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BRASIL

Cinco desafios para o PSOL em seu VII Congresso

Deborah Cavalcante e Rodrigo Bocão, da Resistência

Em uma semana, o PSOL dará início ao seu VII Congresso Nacional com a realização de plenárias municipais. A Resistência participará deste Congresso para debater e contribuir com os desafios que se apresentam para o partido no momento mais difícil de sua história. Em 16 anos, o PSOL alavancou a sua influência política e social, mas agora assume a responsabilidade de construir-se como uma alternativa de esquerda no enfrentamento à situação reacionária, a um governo neofascista e a uma dura ofensiva sobre os direitos da classe trabalhadora e do(a)s oprimido(a)s.

Por isso, buscamos sintetizar em cinco pontos os principais debates que os e as filiadas enfrentarão nas plenárias, bem como o nosso ponto de vista sobre cada um destes temas. Para quem tiver interesse em conhecer o conjunto da nossa plataforma, é possível conhecer a nossa tese nacional neste endereço: https://psolsemente.org/

1 – Compreender a profundidade da ameaça que se impõe com o governo Bolsonaro

A vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 representou a ascensão ao poder da ala mais reacionária e militarizada que atuou no parlamento, apoiando-se nas ruas e no golpe de 2016 com a queda do governo de Dilma Rousseff. Uma extrema-direita que une características do velho conservadorismo – com aprofundamento de ataques a mulheres, negros e negras, LGBTs, indígenas e quilombolas – e de uma agenda ultra-neoliberal na economia. Com a fórmula do neofascismo, Bolsonaro radicalizou o discurso e a ação contra sua oposição, contra jornalistas, contra as instituições democrático-burguesas e contra os movimentos sociais.

De lá pra cá, Bolsonaro enfrentou disputas intra-burguesas e o início (lento) da queda de sua popularidade. A possibilidade de um impeachment, inclusive, chegou a ser pauta da burguesia por um breve período, mas a aprovação da Reforma da Previdência e as sucessivas concessões a setores bancários e do agronegócio apaziguaram o andar de cima. De outro lado, o governo enfrentou o Tsunami da educação – a principal mobilização contra o governo que teve como pauta o investimento na educação pública e contra os cortes nas instituições de fomento à pesquisa. Tais mobilizações foram fundamentais para catalisar as insatisfações contra Bolsonaro, mas ainda muito insuficientes para impor o freio necessário ao tamanho da ofensiva.

Chegamos em 2020, portanto, com um governo Bolsonaro forte. A ponto de convocar as mobilizações do dia 15 de março para acumular forças e reunir o que há de mais conservador no país em favor do militarismo, do AI-5 e do golpismo. O fato de Bolsonaro não conseguir impor desde já um golpe militar de características tradicionais no país não significa que os seus mecanismos de chantagem devam ser negligenciados. Ao contrário: o PSOL precisa ter um papel ativo para evitar que o plano de Bolsonaro seja vitorioso. Uma postura negacionista em relação à profundidade da disputa democrática que está em curso pode fazer naufragar qualquer projeto de esquerda no país.

Por isso, o primeiro e maior desafio do PSOL é colocar em sua primeira hierarquia a luta para derrotar Bolsonaro e seu projeto de impor uma derrota histórica à classe trabalhadora brasileira e suas direções políticas. Nossa geração tem pressa e enorme responsabilidade histórica. Todas as lutas internas por controle do aparelho partidário ou por posições dentro das candidaturas eleitorais (que muitas vezes na história do PSOL ameaçaram a própria unidade interna) não podem se sobrepor à unidade para transformar o PSOL em uma alternativa para a classe trabalhadora brasileira e todo(a)s os oprimido(a)s, como um sujeito ativo em todas as lutas contra o governo.

2 – Apostar na Frente Única como a principal tática de combate ao neofascismo

Frente única, do ponto de vista do movimento operário vinculado à III Internacional, remonta à necessidade de reunir forças revolucionárias e a social democracia para fazer oposição ao fascismo. Deve ser compreendida como uma iniciativa de reunião entre diferentes partidos e grupos não alinhados estrategicamente entre si para fazer uma luta comum em defesa de interesses fundamentais e imediatos da classe trabalhadora contra a burguesia e o golpismo. Defendemos que essa é a tática mais importante – e já testada na história – para derrotar o fascismo em suas diversas nuances. Não dá para esperar as eleições de 2022. Ou não perceber que as próprias eleições estarão permanentemente chantageadas pela ameaça da extrema-direita.

As teses identificadas com o antigo “Bloco Oposição de Esquerda” optaram por afirmar que o PSOL perdeu autonomia perante o PT e que a campanha de Guilherme Boulos seria a expressão máxima de um perfil propositalmente caricaturizado como “puxadinho do PT”. São argumentos de uma política sectária contra o principal movimento de massas que esteve na linha de frente do embate aos ajustes de Dilma Rousseff, ao golpe e pelo Fora Temer. O que está na raiz dessa tentativa de desmoralização é o fato desses agrupamentos apostarem suas principais fichas na disputa de setores médios que giraram à direita, rumo ao antipetismo. Para esse objetivo, chegaram a flertar com o apoio à Lava Jato como uma operação progressiva. E também negaram a importância democrática da campanha pelo “Lula Livre”.

Nossa avaliação é exatamente oposta à do antigo “Bloco de Esquerda” neste ponto. Reivindicamos que o PSOL tenha compreendido a virada defensiva na conjuntura. Isso significou participar das mobilizações contra a direita, o golpe e a retirada de direitos junto à Frente Povo Sem Medo, à Frente Brasil Popular e ao Fórum das Centrais Sindicais. Reivindicamos e comemoramos que o capital político acumulado pelo MTST nestas lutas tenha encontrado um lugar no PSOL. Em nossa opinião, inclusive, é no marco da Frente Única que melhor disputamos uma alternativa à esquerda do PT.

Construímos a campanha do Guilherme Boulos e da Sônia Guajajara em 2018 com este perfil. Evidente que temos diferenças estratégicas e, inclusive, políticas com os grupos que construíram a aliança que deu base a essa candidatura no PSOL. Mas nessa polêmica elegemos uma hierarquia política: primeiro o embate com a extrema-direita e, neste marco, a diferenciação com o PT. Também fizemos uma escolha política de priorizar a possibilidade de aproximação do MTST ao PSOL em detrimento do que chamam de “PSOL raiz”. Isso porque estamos mais preocupado(a)s com a aglutinação de forças do presente do que com um museu de glórias do passado.

Outro desdobramento dessa polêmica é o fato desses agrupamentos oporem a frente única à unidade de ação. Em primeiro lugar, não identificamos nenhum(a) militante ou agrupamento no PSOL que negue a importância de fazer unidade pontual e ampla (inclusive com a burguesia) em defesa das liberdades democráticas – que é o sentido da unidade de ação mencionada. Portanto, afirmar isso é uma falsa polêmica.

A verdadeira polêmica está na raiz desse argumento: visa combater a ideia de frente permanente com partidos e movimentos da classe trabalhadora que envolveria um programa de ação comum com setores da esquerda como PT, CUT, MST e PCdoB. A justificativa política recai no sectarismo de que, unidos nas lutas com esses setores, o PSOL irá sumir e ser um “puxadinho” do PT.

Há dois grandes problemas com essa política proposta pelos camaradas. Primeiro, as principais mobilizações durante o governo Bolsonaro tiveram um caráter de Frente Única. Foi o caso do Tsunami da educação, que revelou a potência da unidade entre o movimento estudantil, UNE, UBES, o movimento sindical e o movimento popular, presentes nas Frentes, para responder aos ataques. Também foi o caso da maior greve da categoria petroleira desde 1995 – que se deu em unidade da FNP com a FUP. As organizações da classe trabalhadora com todas as suas diferenças que estão convocando manifestações unitárias nos dias 8, 14 e 18 de março para derrotar o golpismo de Bolsonaro. Isso não foi uma coincidência da história.

O segundo problema da defesa do antigo “Bloco de Esquerda” é ignorar a realidade. Estão no centro dos ataques do governo Bolsonaro as reformas que são um grande consenso entre a burguesia, o “centrão” e os meios de comunicação. Com quem vamos construir a unidade necessária para a luta contra as reformas? Para recuperar a confiança da classe trabalhadora e dos estudantes? Não temos dúvida: os socialistas e o PSOL devem apostar na construção da resistência através da frente única da classe trabalhadora e suas organizações.

3 – Defender palavra de ordem para a mobilização: a defesa de que Bolsonaro seja derrotado nas ruas

Toda a esquerda está debruçada sobre qual a palavra de ordem do momento. Nas plenárias do VII Congresso, não será diferente. O debate do “Fora Bolsonaro” ou “Derrotar Bolsonaro nas ruas” também será feito. É um debate político válido sobre quais as ideias são capazes de colocar as insatisfações contra o governo em marcha.

Neste momento, não consideramos que o “Fora Bolsonaro” esteja colocado como uma consigna capaz de unificar a classe na disputa de uma saída política. Isso porque, infelizmente, a experiência da maioria da classe com o governo é mais lenta do que gostaríamos. Não adianta levantarmos uma bandeira de ofensiva permanente se não conseguimos unificar as insatisfações em torno dela.

Vejamos o exemplo recente do Chile: o Fora Piñera unificou o movimento na medida em que a luta contra o aumento da tarifa do metrô se massificou e se radicalizou – à medida em que as insatisfações se amplificaram nas ruas e o movimento teve força para disputar uma saída política à esquerda. Não vamos aqui discutir os desdobramentos do movimento no Chile.

Mas queremos discutir que o nossos eixos devem partir dos problemas mais concretos sentidos na classe trabalhadora e na juventude, das lutas concretas vinculadas diretamente ao problema do governo Bolsonaro. Foi feito assim na greve petroleira na defesa do emprego e contra a privatização da Petrobrás. E assim devemos fazer no 18 de março, quando está sendo marcada greve da educação pela CNTE em unidade com vários setores.

4 – Alianças eleitorais só com partidos da classe trabalhadora

O verdadeiro perigo para o PSOL encontra-se na pressão da frente ampla dentro do parlamento e nas eleições. Dentro do parlamento significa ceder à pressão defendida por setores da esquerda, como o PCdoB e parte do PT, de buscar uma atuação permanente conjunta com Maia (DEM) em todas as pautas políticas. Em nossa opinião essa pressão teve consequências negativas no posicionamento de parlamentares do PSOL e da esquerda sobre o pacote anti-crime.

Nas eleições ampliar as coligações para os partidos burgueses de oposição (PDT, PSB, Rede e PV) e fazer um discurso ao centro para se tornar programaticamente viável nas eleições municipais em busca de governar cidades vai no mesmo caminho. O centro da tática para o PSOL nas eleições é aumentar sua bancada nas câmaras de vereadores se construindo como um partido de oposição intransigente ao Bolsonarismo – e não governar com rebaixamento de programa e alianças sem ter maioria social para isso.

A natureza burguesa de parte dos partidos citados acima se revela concretamente quando Ciro Gomes defende o modelo de capitalização privada da Previdência (semelhante ao do Chile e pior do que a reforma já aprovada por Bolsonaro). Quando se dividem em praticamente todos os temas mais importantes do último período: a Reforma Trabalhista versão 1 e 2, a Reforma da Previdência e o próprio golpe.

A estratégia do PSOL deve ser trilhar um novo caminho para a esquerda brasileira diferente do PT. Recuperar a independência de classe como princípio,  negando coligações com partidos burgueses e eleitorais sem programa. No parlamento não pactuar nem com o governo Bolsonaro e nem com Maia (DEM) – com quem podemos e devemos fazer a unidade necessária em pautas democráticas, preservando a nossa independência.

Nas eleições, nossa prioridade deve ser a chapa própria do PSOL, capaz de denunciar a extrema-direita até as suas últimas consequências e a plataforma de lutas da nossa classe, da juventude e do(a)s oprimido(a)s. Capaz também de se diferenciar do PT e do PCdoB – com que admitimos que alianças eleitorais possam ser feitas em caráter de exceção e tendo como objetivo disputar a classe contra a extrema direita e o golpismo que avança em 2020. Alianças com partidos burgueses só servem para repetir os erros do PT – e por isso vamos polemizar tanto com o antigo “Bloco de Esquerda” cujos expoentes defendem que é melhor ampliar para partidos burgueses do que correr o risco de ser um “puxadinho do PT”, quanto com a maioria do bloco da “PSOL de todas as Lutas”

5 – Aprofundar em 2020 a conexão do PSOL com as resistências em curso

Estamos animado(a)s para fazer esses debates nas plenárias porque acreditamos que o PSOL é um instrumento útil para a esquerda e a sua necessária reaglutinação. Porque o PSOL tem um papel ativo a cumprir na construção da Frente Única. Levantamos a bandeira do PSOL em cada luta da classe trabalhadora que participamos com essa aposta.

O PSOL pode aprofundar ainda mais as suas relações com as resistências em curso para ajudar a incendiar a insatisfação contra a extrema-direita neofascista. A sua audiência na juventude, entre as mulheres e oprimido(a)s, setores fundamentais para as lutas de resistência, é fundamental nesse sentido.

Nas eleições de 2020, defendemos que o PSOL seja irredutível nos enfrentamentos à extrema-direita. Seja o principal megafone das lutas e insatisfações em curso. E nas plenárias, buscaremos contribuir com os debates e táticas perseguindo esse caminho.

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