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BRASIL

PE: Defender as torcidas organizadas e o futebol popular

Diogo Xavier e Renato Saldanha, de Recife (PE)

A cada novo episódio de violência relacionado às torcidas de futebol, o mesmo roteiro se repete. Autoridades da área de segurança pública e grande parte da mídia buscam criminalizar as torcidas organizadas e até pedem sua extinção. É justamente isso que está acontecendo agora em Pernambuco. Atendendo a pedido do Procurador Geral do Estado, Ernani Medicis, o juiz Augusto Sampaio Angelim, da 5ª Vara da fazenda Pública da Comarca do Recife, determinou no dia 17/02 a extinção imediata e o cancelamento do CNPJ das três principais torcidas organizadas do estado: Torcida Jovem do Sport, Inferno Coral, do Santa Cruz, e Fanáutico, do Náutico.  

Essa decisão se dá no rastro de uma recente ação violenta de um grupo de torcedores do Sport, que atacaram uma festa promovida por torcedores do rival Santa Cruz, no início do mês. Embora esse não tenha sido o único caso recente no Estado de violência relacionada ao futebol, o episódio chamou atenção por ter ocorrido fora do contexto de uma partida, em uma área central do Recife, e tenha tido como alvo torcedores comuns, não-organizados.

Logo após o ocorrido, o presidente da Federação Pernambucana de Futebol, o ex-delegado de polícia Evandro Carvalho, comparou as torcidas organizadas a um “câncer”, que precisa ser extirpado, e defendeu abertamente a pena de morte para os torcedores: “Infelizmente, a polícia atirou para cima. Deveria ter atirado neles. Seriam de 30 a 40 marginais a menos na cidade”, declarou.

Medidas ineficazes, que nada resolvem

A violência no futebol não é algo novo, nem tampouco simples. Está relacionada à violência cotidiana de nossa sociedade, mas também tem dinâmica e características próprias, que precisam ser compreendidas. Desde os anos 1990, quando o então Procurador de Justiça de São Paulo, Fernando Capez, baniu as organizadas dos estádios daquele estado, diversas medidas baseadas exclusivamente na criminalização e no recrudescimento da repressão às torcidas organizadas já foram adotadas pelo país, sem jamais chegar a uma pacificação duradoura dos estádios. 

Ao invés da festa das torcidas organizadas, as “arenas” de hoje priorizam o “torcedor-consumidor”, que vale o que consome

Atualmente, instrumentos e materiais das arquibancadas são proibidos por todo o país sob o argumento de que podem servir como armas em possíveis confrontos. Sem mostrar nenhuma eficácia no combate à violência essas e outras medidas adotadas sob o lema da “modernização” do futebol tem afetado diretamente a cultura das arquibancadas e contribuído para uma mudança no perfil do torcedor. Se antes papel picado, sinalizadores, bandeiras e baterias eram comuns, hoje estão quase extintas ou restritas a um pequeno espaço, e o jeito de torcer vai ficando mais frio. Ao invés da festa das torcidas organizadas, as “arenas” de hoje priorizam o “torcedor-consumidor”, que vale o que consome, e não o quanto apoia o seu clube. É a elitização, que exclui os mais pobres das arquibancadas, tirando a diversão daqueles que já tem muito pouco. 

No caso de Pernambuco, desde 2013 as três maiores torcidas organizadas do Estado já estavam banidas dos estádios, proibidas de levar às arquibancadas faixas, bandeiras ou camisas, e mesmo de cantar suas músicas. Passados seis anos, já está clara a inocuidade dessa medida. As torcidas continuaram frequentando os jogos, ainda que não-uniformizadas (o que dificulta ainda mais o seu controle e a identificação dos envolvidos em eventuais confusões), e o estádio e o seu entorno não ficaram mais seguros. A recente decisão do magistrado Pernambucano apenas insiste nessa mesma fórmula fracassada.  

Defender o direito ao lazer e o direito à livre associação

A criminalização das torcidas, bem como o desejo declarado de extermínio de seus membros, é mais uma expressão do racismo e do ódio de classe que assassina sistematicamente a juventude negra, pobre e periférica no Brasil, e persegue suas práticas de lazer e cultura. É a mesma lógica que autoriza a Polícia Militar de São Paulo a emboscar e matar jovens em um baile funk em Paraisópolis, ou leva a justiça a condenar o DJ Rennan da Penha por associação ao tráfico, mesmo sem nenhuma prova.

As torcidas organizadas devem ser reconhecidas como parte importante do evento esportivo, além de uma forma legítima de organização popular para a vivência do lazer, um direito previsto na constituição. Portanto, a luta pelo futebol popular não se separa da luta por melhores condições de vida para trabalhadores e trabalhadoras. É a luta contra a lógica empresarial que transforma a cultura popular em mercadoria, e restringe o seu acesso somente a quem por ela pode pagar.