Então, vamos combater os “índios” do Cacique de Ramos?
Cresci num ambiente onde vez ou outra a Igreja Católica tentava censurar alegorias na Sapucaí. Mas os carnavalescos sempre deram um jeito de driblar e denunciar a censura.
Quem não se lembra do antológico “Cristo Mendigo”, de Joãozinho Trinta? Proibida de aparecer no desfile, por ordem judicial, a imagem foi coberta com um saco preto, ostentando uma faixa que dizia: “Mesmo proibido, olhai por nós”. O público foi ao delírio! “Quem não seguiu o Mendigo Joãozinho Beija-flor?”, cantaria Caetano Veloso, posteriormente.
Agora uma parte (minoritária, mas barulhenta) da esquerda vem se esforçando em uma tarefa ainda mais hercúlea que a da Igreja Católica: querem definir as fantasias que podem e as que não podem, não na Sapucaí, mas no carnaval de rua.
No centro da pauta continua o mesmo conceito acionado pela Igreja: o “desrespeito”. Antes acompanhado por termos como “sagrado”, “imaculado” e “pecado”, agora o conceito vem renovado, na companhia da “apropriação cultural”, do “lugar de fala” e das “micro-opressões”.
Gente, Carnaval é, por definição, subversão, inversão de valores, externalização de desejos reprimidos, e galhofa com toda e qualquer autoridade estabelecida. Ponha seu dedo em riste e grite: “não pode isso!”. Aí é que a coisa vai poder mesmo, e vai poder com muito mais vontade, gosto e gozo.
Dois mil anos de cristianismo e as pessoas ainda se fantasiam de padres, pastores, freiras, anjos, demônios e levam Jesus pra Avenida! E tem grupinho querendo pautar novas regras com dois ou três anos de lacração no Facebook?
Parte desses “desconstruídos”, por pura falta de tato no diálogo, ajudou a empurrar os setores mais religiosos da sociedade para o colo do fascismo. Não satisfeitos querem empurrar agora os foliões para extrema direita também? Pois não faltará quem os receba de braços abertos com aquela abobrinha de “censura do politicamente correto”…
Mais do que nunca, esses setores ditos progressistas precisam sair do “século vinte dois” e retornar ao presente para estabelecer pontes, ao invés de muros, com o povão.
Deixem para Damares a ingrata tarefa de tentar regular “o que não tem governo, nem nunca terá! O que não tem vergonha nem nunca terá! O que não tem juízo.”
Renato Vicentini é historiador.
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