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MUNDO

Bernie Sanders ainda é capaz de conseguir o improvável?

Todd Chretien*, direto dos EUA

Bernie Sanders é um candidato socialista à presidência nos Estados Unidos. Milhões de pessoas da classe trabalhadora estão votando nele, fazendo pequenas doações para sua campanha, e centenas de milhares participaram de comícios para ouvir Bernie (todos o chamam de Bernie) chamando uma “revolução política” para atacar a “ganância e corrupção” da “classe bilionária”. A campanha de Bernie tem enormes forças e há uma possibilidade real de ele se tornar presidente, mas a semana passada também expôs importantes fraquezas.

  1. É importante entender a natureza radical do programa político de Bernie para o socialismo democrático no contexto dos EUA[1]. Sua campanha tem um plano para aumentar os impostos sobre as grandes corporações e os 1% mais ricos em pelo menos 30 trilhões de dólares nos próximos dez anos, além de cortes profundos nos gastos do Pentágono (gastos militares). Seu plano para o Medicare for All (saúde pública universal) garantirá todas as pessoas nos serviços médicos dos EUA (cidadãos e não cidadãos) e nacionalizará efetivamente as empresas privadas de seguro de saúde. Bernie também propõe cancelar todas as dívidas de médicos e estudantes, tornar gratuito o acesso a faculdades públicas e aumentar os salários dos professores de escolas públicas para pelo menos US $ 60.000 por ano (atualmente, eu ganho US $ 41.000 por ano, valor um pouco acima da média para um professor iniciante[2]). Bernie propõe um Green New Deal (Novo pacto verde) para energia 100% renovável na próxima geração, enquanto produz 20 milhões de novos empregos para fazer a transição. Bernie promete defender os direitos ao aborto e exigir remuneração igual para as mulheres, abrir a cidadania a mais de 10 milhões de imigrantes sem documentos, fechar todas as prisões privadas e proibir a criação de perfil racial pela polícia, defender a igualdade para todas as pessoas LGBTQ, respeitar a soberania indígena e proibir que as grandes e ricas corporações comprem (“doem para”) políticos. Estas são as reformas mais radicais levantadas por um político americano desde 1860, quando Abraham Lincoln prometeu proibir a propagação da escravidão, e essas reformas viriam a transformar os Estados Unidos[3].
  1. A visão de Bernie conquistou grande parte da juventude e obteve importantes avanços entre a classe trabalhadora, especialmente latinos e outros grupos de imigrantes, e esse apoio está penetrando até nos estados mais conservadores dos EUA. Por exemplo, no dia 3 de março, pesquisas de boca de urna[4] indicam que Bernie obteve 58% dos votos de pessoas de 18 a 29 anos (o ex-vice-presidente Joe Biden ganhou 17%) e Bernie ganhou 36% dos votos nos latinos (Biden obteve 25%). E, notavelmente, entre os votos do Partido Democrata, a maioria sólida pensa favoravelmente no socialismo[5]. O apoio à campanha de Bernie reflete um desejo crescente de mudança radical e o reconhecimento de que “a política tradicional” nos Estados Unidos condenará a classe trabalhadora a condições de vida precárias, intensificando a opressão social, o colapso climático e ameaças crescentes para conflitos e guerras internacionais.
  1. Até 3 de março, a chamada “Super Terça”, parecia que a campanha de Bernie poderia acentuar a divisão entre setores dividido dos centristas do Partido Democrata. No entanto, a direção democrata impôs disciplina a vários candidatos menores, forçando-os a desistir (Buttigieg, Klobuchar) e o bilionário democrata Mike Bloomberg (que gastou 600 milhões de dólares com publicidade em apenas dois meses) rapidamente seguiu a orientação. Essas medidas enviaram um sinal à grande mídia para iniciar um ataque total à campanha de Bernie e reuniram praticamente todo o establishment do Partido Democrata no apoio a Biden. Combinado com o crescente medo da epidemia do Coronavirus, a maioria dos eleitores do Partido Democrata estava convencida a apoiar Biden, a suposta opção “segura” para enfrentar Trump e o embalo de Bernie estava interrompido. No quadro de hoje, Biden mantém uma pequena liderança e a eleição pode muito bem ser determinada nos próximos 10 dias[6], quando grandes estados como Michigan, Flórida, Washington, Arizona, Ohio e Illinois terão suas primárias. Ainda é possível que Bernie possa vencer, mas o poder combinado do dinheiro da Bloomberg e a frente centrista unida em torno de Biden são obstáculos muito grandes.
  1. Os apelos retóricos de Bernie por uma “revolução política” são um componente fundamental no enorme crescimento do interesse no socialismo, incluindo o crescimento do DSA (Socialistas Democratas da América) de 8.000 membros em 2016 para mais de 55.000 hoje. No entanto, enquanto o nível de lutas social e de classe concretas permanecer relativamente baixo, transformar as aspirações e as esperanças de Bernie em vitórias reais – nas pesquisas e nas ruas – será muito difícil. De fato, há indicações importantes de aumentos na luta de classes. Em 2018 e 2019, quase meio milhão de trabalhadores entraram em greve a cada ano[7], mais do que o triplo da última década, tendo os trabalhadores da educação[8] na vanguarda. Mas o número de trabalhadores sindicalizados continua em declínio[9] e as greves de professores, enfermeiros e trabalhadores da universidade não inspiraram os trabalhadores do setor privado a seguirem o mesmo caminho. E enquanto as eleições de Donald Trump em 2016 provocaram um ano de marchas e protestos historicamente grandes como a Marcha das Mulheres, as mobilizações em 2019 e 2020 caíram devido a ataques liberais às mulheres negras[10], e divergências em relação à estratégia. Obviamente, nunca é possível simplesmente “planejar” a resistência de massa e há sinais contínuos de luta, como os trabalhadores em greve na Califórnia[11]. Mas há também um elemento de exaustão após três anos de ataques sem precedentes de Trump e uma esperança persistente de que a direção do Partido Democrata poderia empurrar Trump para fora através do impeachment. Mas o processo de impeachment nunca foi projetado para colocar Trump para fora[12], era apenas uma manobra (mal administrada) para amacia-lo para as eleições de 2020 e, principalmente, para defender Joe Biden. E o nível geral da luta de classes permanece bastante baixo. Por exemplo, entre 1967 e 1970[13], mais de 2 milhões de trabalhadores realizaram greves a cada ano, o que significa que os níveis de greve eram 6 ou 7 vezes mais altos em 1970 do que são hoje. Enquanto a classe trabalhadora e os movimentos sociais permanecerem fracos, insurgências eleitorais como Bernie enfrentam maiores vulnerabilidades[14].
  1. Tudo isso levou a duros debates entre socialistas nos Estados Unidos. Existem, nesse debate, quatro posições básicas. Primeiro, há um grupo muito pequeno (principalmente fora do DSA) que argumenta que Bernie não representa um desafio ao sistema, mas está apenas reproduzindo uma longa história do Partido Democrata. Segundo, há uma camada maior de socialistas (principalmente por dentro do DSA) que estão fazendo campanha por Bernie, mas, independentemente do resultado, acreditam que sua campanha levanta a questão de como e quando criar um caminho para um novo partido. Terceiro, há uma camada aproximadamente do mesmo tamanho que apoia Bernie, mas considera prematuro preparar a fundação de um novo partido. Quarto, que conta com a grande maioria dos novos socialistas (dentro e fora da DSA) que aposta, mesmo não sendo o mais provável, que Bernie ainda possa vencer. Essa camada ainda não sedimentou suas opiniões ou ganhou experiência suficiente para criar suas próprias estratégias e táticas e terá que aprender a lutar nos próximos anos. Apesar das preocupações levantadas pelo primeiro setor abordado, com Bernie ganhando o máximo de votos possível (e conosco, socialistas, fazendo o que estiver a nosso alcance para ajudá-lo), incluindo a possibilidade de uma vitória dada como perdida contra Biden e depois contra Trump em novembro, apresenta o melhor terreno para o movimento avançar em seus próximos passos. O modo como lutamos hoje determinará nossa influência nos processos de luta social que virão pela frente.

 

[1] Bernie’s political program for democratic socialism

[2] average for a starting teacher

[3] transform America

[4] exit polls

[5] majorities think favorably of socialism

[6] next 10 days

[7] almost half a million workers went on strike

[8] education workers

[9] union membership continues to decline

[10] liberal attacks on women of color

[11] graduate workers on strike

[12] impeachment process was never designed to get rid of Trump

[13] between 1967 and 1970

[14] greater vulnerabilities

 

*Todd Chretien é escritor, tradutor, professor e integrante do DSA ( Democratic Socialists of America).

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