Partimos do pressuposto de que a explosão da COVID-19, em meio à crise econômica e a ofensiva contra direitos da classe trabalhadora e do povo pobre, tem potencial de produzir uma crise social de dimensão incomparavelmente superior a tudo que se observou recentemente. Por essa razão, não há nenhum excesso em compará-la à catástrofe social de 1918-1920, resultante da Gripe Espanhola.
A Covid-19
A Gripe Espanhola – na esteira do fim da primeira grande guerra – causou a morte de milhões de pessoas (estima-se em mais de 50 milhões de pessoas). O retorno dos soldados aos seus respectivos países funcionou como um meio poderoso de propagação da pandemia provocada pelo vírus influenza. No Brasil, o presidente eleito Rodrigues Alves contraiu a doença e morreu sem tomar posse para cumprir o seu segundo mandato. É bastante óbvio que no caso dos mais pobres, a Espanhola foi muito mais contundente. Germina desse fato e do fim da guerra uma das mais dramáticas crises sociais da história.
Praticamente um século depois, eis que o mundo defronta uma nova pandemia (que a OMS demorou a considerar como tal). Em um mundo cada vez mais interligado, com milhares de viagens ao longo de um só dia, os meios de disseminação são infinitamente mais variados e veementes.
Em caso de pandemias se antecipar é muito importante, e os governos burgueses, no mundo inteiro, bem como as instituições globais, demoraram a adotar medidas que protegessem a sociedade da ameaça suspensa no ar. Quando o surto tomou conta de parte da China, uma parcela das representações políticas ocidentais tratou a questão como problema do governo e do povo daquele país. Pior: subestimou o perigo.
O resultado imediato é que, sem protelar, a crise epidemiológica bateu na porta do ocidente. Instituições e autoridades atrasaram medidas mais efetivas de contenção da doença devido considerações puramente comerciais, conforme se observou no campo esportivo. Somente agora a Inglaterra decidiu suspender os seus campeonatos. O caso mais emblemático se registrou no sul da Europa. Na esteira da explosão do coronavírus no continente, quinze mil casos e mil mortes em uma semana estontearam toda Itália. A mídia brasileira repercutiu a comovente fala de um cidadão italiano: “A Itália nos abandonou”.
O abandono, sobretudo dos mais pobres, não é um fato novo. É uma questão estrutural. Os cortes de verbas, a ofensiva contra os serviços públicos e as privatizações aprofundam a sensação de abandono. E, nesse caso, é interessante notar que se essa realidade afeta tão duramente o mundo europeu, em que, malgrado os ataques dos últimos anos, ainda sobrevive uma rede de proteção social, suponha então o que pode acontecer em outros lugares do planeta, nos quais a cobertura aos pobres é ainda mais precária?
Nos EUA as dificuldades para quem não tem seguro de saúde são imensas. Aliás, El País anota, com ênfase, a questão do “Frágil sistema de saúde nos EUA”. Quem não tem o seguro precisa pagar até para fazer o teste do coronavírus, o que não é tão barato para os desafortunados no “país das oportunidades”.
O fato é que estamos diante de uma situação de emergência de saúde pública global. Aqui, cabe recordar: as políticas ultraliberais do último período tornaram o acesso à saúde um negócio para o qual nem todos têm condições de pagar. Além do mais, tornaram a assistência social uma espécie de “privilégio” a ser descartado por um Estado mínimo. Ao diminuir de tamanho, o aparelho estatal encontra maiores dificuldades de enfrentar circunstâncias de grande excepcionalidade.
Em suma, ao atacar a saúde pública e o serviço público em geral, os governos burgueses criaram embaraços com vistas à adoção de medidas emergenciais de controle de disseminação da doença. O que aconteceu na Itália não se deu unicamente pela imperícia, hesitação e/ou distração dos governantes, ainda que essa questão não deva ser desprezada. Já nos EUA, o presidente Trump não interrompe, por um segundo, a sua retórica de desprezo quanto às ações de prevenção à propagação do vírus, mas a questão estrutural, que se relaciona com o desamparo de grande parte da população em relação a um simples seguro de saúde, abre caminho para o redemoinho da pandemia.
A Pandemia chega ao Brasil
O coronavírus não é tudo isso, como disse Bolsonaro? Depois de fazer pouco caso da ciência, como de costume, o presidente é obrigado a conviver com o vírus se apoderando de membros do próprio governo. Desse ponto de vista, finalmente, apresentou algumas propostas emergenciais: prioridade à atenção primária, extensão do horário dos postos de saúde e antecipação da primeira parcela do 13º dos aposentados etc.
De fato, essas medidas são completamente insuficientes. O que interessa observar aqui é como os governos, notoriamente o de Jair Bolsonaro, têm minado os serviços públicos, em particular, o sistema de saúde. Se o ataque contra o SUS vulnerabiliza o atendimento às camadas mais pobres da população, em condições normais, o que dizer em uma situação de absoluta anormalidade?
O teto de gastos, aprovado no governo Temer, espreme e encolhe o SUS. O corte às pesquisas desenvolvidas pelas universidades e outras instituições públicas, sob o governo da extrema-direita, enfraquece a busca de soluções para as grandes questões de saúde pública. Por exemplo: em Minas Gerais uma equipe de cientistas que pesquisa uma vacina para dengue está com o trabalho paralisado por falta de verbas. Depois do golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff da presidência, a burguesia e seus representantes parlamentares, com o apoio entusiasmado da mídia, aprovaram projetos que, em nome do corte de gastos, limitaram gravemente a atividade pública. Como se fora pouco, Bolsonaro e o congresso liquidaram com a previdência, transtornando a vida, principalmente, das maiores vítimas do coronavírus: as pessoas mais envelhecidas – que precisam de cuidado extra. Isso sem se falar que o governo atual não poupou esforços para destruir o programa Mais Médicos. O resultado imediato é que a nova patologia atinge o Brasil depois de um furacão destruir parcela significativa dos poucos direitos e políticas sociais de amparo às pessoas mais necessitadas.
À vista disso, os 5 bilhões de reais emergenciais que o Ministério da Saúde anuncia não são o bastante sequer para fazer avançar a atenção básica e o horário estendido. O pior é acompanhar a mídia comercial – Rede Globo à frente – tratar o tema como prioridade e, ao mesmo tempo, censurar abertamente o parlamento por aprovar um acréscimo de 20 bilhões à ampliação do BPC (Benefício de Prestação Continuada), um dos poucos suportes econômicos de que usufruem os idosos e as pessoas com deficiência. Não são esses 20 bilhões de reais que impedem o investimento para combater a Covid- 19, mas centenas de bilhões de dólares que enchem os bolsos dos banqueiros nacionais e internacionais.
Cruzam-se duas crises: a econômica e a sanitária
Não é a crise sanitária que enseja a crise econômica. De fato, as duas se combinam. Quando a Covid-19 botou a cara no mundo, a crise da economia já era sentida. No Brasil, o crescimento pífio do PIB, no ano passado, já era indicador seguro do que estava por vir em 2020.
Antes mesmo da crise sanitária se apoderar completamente do país, já era visível e inequívoca a maior fuga de capitais da história. Assim, o coronavírus não produz a crise econômica, mas a acentua. Dessa combinação explosiva nasce a crise da bolsa. Das incertezas locais e da força da pandemia, produz-se uma certeza: o risco de PIB negativo no Brasil.
O tombo da bolsa é o maior em 22 anos. Com efeito, a bolsa afunda. Como dizem os operadores: o mercado derreteu. A quinta-feira sombria do capital (12/03) se revelou na queda de 14,7 da bolsa no Brasil. Mas esse fenômeno se manifestou não apenas na principal economia latino-americana. Nos EUA, as bolsas sofreram a maior baixa desde 1987. A turbulência levou Donald Trump – em um só dia – a liberar 1,5 trilhão de dólares. Há de se perguntar: esse dinheiro é para combater o coronavírus? Não! É dinheiro para encher os cofres dos banqueiros e especuladores.
Em relação aos trabalhadores e trabalhadoras, não se observou, até agora, nenhum aceno, nenhuma proposta concreta, nenhuma garantia. Tanto que, nesta sexta-feira (13- 03), ao declarar estado de emergência, ele sabe que a medida permite usar algo como 50 bilhões de dólares para enfrentar a nova patologia. Muito pouco se comparado ao que ele entregou em só dia aos agiotas do capital financeiro. Em resumo: nenhuma garantia para “os de baixo”.
Os socialistas e a crise
Ao se cruzarem a crise econômica e a crise sanitária, a crise social tende a andar aos saltos. Os socialistas precisam pensar um programa que responda à crise do ponto de vista da classe trabalhadora. Evidentemente, devemos partir das medidas de prontidão que dizem respeito ao controle da disseminação da doença: (I) Plano de contingência para o combate do novo coronavírus; (II) Suspensão de atividades coletivas, com suspensão das aulas; (III) Investimento imediato e massivo em relação às ações de prevenção à propagação do vírus, o que inclui anúncios educativos sobre a doença; (IV) Entrega de álcool-gel, sabão, papel higiênico e máscara a toda população; (V) Revigorar a atenção primária; (VI) Ampliação dos leitos de UTI, e sempre que necessário, requisitar gratuitamente estruturas privadas de saúde para o atendimento dos casos de coronavírus que ultrapassem os limites das instituições públicas; (VI) Contratação ampla e urgente de profissionais de saúde; (VII) Atendimento prioritário à faixa mais vulnerável ao coronavírus: os idosos; (VIII) Cesta básica para os desempregados e desempregadas etc. Para que o programa, válido para os próximos dias, encerre algum sentido, é necessário um conjunto de propostas que o consolide, o que inclui: (1) cancelamento de todas as propostas neoliberais restritivas da atividade pública, em particular a da reforma administrativa; (2) Engavetar o projeto da carteira verde-amarela; (3) Nenhuma demissão enquanto a pandemia persistir; (4) Revogar a lei do teto e da reforma da previdência; (5) Incremento dos investimentos nas universidades e institutos de pesquisa e o respeito à ciência e a autonomia dos pesquisadores; (6) Defesa do SUS: 10% do orçamento para saúde pública; (7) Suspensão do pagamento da dívida pública dos grandes credores.
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