desses trabalhos serão por fim reconhecidas? Elas serão condecoradas por seu trabalho duro e corajoso, como soldados depois de uma guerra? Ou vamos enviá-las de volta para seus contratos precários, seu meio período, sua pobreza e seus reumatismos?

Essa história, quando terminar, provavelmente nos mostrará quão valiosos são os diferentes tipos de trabalho das mulheres, o quanto eles são a base de nossas sociedades, mas também o quanto precisamos de um sistema de saúde público e de qualidade, o quanto precisamos de uma verdadeira seguridade social, quão frágeis são as estruturas que nos envolvem e quanto temos razão de lutar.

Trabalho reprodutivo, assistência, carga mental, jornada dupla de trabalho, desigualdade. Não são apenas palavras.

E quem cuidará das mulheres sem-teto, mulheres imigrantes ilegais? Em quais idiomas as informações de saúde serão comunicadas? Em francês, holandês, inglês? E o árabe, espanhol ou romeno? E as mulheres para quem permanecer confinada em casa significa estar perto de um homem violento?

Não vamos entrar em pânico, não vamos alimentar o medo, vamos nos unir!

Toda a nossa solidariedade a todas as pessoas e mulheres em particular, em especial àquelas que vivem situações precárias nestes tempos sombrios.

Toda a nossa solidariedade às pessoas afetadas pelo vírus, aos seus entes queridos. Na Bélgica e em qualquer outro lugar.

Toda a nossa solidariedade a todas as pessoas, especialmente às mulheres, que serão afetadas pelo vírus e pelas medidas tomadas para impedir sua propagação e curar os doentes.

Instamos todas as estruturas, associações, movimentos, bairros, pessoas, a se comprometerem e a criarem iniciativas de assistência mútua para enfrentar a crise. Desde os berçários coletivos, passando pelo apoio nas compras para os vizinhos que precisam, até compartilhar pequenos pratos e bons filmes, as ideias terão que ser pelo menos tantas quanto são as necessidades.

 

Fonte: Collectief 8 maars Bruxelles 

Marcado como:
bélgica / coronavírus