Por meio do Sistema Único de Saúde, o Brasil se organiza para dar suporte aos casos suspeitos e confirmados de infecção pelo Novo Coronavírus.
A orientação do Ministério da Saúde é que os casos não graves, que se preveem sejam a ampla maioria, sejam tratados e isolados provisoriamente em seus próprios domicílios, por meio da supervisão dos serviços de atenção primária à saúde, ficando os leitos destinados aos casos graves. Também vêm sendo implementadas medidas para controlar outras doenças de transmissão respiratória, notadamente as infecções pelos vírus Influenza, com a antecipação para a março da campanha anual de vacinação contra a gripe.
Problemas
O Orçamento anual da União para a saúde reduzirá, em 2020, em R$ 9 bilhões, em comparação a 2019 – consequência do congelamento por 20 anos dos gastos na área social, conforme deliberado na Emenda Constitucional 95.
- O sistema de identificação e notificação de casos suspeitos e confirmados depende dos serviços básicos de saúde. Esses serviços são, principalmente, municipais. Em centenas de municípios, com a interrupção súbita da cooperação cubana, os serviços se encontram desprovidos de médicos, sem que tenha após um ano e meio, nenhuma solução efetiva.
- O acompanhamento domiciliar pressupõe agentes comunitários de saúde e enfermeiros, compondo equipes multidisciplinares. A quantidade destes também diminuiu em 2019.
- O isolamento domiciliar requer que haja domicílios minimamente estruturados em condições para permitir leito individual em boas condições de ventilação, com acesso a instalações sanitárias e água corrente, nas residências. Esta, definitivamente, não é a realidade encontrada na maior parte dos domicílios brasileiros. Como proceder quando um paciente suspeito ou confirmado não resida em habitação com possibilidade de se manter um paciente em isolamento por quinze dias? Qual a resposta a ser oferecida pelo Estado?
- Hoje, a maioria da população economicamente ativa se divide entre a situação de desemprego, desalento ou emprego informal. Como prover recursos para manter um cidadão, voluntariamente, em situação de quarentena em seu domicílio, na medida em que a interrupção de suas atividades informais possa implicar no impedimento para que obtenha recursos básicos de subsistência, para si e seus dependentes? Qual o potencial de transmissão, por exemplo, de um motorista de aplicativo que pode ser forçado a trabalhar doente, por horas, visto não ter qualquer cobertura social e, em sua jornada, ter contato próximo com dezenas de clientes?
- Já ocorre, em todo o país, sobrecarga nos leitos de terapia intensiva. Como os serviços de saúde públicos e privados poderão viabilizar a ampliação de oferta desses serviços, com os devidos recursos de retaguarda, sem que haja recursos previstos para esse investimento?
- Como adequar locais de alta concentração humana e precárias condições de habitação e ventilação, como locais de trabalho, asilos, abrigos, habitações coletivas, presídios e outros, para que haja vigilância e controle da transmissão de infecções respiratórias? Como proceder em locais de grande concentração, como trens, metrôs e ônibus, muitas vezes sem ventilação mínima?
Mais uma vez, a saúde enfrenta o dilema entre o individual e o coletivo: uma sociedade que valoriza o individualismo e prega um Estado descartável pode ser parasitada rapidamente e frustrar investimentos pessoais, seja com a morte ou com a queda brusca das ações nos mercados financeiros. Assim como retratado pela arte, na Coréia do Sul da valorização do sucesso econômico de poucos às custas de uma sociedade desigual, no oscarizado Parasita, de Bong Joon-Ho, o ambiente teoricamente estéril das bolsas corre riscos biológicos.
Que essas questões sejam discutidas em nossos espaços de poder e que as soluções se apresentem.
*Carlos Vasconcellos é médico de Família e Comunidade, médico sanitarista e militante do SUS.
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